Os Campos Objetivos e Subjetivos da Percepção
João Paulo M Araujo
Professor no curso de filosofia da UERR
No que concerne à temática acima, a teoria de Searle da intencionalidade perceptual pretende se desvincular da tradição de uma análise de significado de sentenças e condições de verdade, em sua explicação ele tem que mostrar que ela serve tanto para adultos quanto para bebês e animais não humanos. A ideia é que bebês e animais não humanos têm percepções visuais extremamente sofisticadas e qualquer filosofia da percepção deve levar em consideração suas experiências. Em segundo, é um fato sobre a fenomenologia humana que nossas experiências perceptuais possuem um conteúdo intencional muito rico. A razão disto, é que não vemos apenas cores e formas no mundo, mas sim, construções perceptuais bem sofisticadas como a percepção do ‘Edifício do campus São Pedro da UERR’ e não apenas ‘um edifício’; ou a percepção do ‘do conjunto de pássaros que habitam a cidade de Boa Vista’ dentre às quais é possível identificar um ‘sabiá’ e um ‘sanhaçu verde de coqueiro’ (para citar dois exemplos), e não apenas um mero conjunto de pássaros dispostos aleatoriamente dentre os quais predominam os canarinhos. Em terceiro, além de termos uma dimensão fenomenológica rica em conteúdo intencional, também temos uma dimensão fisiológica onde nossos nervos ópticos são constantemente estimulados e estes estímulos navegam até o nosso córtex visual. Assim, a pergunta de Searle é: “Como podemos obter uma fenomenologia tão rica a partir de um input fisiológico tão limitado?” (SEARLE, 2015, p. 104). Por outro lado, nossa percepção visual encerra limites, tais limites podem ser vistos na dificuldade de classificar sentenças como “eu vi que ele estava bêbado” ou “eu vejo que ele é inteligente”; percebam que não estamos nos referindo a metáforas, como na sentença “eu vejo a importância de Wittgenstein para a tradição filosófica.” Neste último caso, não temos uma descrição de uma experiência visual. Por fim, em quarto lugar, algo que nos é bastante familiar no pensamento de Searle, a saber: A consciência e a intencionalidade são biologicamente dadas. Nesta passagem temos o seguinte:
Pressupomos uma neurobiologia capaz de produzir formas complexas de consciência e, mais problematicamente, supomos que a distinção entre as formas intencionais e não intencionais de consciência também é dada biologicamente. Nossa pergunta não é: “Como a criança ou o animal sabem que a visão e o toque lhes dão acesso ao mundo?”, mas sim: “Como certas características da experiência consciente apresentam certas características do mundo?” (SEARLE, 2015, pp. 104-105).
A questão central de Searle nos dois capítulos centrais de sua obra Seeing Things As They Are (2015), diz respeito em explicar a natureza e a relação dos campos objetivos e subjetivos da percepção. Para tal empreendimento, Searle toma como base algumas concepções já vistas como, por exemplo, a ideia de que sempre que conscientemente vemos alguma coisa, o estado de coisas causa em nós uma experiência visual consciente. A experiência possui um caráter ontologicamente subjetivo, ou seja, só existe na medida em que é experienciada por um humano ou animal. Por seu turno, como é subjetiva, possui uma qualidade, um elemento qualitativo de como é ter a experiência de algo, “o caráter qualitativo da experiência implica na subjetividade ontológica” (SEARLE, 2015, p. 47). E por fim, a experiência não ocorre isoladamente, mas sim como parte daquilo que Searle chama de campo subjetivo consciente total (total conscious subjective field) que, por sua vez, inclui outras questões mais complexas, isto é, modalidades perceptivas tais como “experiências auditivas e táteis, bem como o fluxo de pensamentos, humores, emoções e diversas sensações corporais, como dores” (SEARLE, 2015, p. 105). Também, a experiência visual subjetiva possui uma intencionalidade intrínseca a ela. Para Searle experiências visuais (verídicas) vêm sempre acompanhadas de condições de satisfação como requisito básico. Não posso ter uma experiência visual sem que pareça para mim que estou vendo alguma coisa como, por exemplo, quando olho através de minha janela e vejo uma árvore em frente à minha casa e ao fundo um cavalo comendo capim do outro lado da rua. Esse tipo de experiência visual consciente segundo Searle, “possui uma intencionalidade consciente extremamente rica como parte de seu próprio conteúdo” (SEARLE, 2015, p. 106).
