Mal-estar e cansaço na sociedade
João Paulo M Araujo
Professor no curso de filosofia da UERR
Indivíduo e sociedade sempre foram categorias conflituosas. Na filosofia política moderna essa relação se deu precisamente pelas discussões em torno do contrato social. Classicamente, autores como Hobbes, Locke e Rousseau se ocuparam com a questão sobre quais seriam as razões que fizeram os indivíduos se juntarem para viver em sociedade. Naquela imagem, quase que mitológica, isso significava descobrir, como os indivíduos que viviam em estado de natureza resolveram criar um pacto social, um contrato social. Desde então, a sociedade moderna veio se moldando às novas configurações da vida social com demandas cada vez mais amplas na medida em que os séculos avançavam. Isso se deu, sobretudo, com o pano de fundo do advento da revolução industrial e, posteriormente, com o mundo globalizado. Ao menos desde o século XX, é sintomático a ideia segundo a qual as formas da existência humana tinham mudado significativamente. Isso pode ser constatado numa primeira via em nossa relação com o trabalho e nossos desejos de consumo. Isso, por sua vez, já mostrava que a dimensão da vida no século XX já revelava um mal-estar civilizatório.
Foi Sigmund Freud quem primeiramente tentou entender o que estaria provocando esse mal-estar. Do ponto de vista Freudiano, há em nós uma vontade irrefletida de buscar satisfação ou prazer a qualquer custo. Em outras palavras, trata-se de uma tendência natural de busca pela realização de nossos desejos. Podemos perceber isto ao observar o comportamento de bebês e crianças na primeira infância na qual o id (instintos e pulsões) se sobressaem como um elemento dominante. Quando crianças, é natural que nossas necessidades mais imediatas sejam atendidas pelos nossos pais. Somente aos poucos vamos percebendo que essas necessidades nem sempre poderão ser atendidas e cada vez mais a realização de nossos desejos começam a desacelerar, isto quando não se concretizam. Por outro lado, na medida em que vamos nos desenvolvendo, vamos adequando e mudando o foco de nossos desejos, afinal, o desejo não cessa dentro de nós. O elemento de prazer passa a ser buscado em nossa vida social, isto é, no convívio com outras pessoas. É nesse momento que o superego (a cultura com toda sua carga moral) passa a fazer parte de nossa vida psíquica.
Em seu texto O Mal-Estar na Civilização, Freud toma por objeto as origens de nossa infelicidade. Essa infelicidade se dá precisamente no interior do conflito entre indivíduo e sociedade. Aqui temos um Freud de cunho mais sociológico ou antropológico na qual cultura ou civilização (aqui podemos tomar como termos equivalentes), representam um empecilho para a plena liberdade dos nossos instintos. Nas palavras de Freud “a civilização se constrói sobre uma renúncia ao instinto”. O mundo civilizado se apresenta como uma barganha, trocamos a possibilidade de felicidade imediata por segurança e sobrevivência. Nesse sentido, quando pensamos em mal-estar, isto é, na gênese das mazelas psicológicas de nossa época, a dimensão da civilização entra como o grande repressor de nossas pulsões que passam a ser sublimadas e muitas vezes canalizadas no mundo do trabalho. Afinal, ninguém precisa ler Freud para perceber que a dimensão social da existência nos priva de satisfazer muitos de nossos desejos, uma vez que não podemos fazer qualquer coisa simplesmente pela vontade de querer fazer. É aí que nossa energia psíquica se choca com a parede do superego, pois, ao não encontrar realização imediata nos deparamos com o mal-estar.
Em seu texto A Sociedade do Cansaço, Byung-Chul Han propõe uma leitura de nossa sociedade contemporânea bastante interessante. Sua análise pode revelar, mesmo que tácito, um diálogo com Freud, muito embora não pretendo tomar esse caminho aqui. O ponto de partida de Byung-Chul Han é que em nosso século XXI, diferente do século XX sofremos por um excesso de positividade. Vivemos numa sociedade pautada no desempenho. Para entendermos a sociedade do desempenho precisamos entender o tipo de sociedade que veio antes dela. Seguindo a leitura de Michel Foucault, a sociedade do século XX é caracterizada como uma sociedade disciplinar ou, até mesmo, sociedade da obediência. A sociedade disciplinar foucaultiana é a expressão do fracasso das ideias iluministas que acreditavam que a razão humana seria a resposta e a cura para todos os nossos males. Mas que tipo de razão é esta que, por exemplo, promoveu duas grandes guerras mundiais? Essa razão (instrumental) parece não mais ser a resposta para nossas questões. Como afirma Byung-Chul Han, a sociedade disciplinar é uma sociedade da negatividade, da proibição, do não. Ela, portanto, produz loucos e delinquentes.
