A máquina de fabricar opiniões
João Paulo M Araujo
Professor do curso de filosofia da UERR
Quando ouvimos a expressão “lavagem cerebral” muitas vezes vem em mente alguma imagem de ficção cientifica cujo o processo seria algo bem distante de nossa realidade, isto é, com métodos insólitos de programação mental que teria por objetivo a modificação do comportamento humano. Também é comum associarmos o conceito ao âmbito religioso ou até mesmo político. Nesse sentido, a alteração ou controle da mente humana a partir de certas técnicas psicológicas reduz a capacidade dos sujeitos de pensar criticamente. Isso, por seu turno, abre caminho para a inserção de novas opiniões (indesejadas) com claro intuito de formatar valores e crenças que irão se refletir nas atitudes concretas dos indivíduos na sociedade. O fenômeno da lavagem cerebral é algo mais corriqueiro do que imaginamos e acontece o tempo todo em nosso cotidiano. Numa palavra mais objetiva, ele é majoritariamente performado através daquilo que conhecemos por mídia. Ao menos nos últimos 8 anos assistimos mais conscientes o papel que a propagação de informações (muitas delas fake news) desempenhou em nosso cenário político. Os efeitos foram catastróficos, só aos poucos estamos conseguindo nos desvencilhar de seus danos colaterais.
Em seu livro “Mídia: Propaganda Política e Manipulação”, Noam Chomsky (2014) chama a atenção para o papel que a mídia desempenha na política contemporânea. Segundo Chomsky, dado o alcance e influência que os meios midiáticos ocupam em nossas vidas, deveríamos fazer a seguinte pergunta: Em que tipo de sociedade queremos viver? Essa pergunta se relaciona diretamente com a ideia de uma sociedade democrática de direito. O problema é que o próprio conceito de democracia muitas vezes assume apenas a função de uma palavra vazia capaz de alojar sentidos que aparentam ser de um estado democrático, mas que na prática é totalmente contrário. Basta pens
armos nos casos que envolvem a legitimação do discurso de ódio simplesmente apelando para a noção de “liberdade de expressão”. O mesmo se passa com perspectivas políticas que visivelmente flertam com o fascismo, mas que segundo a visão de alguns (vide o caso Monark), essas posturas devem ser toleradas porque vivemos numa democracia. Nem precisamos evocar o paradoxo da tolerância para saber o quão absurdo isso é, mas na prática é só o que vemos acontecer em muitos contextos do cenário brasileiro e mundial.
Assim, seguindo os passos de Chomsky (2014), podemos caracterizar ao menos duas propostas de democracia. A primeira que seria a ideal e, portanto, desejável, é aquela em que “o povo dispõe de condições de participar de maneira significativa na condução de seus assuntos pessoais e na qual os canais de informação são acessíveis e livres.” Essa perspectiva é comumente concebida por qualquer pessoa razoável refletindo sobre o real papel de um Estado de Direito. A segunda concepção que Chomsky elenca observando a história da experiência “democrática” em países como Inglaterra e EUA, aos menos desde o desenvolvimento dos primeiros canais midiáticos, é que “democracia é aquela que considera que o povo deve ser impedido de conduzir seus assuntos pessoais e os canais de informação devem ser estreita e rigidamente controlados.” Como observa Chomsky, numa primeira vista, isso pode parecer estranho, mas na prática é ela que domina o cenário mundial, promovendo muito mais desinformação do que revelando a verdade sobre os fatos. É nesse segundo sentido de democracia que a máquina passa a atuar na fabricação de nossas opiniões.