Searle precisa mostrar que o campo visual subjetivo é algo notoriamente distinto do campo visual objetivo, pois o primeiro é uma apresentação intencional do segundo. Uma vez que essas noções possuem um apelo intuitivo, seus termos são autorreferentes. O campo visual objetivo é, na concepção de Searle, ontologicamente público; trata-se de “um conjunto de objetos e estados de coisas em terceira pessoa que são identificados em relação a um observador em particular e seu ponto de vista” (Ibid, p. 106). Por outro lado, o campo visual subjetivo é o oposto, ou seja, um conjunto de experiências que ocorrem dentro da cabeça, ou seja, estas experiências possuem uma ontologia de primeira pessoa. Aqui entramos numa explicação que a princípio aparenta ser contra intuitiva. Searle (2015) afirma que no campo visual objetivo tudo é visto ou pode ser visto, enquanto que no campo visual subjetivo, nada é visto nem pode ser visto. O que ele pretende com isso? Dado que no campo visual subjetivo nada é visto, isso não significa que “as entidades no campo visual subjetivo são invisíveis, mas sim que, sua existência é o ver dos objetos no campo visual objetivo” (Ibid, p. 107). A ideia é que quando vemos alguma coisa, não vemos o “ver da coisa” (campo visual subjetivo), o que vemos são os conteúdos intencionais que podem ou não ter objetos intencionais, como é o caso da alucinação que possui um conteúdo intencional, mas carece de um objeto intencional. Para os casos alucinatórios, Searle vai dizer que a pessoa que sofre de uma alucinação não vê nada, pois o “ver” implica numa relação entre objeto e conteúdo intencional. Na alucinação ocorre apenas uma experiência visual que para Searle não se configura como um genuíno caso perceptual. De acordo com Searle, quando pensamos que as entidades do campo visual subjetivo são elas mesmas vistas estamos incorrendo numa forma de Bad Argument que, grosso modo, significa dizer que não percebemos objetos do mundo real diretamente, mas apenas representações desses objetos.
Há na distinção entre os campos objetivos e subjetivos a ideia de que a percepção é “transparente”. A razão disto ocorre pelo fato de que não há nada no campo visual subjetivo que não seja ele
mesmo objetivo. Em outras palavras, “a descrição do campo visual objetivo e do campo visual subjetivo será exatamente a mesma, as mesmas palavras na mesma ordem” (Ibidem, p. 107). Searle (2015, p. 59) já havia mencionado esta ideia como aquilo que a princípio seria um argumento contra a intencionalidade das experiências perceptuais, mas que na verdade se configurava como um forte argumento a favor das mesmas. Vamos supor que alguém pede para que eu descreva o que estou vendo em termos literais e objetivos, assim de imediato falo que “eu vejo o Parque Rio Branco com o mirante à direita.” Se por acaso eu quisesse falar de minha experiência visual eu poderia dizer, por exemplo, “eu tenho uma experiência visual que é exatamente como se eu estivesse vendo o Parque Rio Branco com o mirante à direita.” Searle (2015, p. 108), chama atenção para o seguinte ponto, no inglês comum, quando isolamos a experiência visual é normal usarmos a palavra “parece” (seem) e dizermos algo como, por exemplo, “eu pareço ver o Parque Rio Branco”; contudo, a palavra “parece”, segundo Searle, revela um escopo ambíguo onde a sentença “eu pareço ver o Parque Rio Branco” pode ser tomada de duas formas: ou “Parece que eu vejo o Parque Rio Branco” ou “Eu tenho uma experiência visual que é exatamente como se eu estivesse vendo o Parque Rio Branco.” A estratégia de Searle para evitar esse tipo de ambiguidade consiste em especificar a experiência visual sem precisar recorrer ao verbo “parecer”.
Até aqui sabemos que o que causa nossas percepções visuais são os objetos do mundo objetivo, isto é, o objeto intencional de nossa percepção é ele mesmo a sua causa intencional. Searle argumenta que “é uma disposição básica de Background de animais conscientes como nós mesmos que tomamos o objeto intencional da percepção como sendo a coisa que causa a experiência perceptiva” (SEARLE, 2015, p. 108). Ora, seu realismo direto tem um apelo intuitivo às nossas noções imediatas de percepção do mundo. Tais noções imediatas estão tão ancoradas no nosso cotidiano que lembram até aquelas intuições mooreanas de senso-comum. Mesmo em casos em que poderíamos supor que não sabemos nada acerca do objeto de nossa percepção, ainda assim, ele seria a causa de minha experiência perceptual. Para clarificar a ideia de que o objeto intencional da percepção é ele mesmo sua causa intencional, Searle recorre ao seguinte exemplo:
Pense em esbarrar em algo no escuro ou, de repente, ouvir um barulho alto ou sentir um cheiro desagradável ou ver um flash inesperado aparecer na janela. Em todos esses casos, estou supondo que você não sabe o que é que está percebendo, no sentido de que não consegue identificá-lo, mas, em todos os casos, sabe que o objeto de sua percepção é o que causou a experiência perceptual. (SEARLE, 2015, p. 109).
