Opinião

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Earworms: quando a música não para de tocar

João Paulo M. Araujo

Professor do curso de Filosofia da UERR

Num momento em que você está desatento, um verme rasteja lentamente até o seu ouvido, se aloja e fixa moradia em seu aparelho auditivo. Esse verme possui um pequeno hobby, nos últimos meses ele começou a estudar música aprendendo apenas uma canção. No entanto, ele foi convidado para se apresentar num concerto musical para vermes e como ele só sabe uma música, precisa ensaiar exaustivamente para que tudo ocorra bem no dia da apresentação. Apesar de acreditar que está ensaiando sozinho, ou seja, ao se certificar de que nenhum verme está lhe ouvindo, ele não sabe que tem um ouvinte informal: você. Por conseguinte, o que você agora ouve, isto é, sua experiência de primeira pessoa revela que uma música não para de tocar em sua cabeça. Essa música que pode ser fracionada em pequenos trechos passa dias e até semanas manifestando-se sub-repticiamente e você não pode fazer nada a respeito.

 A despeito da fantasia acima esboçada, ter uma música que toca initerruptamente dentro da “cabeça” como uma espécie de looping é algo que afeta grande parte da população. Essa capacidade que uma música tem de se alojar em nossas mentes é conhecida pelo termo earworms que literalmente significa vermes do ouvido. Autores como Oliver Sacks prefere a terminologia brainworms (vermes do cérebro). Independente da terminologia usada, a expressão earworms é tomada emprestada da palavra alemã ‘ohrwurm’ e foi usada pela primeira vez no início da década de 80. Mas como podemos melhor explicar esse conceito? Em outras palavras, como a música afeta o nosso cérebro fazendo-nos ouvir repetidamente a mesma coisa? De modo geral, dada a sua variedade e capacidade de estar presente em todas as culturas, as experiências musicais humanas são diversas e encerram várias questões no âmbito do saber. Seguindo Hodges & Thaut (2019), filósofos, etnomusicólogos, teóricos da música e muitos outros derramaram inúmeros barris de tinta tentando explicar o fenômeno da música. Mas tratando-se de algo mais específico iremos focar no fenômeno dos earworms, que também de um modo geral se apresenta como um fenômeno constante em diversas culturas.

Na caracterização dada por Oliver Sacks (2007) em seu livro Alucinações Musicais podemos entender os earworms/brainworms como fenômenos que costumam ser estereotipados e invariáveis. Esses episódios que costumam durar dias, mesmo quando estão diminuindo sua intensidade pode ressurgir de imediato ou quando completamente extintos também podem voltar a aparecer anos depois, basta um gatilho que esteja associado àquela música em particular. Vale ressaltar que essas músicas nem sempre precisam ser músicas que atendam nossas preferências estéticas, muitas delas sequer apreciamos, mas por alguma razão fomos submetidos direta ou indiretamente a uma longa sucessão de repetições da mesma música. Podemos citar uma série de exemplos de como certas canções passaram a habitar nosso inconsciente coletivo, isso quando não eram objeto direto de nossa consciência. Músicas como “Macarena” nos anos 90, “Ai se eu te pego” de Michel Teló ou em nossa atualidade “Baby Shark” ou até mesmo “A Fazendinha” do Mundo Bita são exemplos de earworms que vemos nos relatos das pessoas. Por outro lado, os earworms não precisam ter origem em músicas que foram massificadas, eles também podem se manifestar em pequenas produções que atingem um limitado espectro da população, não há regras universais que determinem a manifestação fenomênica de um earworm.

Para quem acompanha a cultura pop, foi possível nos últimos meses observar o sucesso da quarta temporada do seriado Stranger Things, e simultaneamente, da música Running up that hill da artista britânica Kate Bush. Apesar de se passar nos anos oitenta, o seriado é um fenômeno do século XXI, em contrapartida, a música da Kate Bush não, seu ano de lançamento foi exatamente em agosto de 1985. A despeito disso, é possível ainda hoje notar a enxurrada de ocorrências da música de Kate Bush nas plataformas de streaming e redes sociais como, por exemplo, Instagram. No início era legal, a música fazia referência ao seriado, mas o abuso da mesma nas plataformas passou a ser algo que “ninguém” aguenta mais e isso para não trazer à tona os relatos das pessoas que reclamavam que a música agora não saia de suas cabeças. Outros exemplos, mas em proporções menores ocorreu com “Master of Puppets” do Metallica, “Pass the Dutchie” do Musical Youth e “Separate Ways” do Journey. Todas essas músicas não trazem nada de novo, mas dado seu passado ressurgem com novos significados que se fundem às memórias afetivas daqueles ouvintes já familiarizados.