Aqui nos deparamos com uma questão preocupante: Que tipo de mídia devo consumir e como confiar em suas informações? Aqueles que possuem uma perspectiva política mais acurada vão saber filtrar minimamente as informações, mesmo assistindo telejornais como, por exemplo, o Jornal Nacional da Rede Globo que nas entrelinhas nunca escondeu seus interesses político-econômicos. Um exemplo prático disso foi a recente veiculação da emissora sobre a notícia da morte de Mikhail Gorbatchov, último líder da antiga união soviética, um dos responsáveis pela dissolução do bloco no início da década de 90. Na ocasião, o Jornal da Globo exaltou o grande “líder” e seu papel em erradicar uma tensão política que durava anos ao negociar com os EUA o fim da guerra fria. O momento apoteótico da matéria surge quando o comentarista Jorge Pontual afirma que “Gorbatchov viveu uma contradição impossível, era ao mesmo tempo, comunista e democrata. Duas coisas inconciliáveis.” Penso que aqui é desnecessário comentar essa passagem dado o absurdo em questão. Todavia, esse é um exemplo de como a desinformação atua na formação de opiniões, muitas vezes capturando outras ideias já existentes no imaginário político das pessoas, sedimentando ainda mais suas crenças acerca de determinadas pautas.
Quando pensamos na relação entre política e mídia na formação de crenças e atitudes dos indivíduos, muitas vezes ignoramos todo o maquinário estratégico na formatação das ideias. Nesse contexto em particular, as coisas não surgem espontaneamente, muito pelo contrário, tudo é conscientemente bem produzido. No documentário “A lavagem cerebral do meu pai” (2015), dirigido por Jen Senko temos a história de seu Pai, anteriormente um democrata, mas que num determinado momento de sua vida ao fazer longos trajetos de carro até o trabalho passou a consumir talk shows (grande parte deles pertencentes a Fox News) pelo rádio e depois ampliando isso para programas de televisão e livros. Com o passar do tempo seu pai foi mudou completamente. A grande questão da diretora é: como um pai amoroso e respeitoso, bem visto pela família se tornou uma pessoa radical, intolerante e muitas vezes inconveniente? O documentário foca na história pessoal do pai da diretora, de como uma mídia completamente aparelhada foi responsável por promover nele uma lavagem cerebral. Contudo, ao longo do documentário vemos aparecer muitos outros casos semelhantes. Estamos falando do ano de 2015, ainda no governo Obama, mas mesmo nesse ano o terreno já estava quase que maturado para uma retomada da agenda da ultradireita americana que atingiu seu objetivo colocando Donald Trump no poder. Acredito que muitos acompanharam na época as repercussões que teve a campanha de Trump, sobretudo, na propagação massiva de fake news. Em 2018 pudemos assistir no Brasil, algo muito semelhante acontecer, não é à toa que o Steve Bannon (marqueteiro político de Trump) também teve um papel na campanha de Bolsonaro. Até hoje, mesmo despois de desmentidas, muitas pessoas ainda acreditam em fake news como “kit gay”. Alguns desses danos, parecem irreversíveis.
Assim como nos EUA, assistimos atônitos no Brasil uma boa parcela de pessoas conhecidas tornarem-se pessoas intolerantes e fanáticas do ponto vista político. Da mesma forma que no documentário vemos o Pai da diretora se transformar completamente em outro tipo de pessoa, nos perguntamos como “aquele tio/tia, pai/mãe, amigo, etc.” que era uma pessoa tão legal e “leve” começou a propagar falsas informações e mais ainda, como essas pessoas passaram a exibir um comportamento intolerante quando confrontadas com os fatos. Mas como isso é possível? Em uma resposta: lavagem cerebral. De acordo com a neurocientista especialista em lavagem cerebral Kathleen Taylor e autora de Brainwashing: the Science of the thought control (2004), ao menos cinco elementos estão presentes no processo de lavagem cerebral, são eles: 1) Isolamento, 2) Controle; 3) Incerteza; 4) Repetição e 5) Uso de emoções fortes.