De acordo com Searle, esta passagem é crucial para o argumento de sua teoria, pois, sempre que percebemos alguma coisa consideraremos o objeto (não importa se temos conhecimento dele ou não) como sendo a causa da nossa experiência perceptiva. O interessante nisso tudo, é que esta noção tem aplicabilidade tanto para objetos individuais como, por exemplo, “a minha bicicleta azul” quanto para características gerais como, por exemplo, “a cor vermelha do livro em cima da mesa.” O que está em destaque é a causação intencional, o intencional neste caso é o modo como se apresenta para mim na percepção, seja como algo específico ou geral. Nesse sentido, o conteúdo intencional específico em cada indivíduo é o objeto intencional da percepção. Voltando ao exemplo da Parque Rio Branco, a causa da minha experiência visual do Parque Rio Branco é o próprio Parque Rio Branco, eis a relação do campo visual subjetivo com o campo visual objetivo. Contudo, para que tudo isso seja possível, isto é, para que possam ocorrer experiências visuais perceptuais “existe uma história causal não intencional muito complexa sobre a neurobiologia da visão, e sem essa sequência causal a percepção não pode ocorrer” (SEARLE, 2015, p. 109). Essa história causal que Searle relata envolve mecanismos de feedback que estão relacionados a uma dimensão neurofisiológica da visão, consequentemente, estas áreas cerebrais não fazem parte dos conteúdos intencionais e, portanto, não podem ser considerados objetos intencionais. É essa história causal extremamente complexa que segundo Searle permite que a intencionalidade opere. Até então não há nenhuma estranheza nesta afirmação de Searle, pois ser um naturalista é algo que já seria esperado da parte dele em sua explicação assim como sua clássica caracterização para os fenômenos mentais em que “são causados por processos neurofisiológicos no cérebro e são eles próprios, características do cérebro” (SEARLE, 1992, p. 1).
Para Searle, uma afirmação básica do seu realismo direto é que, na prática, não precisaríamos de uma teoria para descrever que o objeto que causa nossas experiências conscientes é o próprio objeto que estamos percebendo, Searle simplesmente toma isso como um fato indubitável do mundo que está, por seu turno, ancorado em um pressuposto biologicamente dado. Para Searle (1983, pp. 120-121) o termo ‘causa’ designa uma relação real no mundo real. Por outro lado, alguns filósofos afirmam que nós não experimentamos a causalidade na percepção visual. Se levarmos a sério as considerações feitas até agora, parece estranho negar que não experimentamos a causalidade na experiência visual, pois, “não há como eu ter essas experiências visuais sem tê-las como experiências da coisa que causou as experiências em si” (SEARLE, 2015, p. 109). Portanto, nessa perspectiva searleana, no que diz respeito a causalidade, o que é válido para nós seres humanos, também é válido para outros animais não humanos que são conscientes e possuem um aparato perceptual semelhante ao nosso.
Nada de ensaios
Afonso Rodrigues de Oliveira
“A vida é uma peça de teatro que não permite ensaio. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos”. (Charles Chaplin)
Não espere que todos os dias de sua vida sejam de alegria. Há momentos na vida em que temos que encarar os trancos, mas com personalidade e respeito a si mesmo. Porque quando nos respeitamos somos respeitados. E é por aí que caminhamos para o horizonte da racionalidade. Há momentos
que podem até nos parecerem insignificantes, mas que são valiosos na preparação do futuro. Quantas vezes você já não se sentiu feliz deparando-se com algo simples que lhe traz felicidades? Quando somos felizes, vez por outra nos encontramos com a felicidade em coisas ou lugares simples.
Ontem peguei um livro na minha pequena estante. O coração bateu forte. Era o livro “Várzea do Açu”, do meu primo Manuel Rodrigues de Melo. Ele foi um dos escritores, jornalistas e críticos no mundo da cultura, politicamente reconhecido no jornalismo em Natal. A terceira edição do livro foi publicada em 1972. Esse exemplar que tenho, me faz muito feliz. Depois conto o porquê da felicidade.
Entusiasmado com a presença do livro, peguei outro. O coração bateu forte. É o livro do Gilberto Freire de Melo, “Alto do Rodrigues”. O livro foi publicado em 2009 e o Gilberto mandou-me este exemplar, no qual ele fala dos nossos momentos de alegria naquela região. Ele fala muito das origens de minha família.
Continuei mexendo nos livros e abri o “Reportagens que ninguém escreveu”. Também do Gilberto Freire de Melo, com uma dedicatória que muita me orgulha. O Gilberto Freire de Melo faleceu em Natal, bem recentemente. Meu abração para o querido amigo, onde ele estiver. Senti e continuei abrindo livros. O seguinte foi “Geringonça do Nordeste – Fala proibida do povo”, do escritor e amigo, Geraldo Queiroz. A quem agradeço, tanto pelo exemplar do livro que ele me mandou, quanto pela dedicatória carinhosa. Um grupo de amigos que nem a distância nos separa. Fizeram do meu dia, hoje, um dia digno de ser vivido, e que será, com certeza. Nada mais valioso do que os momentos felizes que vivemos com lembranças de amigos que guardamos dentro do coração. Guarde sempre algo que possa lhe trazer felicidade. Tenho comigo, uma matéria publicada pelo Manuel Rodrigues de Melo, no “Diário de Natal”, em 1952, sobre o jovem Afonso Rodrigues de Oliveira, que ele considerava um grande artista. Tenho uma cópia da mensagem que me foi enviada pelo Gilberto Freire de Melo. Procure sempre algo que faça você se sentir feliz, com lembranças felizes. Pense nisso.
99121-1460