Em contrapartida, na sociedade do desempenho não existem mais primariamente sujeitos da obediência, muito embora, a sociedade do desempenho tenha a sociedade disciplinar como processo anterior. Byung-Chul Han chama atenção para a ideia segundo a qual “o poder ilimitado é o verbo modal positivo da sociedade do desempenho”. Enquanto que na sociedade disciplinar temos a predominância do não (negatividade), na sociedade do desempenho “no lugar de proibição, mandamento ou lei, entram projeto, iniciativa e motivação”. Portanto, diferente da sociedade disciplinar que, como vimos, gera loucos e delinquentes, na sociedade do desempenho predomina a manifestação de “depressivos e fracassados”. Nesta análise da sociedade do desempenho, Byung-Chul Han apresenta sua leitura de Alain Ehrenberg segundo a qual “a depressão é a expressão patológica do fracasso do homem pós-moderno em ser ele mesmo”. Vivemos uma vida de ocupações, “se ocupar” tornou-se um imperativo. Mesmo quando não estamos em nosso ambiente de trabalho, muitas vezes terminamos levando trabalho para casa. Numa sociedade da hiperconexão, da multitarefa, estamos sempre sendo estimulados pelas inúmeras conexões que começam pelos nossos smartphones. Nos tornamos uma espécie de homo web, cujo o imperativo inconsciente reside na ideia de que precisamos nos manter conectados a todo custo mesmo sem saber o porquê. Isso significa dizer que não temos mais o luxo de nos desconectarmos, de nos entediarmos; na verdade queremos evitar o tédio, a sensação de nada fazer se revela como assustadora.
Pensar numa sociedade do cansaço é pensar na relação que esta sociedade possui com o mundo do trabalho. Pensar no mundo do trabalho é pensar em que tipo de estrutura econômica esse trabalho é desempenhado. No mundo globalizado que vivemos hoje, estamos sob a égide do neoliberalismo que apenas produz um falso amparo e uma falsa segurança em termos sociais. O que se vende não é o que se entrega. Uma das maiores falácias perpetradas pelo neoliberalismo é que no capitalismo há lugar para todo m
undo. Nunca se falou tanto em meritocracia nos dias atuais. O adoecimento psíquico é, em grande parte dos casos, fruto dessa aposta, dessa positividade que Byung-Chul Han aponta.
Foi Mark Fisher (filósofo e crítico cultural britânico) quem melhor descreveu a relação entre adoecimento psíquico e neoliberalismo. Ele sentiu na pele o que é viver com depressão, com aquela sensação de não prestar para nada, se sentindo, como ele mesmo colocou, um desajustado em seu próprio tempo. Para Fisher, muitas formas de depressão seriam melhor compreendidas e até mesmo combatidas através de quadros analíticos impessoais e políticos ao invés de individuais ou psicológicos. Obviamente que não se trata de negar os meandros biográficos de cada indivíduo no que concerne ao que exatamente poderia ter sido o fator decisivo para o adoecimento. Na análise de Mark Fisher, quando se trata de depressão, aquela voz interior, aqueles sentimentos que te empurram para baixo, podem muito bem ser entendidos como uma “expressão internalizada de forças sociais reais, algumas das quais têm um interesse oculto em negar qualquer conexão entre depressão e política”. Nesse sentido, cabe aqui aquela famosa frase de Hegel que diz: “O interior é o exterior interiorizado”. É preciso ficar atento às armadilhas que a dimensão social e política pode desencadear em nossas subjetividades.
Essa sociedade do desempenho que produz em nós o mal-estar, enquanto sociedade ativa, do “yes, I can” desdobra-se lentamente, segundo Byung-Chul Han, numa sociedade do doping. O leitmotiv do desespero é justamente quando precisamos nos drogar para se manter acordado e “render mais” e ao final do dia também precisamos nos drogar para poder dormir; esse descompasso, traduzido em falsa harmonia, é um tema recorrente na ópera da vida de muitas pessoas. Assim, seguimos, nesse mix de cansaço e esgotamento excessivos. O cansaço na sociedade do desempenho, diz Byung-Chul Han, “é um cansaço solitário, que atua individualizando e isolando”.