Na publicidade esse fenômeno é bastante explorado com o objetivo nefasto de fazer com que o consumidor em potencial se recorde do produto a todo custo. O “pulo do gato” consiste justamente em associar uma música já consagrada à uma marca em questão, como no exemplo da música “Emoções” de Roberto Carlos associada aos produtos da Nestlé durante uma campanha que comemorava 90 anos da marca no Brasil. Os earworms intencionalmente criados para o mundo da propaganda e do consumo não precisam ser algo estritamente relacionado a alguma canção, muitas vezes ele se manifesta em forma de slogans como nas clássicas propagandas publicitárias dos anos 60 cuidadosamente representadas no seriado americano Mad Men (2007-2015). Sobre isso, Oliver Sacks chama atenção citando um conto de Mark Twain (1876) intitulado “A literary nightmare” no qual, segundo Sacks (2007), “o narrador se vê indefeso diante de algumas “rimas bem cadenciadas”. É possível que ao invés de uma canção martelando em sua cabeça, você tenha algumas rimas, frases ou até mesmo trecho de poemas ou de uma fala de teatro sendo reproduzidos incessantemente.

Filosoficamente poderíamos nos perguntar: quais elementos estão em jogo na esfera psicológica e neurológica dos earworms? Será uma característica do som, do timbre, das combinações harmônicas que se repetem ou de fatores emocionais singulares? A resposta para essa questão não é nada conclusiva. Ainda em seu texto, Oliver Sacks aponta para uma semelhança dos earworms com a síndrome de Tourette ou até mesmo do distúrbio obsessivo-compulsivo. De acordo com Sacks (2007) “os portadores da síndrome de Tourette ou de distúrbio obsessivo-compulsivo podem ser fisgados por um som, uma palavra ou um ruído e repeti-lo, ecoá-lo em voz alta ou para si mesmos por semanas a fio”. Diferentemente das condições normativas dos earworms, nos pacientes com esses distúrbios a repetição rompe a fronteira do acesso “privado” ou introspectivo e passa a habitar a esfera pública e, portanto, intersubjetiva. Sacks aponta para uma espécie de “continuum” existente entre o patológico e o normal uma vez que “os brainworms, embora possam aparecer de modo súbito, já totalmente desenvolvidos, e se apossar de imediato e por completo de uma pessoa, também podem desenvolver-se como uma espécie de contração de imagens mentais musicais previamente normais”. Em outras palavras, há uma linha tênue entre o normal e o patológico no que concerne a ocorrência dos earworms, afinal, o fato de alguém ter uma música martelando sem intermitências em sua cabeça não significa de todo que algo não anda bem com sua saúde mental.

Apesar de seu traço involuntário, os earworms também estão de alguma forma conectados com nossa capacidade de imaginação. Trata-se da imagem musical, isto é, a capacidade que temos de imaginar uma música tocando em nossas mentes. Em um estudo intitulado The prevalence and nature of imagined music in the everyday lives of music students, Freya Bailes (2007) explorou a prevalência e a natureza das imagens musicais em estudante de música na vida cotidiana. De acordo com Bailes (2007), os estudantes de música relataram que imaginar música era uma forma muito frequente de experiência musical. Assim como em nossas experiências visuais (aquilo que os filósofos chamam de “a tese do elemento comum”), algo semelhante ocorre com nossas experiências musicais e auditivas como um todo. Se, por exemplo, eu estou ouvindo uma música, áreas como o lobo temporal estão em plena atividade processando informações no ambiente circundante que tem, neste caso, a música em si mesma como objeto de foco perceptual. Por outro lado, se não estou ouvindo música alguma, mas por alguma razão começo a imaginar uma música com vivacidade sendo executada em minha mente esta mesma área do cérebro apresentará respostas a essa imaginação. É como se para o nosso cérebro não houvesse diferença entre ouvir uma música real e uma música deliberadamente criada como fruto da imaginação.