No documentário, as táticas empregadas pelos veículos de mídia norte-ame
ricanos, se adequam perfeitamente aos elementos acima. São nove táticas na seguinte ordem: 1) “Mentir e desviar”, trata-se na prática, de que uma mentira contada mil vezes torna-se uma verdade. 2) “Criar confusão e dúvida (a máquina de fazer ruídos)”. Aqui, eles operam criando desinformação, incitando nas pessoas medo e ódio, fazendo ataques pessoais a todo tipo de opositores desacreditando o povo com factoides como, por exemplo, “a farsa do aquecimento global” ou “fraude nas urnas eleitorais”. 3) “Culpar e dividir”. Nessa estratégia, o objetivo é deixar as pessoas tão intolerantes umas com as outras que torna-se impossível enxergar quem é o real agente promotor de toda a discórdia. 4) “Rotular”; cria-se uma imagem que fique gravada na mente das pessoas. São os famosos espantalhos, isto é, reproduções errôneas de certas coisas com o objetivo de promover uma nova imagem (negativa) a respeito daquele objeto em questão. A expressão “mídia esquerdista” para tudo que não se encaixa em suas narrativas, é um exemplo dessa tática. 5) “Linguagem e enquadramento”. O insight básico por detrás dessa tática é que a linguagem não é neutra, principalmente quando estamos tratando de política. Trata-se de implantar nas pessoas ideias distorcidas, modificando as expressões usadas e enquadrando elas em algo que seja negativo quando o assunto é a promoção de significativas mudanças para o bem da sociedade. Aplicado ao contexto dos EUA, temos como exemplo o “imposto sobre herança” reformulado pela mídia liberal/conservadora como “imposto da morte”; “pobres” torna-se os “tomadores/apropriadores”; “reforma da saúde” (que por sinal é privatizada) torna-se “controle governamental da saúde” etc. 6) A “Promoção do medo e uso da emoção” opera com o objetivo de aterrorizar o público a cada momento; uma população aterrorizada perde sua capacidade de raciocinar claramente, isso por sua vez, possibilita que elas acreditem em qualquer coisa. 7) “Bullying e humilhação”. A estratégia consiste em fazer uso de uma “falsa razão” sendo impositivo diante de uma opinião contrária, se necessário humilhando ou ridicularizando o entrevistado. 8) “Na sua cara! Está em toda parte e é letal”, diz respeito ao poder de alcance de um aparelho midiático como é o caso da Fox News nos EUA. Um dado apresentado no documentário relata que 97% dos programas de rádio são conservadores enquanto que apenas 3% são progressistas. Por fim, 9) A “manipulação não-verbal”, que apela para efeitos visuais e sonoros muitas vezes de caráter sensacionalista através de constantes “alertas” com o intuito de capturar a atenção das pessoas e seguir com a propagação suas agendas.
Os efeitos de tudo isso têm como reflexo uma sociedade completamente manipulada e despreparada para lidar verdadeiramente com os seus problemas. Em outras palavras, poucos que tudo detém controlam o resto que nada detém e assim seguirão até que algo de substancial seja feito. Uma sociedade que não toma as rédeas de sua história está fadada a delegar a poucos essa tarefa. Até hoje é o que tem acontecido desde que entramos em nossa história escrita, a diferença é que com os meios de comunicação cada vez mais sofisticados, as táticas de controle e manipulação da sociedade conduzem-nos em direção à labirintos irreconciliáveis.
Migração moderna no Brasil
Daniel Pedrosa*
Durante um período de nossa história, muitos artistas brasileiros retrataram a dor do migrante em obras primas das mais diversas. O famoso quadro “Retirantes”, do renomado pintor paulista Candido Portinari, e a obra literária “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, eternizaram a realidade de muitos que enfrentaram a fome e a violência.
Mas, quase um século depois, poderíamos dizer que esta realidade é apenas um recorte específico de nosso passado e deve ser lembrada de forma nostálgica como um período superado? O mundo moderno nos trouxe novas tecnologias e com elas a possibilidade de evitar que a fome e o sofrimento façam parte da vida. Porém, em um país onde praticamente 10% da população vive a margem da pobreza extrema, não seria correto acreditar que eliminamos definitivamente esta realidade.
Então, por que não vemos mais notícias que relatam migrações em massa e pessoas carregando seus filhos em estradas, morrendo de fome ou sede pelos caminhos? Uma das hipóteses que podemos explorar é que a migração se tornou um negócio na nova sociedade e que acontece de maneira mais organizada, sem que seja percebida, mas enfrentando muitos dos problemas vividos em meados do século passado.