Apesar de todo o quadro nada otimista delineado ao longo do texto A Sociedade do Cansaço, é possível vislumbrar um ponto de fuga. Como contraponto do cansaço que esgota e adoece, Byung-Chul Han propõe a partir de uma dimensão contemplativa, o que ele chama de cansaço fundamental. Trata-se também de uma pedagogia do ver, uma vez que vivemos “num mundo muito pobre de interrupções”. Tomando Handke como influência, Byung-Chul Han caracteriza o cansaço fundamental como tudo que não seja “um estado de esgotamento no qual estaríamos incapacitados de fazer alguma coisa”. Esse tipo de cansaço fundamental, se equipara a um “não-fazer”, capaz de despertar em nosso espírito a inspiração para qualquer outro “fazer”. Assim, “o “cansado” habilita o homem para uma serenidade e abandono especial, para um não fazer sereno”. Esse cansaço profundo que ajuda a soltar as amarras da identidade não pode ser equiparado com o esgotamento. Numa passagem de seu texto, Byung-Chul Han compara o cansaço fundamental com a atividade das crianças que estão brincando e aos poucos vão naturalmente se desprendendo de suas brincadeiras para cair num descanso desinteressado.
Estamos na encruzilhada
Afonso Rodrigues de Oliveira
“Da mesma forma que não quero ser escravizado ou espoliado, não quero nem escravizar nem espoliar. Tal é minha concepção da democracia. Tudo o que dela difere não é democracia”. (Abraham Lincoln)
Estamos nos aproximando do dia decisivo para mais um passo na caminhada para a democracia. E pelo que continuamos vendo nas campanhas nos preocupa. O vulcão ameaça, desde que não prestemos atenção no despreparo político dos responsáveis que não sabem que são responsáveis. O que continuamos ouvindo e assistindo de bla-bla-blas vazios, sem sentido, não tá no gibi. Mas, vamos em frente. O importante é que não nos deixemos cair na armadilha da briguinha comadresca.
Vamos amadurecer e ver que inda temos muito a aprender, para sermos uma democracia. E tudo que devemos fazer para iniciar, é nos educarmos politicamente. Porque o que vemos e ouvimos, até mesmo dos que se dizem políticos, é de arrepiar, em relação à democracia. Os donos da cocada preta passam os dias nos dizendo que vão botar o pão na nossa mesa. Estão nos chamando de famintos. Ninguém fala em aprimorar nossa educação que está no fundo do poço. Por que será?
Nada de exigência, nem briguinhas para conseguirmos o que devemos obter com cidadania. E cidadania só teremos quando formos cidadãos; e cidadãos só seremos quando formos uma democracia. E numa democracia devemos estar preparados para o voto livre. E voto livre só teremos com o voto facultativo. E voto facultativo só o mereceremos quando formos educados para usá-lo democraticamente. Há uma série de grandes políticos que nos mandaram recados sábios, que nos orientam. O Aristóteles, por exemplo: “Todo legislador sábio deve tudo subordinar à preocupação de assegurar a felicidade e a tranquilidade dos cidadãos”. Simples pra dedéu.
Por que ainda não pensamos nisso quando elegemos nossos legisladores? Porque ainda não nos conscientizamos da nossa responsabilidade no votar. Ainda não formamos em nossas mentes, o grupo que cada eleito vai formar. Quantos pães comemos por dia não é tarefa deles. Há coisas mais importantes que ainda não nos permitem uma alimentação confortável, e que não estão sendo discutidas. E como ainda não somos educados na política, não percebemos isso e ficamos esperando o pãozinho de amanhã.
Vamos no valorizar respeitando-nos a nós mesmos, educando-nos politicamente, para que possamos escolher nossos representantes com dignidade e sem arrufos. O futuro do Brasil está na nossa responsabilidade na escolha dos seus dirigentes. E é no futuro do Brasil que irão viver nossos descendentes. Então vamos cuidar do futuro deles. Pense nisso.
99121-1460