No caso do estudo de Bailes (2007), os participantes relataram variação individual em sua experiência de imagens, mas também diferenças comuns entre a força das imagens para diferentes dimensões musicais como melodia e letra, por exemplo. A melodia e a letra foram classificadas como sendo componentes mais vívidos da imagem do que timbre e expressão. Além do mais, segundo Bailes, outro padrão claro foi a influência de ouvir música na imaginação musical como um indicador no qual 58% dos episódios analisados, os estudantes descreveram ter ouvido ou tocado a música recentemente como uma possível razão para imaginá-la atualmente. Com o fenômeno dos earworms, ter ouvido a música recentemente (embora não necessariamente) é um dos fatores que também contribuem para essas experiências involuntárias que não nos abandonam tão facilmente. Quando temos uma música martelando em nossas cabeças e possuímos alguma afinidade com aquela canção em particular não parece ser um grande problema. Por outro lado, ouvir a repetição constante da mesma música pode ser extremamente irritante como se a música de alguma forma roubasse a cena no teatro de nossa consciência; quanto mais nos empenhamos em tentar remover a canção de nossas “cabeças” mais angustiados nos sentimos pelo fracasso iminente.

Enquanto isso, o verme que se alojou em seu aparelho auditivo está chegando ao fim de seus ensaios, de modo que cada vez mais ele se sente seguro do que aprendeu. Ele acredita que não é mais preciso ensaiar a mesma música repetidamente. Sua tarefa agora consiste em escolher uma nova canção para futuras apresentações. Você enquanto ouvinte informal não sabe disso, mas em breve, de maneira súbita, será o primeiro a ser notificado pelo novo single que ininterruptamente passará a ecoar em sua consciência fenomênica.   

Cada um é o que é

Afonso Rodrigues de Oliveira

“Somos todos tolos, tolos sem desculpas, quando falamos da superioridade de um sexo em relação ao outro, como se fosse possível compará-los em condições iguais! Cada um tem, o que o outro não tem; cada um completa o outro; não são em nada iguais; e a felicidade e perfeição de ambos depende de cada um pedir e receber do outro o que somente o outro é capaz de dar”. (John Ruskin)

Faz tempo que venho mastigando o pensamento de que quando você luta pela igualdade é porque se sente inferior. O que importa realmente é que você mostre o que é, sendo o que é. E é só isso. Considerar-se superior ao outro pela definição do sexo, vai muito além da tolice. E a coisa está como se estivesse rolando na ribanceira da tolice. Ainda não somos capazes para entender que quando falamos que somos todos iguais nas diferenças, estamos faland
o em respeito às diferenças. E os casais ainda caem na esparrela de não entender isso. Ainda continuamos tendo o parceiro como um objeto de posse. O que sempre leva à discriminação.

Vamos amadurecer nos relacionamentos. Quando respeitamos o parceiro só exigimos dele o que ele é capaz de dar. Caso contrário, estamos mostrando nossa incapacidade na escolha. Vamos acordar e perceber que somos dois sexos diferentes e cada um na sua. Os preconceitos e discriminações não são mais do que o crachá da tolice. Cada um de nós está no seu grau de evolução racional. E isso não é religião nem filosofia, é apenas a indicação de que estamos todos na caminhada da racionalidade. E ser racional é saber viver dentro dos padrões, que na verdade não são padrões.

Cada um é responsável pelo seu futuro. O que indica que os erros fazem parte da nossa evolução. Praticá-los repetidamente faz parte do nosso grau de tolice. Vamos nos respeitar uns aos outros, para que possamos ser iguais nas diferenças. Um sexo jamais atrairia o outro se fossem iguais. E a igualdade não está somente no sexo, mas na evolução mental. Vamos parar com essa tolice de brigas e crimes, por conta do desrespeito à diferença no sexo.

Independentemente do seu sexo com o sexo do seu parceiro, sua felicidade na união depende da maneira como você desfruta a diferença. O resto é tolice. Mantenha seu parceiro, ou parceira, como um elemento enriquecedor da sua vida. E isso não se liga somente à união conjugal. O respeito se estende à sociedade. O que nos leva à procura do conhecimento das relações humanas. O bom relacionamento na convivência está onde estamos e como quem estamos. E só devemos esperar do companheiro, seja ele quem for, o que ele pode nos dar como resposta ao que lhe damos. Pense nisso.

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