Os migrantes, e até mesmo imigrantes internacionais, muitas vezes refugiados, não caminham mais em estradas sob o sol escaldante, mas ainda chegam às grandes cidades e acabam explorados, quando não viram moradores de rua ou se envolvem na criminalidade para poder conseguir o que comer. É como se existisse um muro que separasse a realidade de uma parcela da sociedade que decide se aceita ou não a inclusão de novos membros.
Observados o passado e o presente, fica o questionamento sobre o futuro. No meu novo livro “Retirantes: O Legado das Sombras”, crio uma história distópica e apresento uma família que enfrenta a fome, o medo e a violência para vencer as barreiras que os impedem de fazer parte da sonhada sociedade em que a vida é digna e abundante.
Ao colocar em palavras o individualismo e o preconceito inserido no subconsciente de cada um, torço para estar enganado: que o futuro nos surpreenda com uma realidade diferente da que prevejo na obra e que sejamos capazes de ver para além dos espelhos.
* Daniel Pedrosa é escritor e autor do livro Retirantes: O Legado das Sombras
Vamos dividir o que temos de melhor
Afonso Rodrigues de Oliveira
“Tudo aquilo que eu sou ou espero ser eu devo ao anjo que foi minha mãe”. (Abraham Lincoln)
Todos os que estão prestando atenção ao descontrole do mundo, atualmente, estão preocupados com o futuro. Tenho a impressão que estamos vivendo numa caminhada a ré. Sempre que a ciência descobre ou cria algo que pode melhorar nosso desenvolvimento, fechamos os olhos. E isso porque não acreditamos a não ser nos milagres. E lá vamos nós, assistir às notícias horrorosas sobre as favelas e tudo o mais. A educação continua despencando pelo barranco do descaso. Nada mais decepcionante do que ouvirmos os candidatos à próxima eleição, falarem dos seus planos para a educação. Nem poderia ser diferente, porque ela vem despencando há décadas e décadas. E não vamos salvá-la apenas construindo belas escolas nem aumentando o salário do professor. A coisa é muito mais complicada. Mas, passo palavra para os especialistas que realmente entendam do assunto.
Outro grande pensador preocupado com o fracasso do desenvolvimento, foi o Oscar Wilde, que disse: “A única coisa a fazer com os conselhos é passá-los a outros; pois nunca tem utilidade para nós próprios”. Que é o que devemos fazer. Sempre que formos orientados para o bem, e soubermos o quanto a orientação foi positiva, devemos passá-la para as outras pessoas. Mas, tenhamos muito cuidado. Nem sempre somos capazes para analisar o presente. Vamos ser mais responsáveis por nós mesmos para sermos capazes na orientação, mas sem a intenção de dirigir. Afinal somos o que pensamos, mas nem sempre somos o que pensamos que somos. É aí que está a diferença entre orientar e dirigir.
Uma das coisas que mais me preocupam nas campanhas a favor da mulher, é a euforia inútil. O Bob Marley também já nos chamou a atenção: “Enquanto a cor da pele for mais importante que o brilho dos olhos, haverá guerra”. O nordestino brasileiro não precisa andar com chapéu de couro para provar que merece ser respeitado como nordestino. Limitando-nos à cultura brasileira, temos resultados notáveis de como o nordestino se fez respeitado pelo que são. Um exemplo aparentemente corriqueiro, mas muito importante, foi a chegado do nordestino a São Paulo, no início da década dos anos cinquentas. Eles sofreram muita discriminação por serem nordestinos, com um sotaque diferente, apesar de brasileiro. “Os Novos Baianos” tiveram uma influência admirável, na mudança do sotaque pesado do paulistano. Mas as mudanças não vieram só no sotaque. Mostre o que você é, sendo. A mulher, já supera com sua presença. Seja feliz sem a preocupação em mostrar que é. Pense nisso.
99121-1460