Mulheres soltam o verbo sobre a maternidade
Por Ana Luiza de Figueiredo Souza*
A explosão das mídias sociais trouxe um novo fenômeno: o aumento de narrativas pessoais de mulheres sobre a maternidade. Famosas e anônimas, mães, filhas, sem filhos e influenciadoras. Todas têm algo a dizer (ou escrever) sobre a vivência materna. Na contramão da etiqueta social esperada, diferentes mulheres têm usado as plataformas digitais para discutirem cobranças, culpa, frustrações e tantos outros aspectos que, embora envolvam a vida com ou sem filhos, não são enfatizados fora das redes.
Constroem um importante mosaico sobre a maternidade ou a ausência dela. Essa teia de relatos revela estruturas – socioculturais, políticas, tecnológicas, econômicas – que afetam os corpos femininos a partir de modelos maternos hegemônicos. Fenômeno que sublinha a necessidade de falar do tema com maior destaque para as facetas complicadas e opressivas: pelo humor, desabafos e transformações provocadas pela vida com filhos.
Reduzir a maternidade aos desafios maternos desagrada parte considerável das mulheres envolvidas nas discussões, que esperam retratos capazes de abranger a ambiguidade dessa vivência. Há, ainda, relatos que rompem a normatividade materna ao se inscrevem em tabus maternos, por exemplo: mães arrependidas ou abusivas.
Já as mulheres sem filhos denunciam preconceitos e a falta de amparo por não cumprirem a expectativa social de se tornarem mães, seja por escolha ou impossibilidade. Mulheres que optaram por não ter filhos discorrem sobre as limitações do modelo feminino hegemônico e como permanece a cobrança pelo maternar. Enquanto aquelas que não conseguiram ter filhos compartilham o desalento de se sentirem à margem em uma sociedade que ecoa ainda mais seu sofrimento ao perguntar: “quando vem o bebê?”.
Esse fenômeno, claro, não está isento de polêmicas. A maior delas talvez gire em torno do termo childfree e suas reações. Surgido para designar pessoas voluntariamente sem filhos, costuma ser confundido com aversão a crianças, algo alimentado por postagens zombeteiras de páginas assim intituladas.
Uma coisa é certa: as mulheres vão continuar demandado maior reconhecimento, dentro e fora das redes.
*Ana Luiza de Figueiredo Souza é pesquisadora, escritora e publicitária, doutoranda pelo PPGCOM da UFF.
O dilema de Eutífron: entre moralidade religiosa e secular
João Paulo M Araujo
Professor no curso filosofia da UERR
Em filosofia moral é comum a noção segundo a qual religião implica em moralidade, mas moralidade não implica em religião. Dito de outra forma, toda e qualquer forma de religião possui um código moral, todavia, para agirmos moralmente não precisamos necessariamente endossar alguma forma de religião. O desenvolvimento da ética na Grécia antiga já evidenciava esse último ponto de vista. No diálogo Eutífron de Platão, há uma famosa passagem na qual Sócrates e Eutífron estão discutindo a questão da piedade, logo, Sócrates introduz o seguinte dilema: “a piedade é amada pelos deuses, porque é piedade, ou é piedade, porque é amada pelos deuses?” (PLATÃO, 10a, 1993). Esse mesmo dilema poderíamos adaptar para os nossos dias atuais num contexto mais genérico no âmbito da ação moral. Dessa forma, nosso dilema assumiria a seguinte questão: fazemos o certo porque é a coisa certa a ser feita, ou fazemos o certo com medo de sermos punidos por alguma divindade? No cenário das grandes religiões monoteístas, e mais precisamente no contexto do cristianismo que predomina em nossa cultura, fazemos o bem porque somos pessoas boas ou o fazemos por medo de ir para o inferno?
Numa outra via, isto é, no que concerne ao julgamento de nossas ações morais, poderíamos substituir Deus pelas pessoas ao nosso redor. Assim, o dilema poderia ser aplicado não apenas ao contexto teísta, mas também para um indivíduo ateu, agnóstico, secularizado, etc. Aqui, teríamos o seguinte: fazemos o certo porque é a coisa certa a ser feita, ou fazemos o certo por medo do que as pessoas vão pensar de nós? Note que “certo” ou “errado” não é o objeto de nossa discussão. O que importa aqui, é apenas o que nos motiva a agir moralmente, tomando como dado nossas crenças sobre o que é certo e o que é errado. Afinal, num viés prático de nossa cotidianidade, dificilmente somos indiferentes ao que os outros pensam, a verdade é que nos importamos até demais. Isso, por seu turno, se reflete nas mais variadas posturas morais de convívio no ambiente de trabalho, com os amigos, com a família e etc. Consequentemente, o agir moral pode não está vinculado a uma divindade, mas sim às pessoas ao nosso redor, como naquela passagem da peça teatral “Entre quatro paredes” do filósofo francês Jean Paul Sartre, na qual uma das personagens afirma que o inferno são os outros.
Em filosofia da religião, o dilema de Eutífron é compreendido como um argumento contra a justificativa de fundamentar a moral na vontade ou na ordem de alguma divindade. Obviamente que no cenário filosófico da Grécia antiga o dilema se referia exclusivamente ao politeísmo. Contudo, nos debates atuais em filosofia da religião, o dilema é comumente usado no contexto daquilo que podemos aqui chamar de teísmo clássico. O teísmo clássico afirma que só existe um Deus criador de tudo. Este Deus não é apenas onipotente, mas também onisciente (tudo sabe) e onibenev
olente (moralmente perfeito). O ponto central, que faz do dilema de Eutífron uma crítica a fundamentação da moral em um ser divino é a afirmação segundo a qual mesmo que Deus exista, ele não pode ser o ponto de partida de uma ética. Isso significa dizer que nossas ações morais não devem ser motivadas pelo que Deus espera ou não espera de nós, devemos buscar outras razões para tal. Dentro do estudo da filosofia moral isso nunca foi um problema, uma vez que há muitos sistemas que visam fundamentar a ação moral sem necessariamente apelar para alguma religião. Exemplos de sistemas éticos nesse sentido são a ética das virtudes de base aristotélica, a ética kantiana do dever ou até mesmo a ética de base utilitarista de Mill e Bentham.
Uma questão que surge em torno do dilema de Eutífron quando aplicado ao teísmo é sobre a diferença acerca do conceito de divindade entre os pagãos e os cristãos. Isto porque no dilema nos é apresentado uma visão segundo qual ou Deus está apenas descrevendo o que é moral (independente do que Deus pense ou deixe de pensar), ou, o que é moral, só o é porque Deus o torna moral. Isso fez com que os teístas clássicos rejeitassem o dilema, porque se Deus apenas tornasse moral o que ele bem desejasse, isso faria da moralidade um terreno fértil para o relativismo e, por outro lado, se Deus apenas seguisse o que já houvesse de moralmente dado, Deus não poderia ser o criador de tudo, uma vez que já existia um estado de coisas prévio como, por exemplo, o caso do demiurgo de Platão que criava as coisas sensíveis a partir de uma matéria amorfa (Chora). Portanto, para um teísta clássico, se tudo o que existe foi criado (ex nihilo) por Deus, logo, os preceitos morais também o foram, de tal modo que não podem ser relativizados, do contrário deixariam de ser preceitos fundantes da ação moral.
Por fim, as aplicações teístas ao dilema de Eutífron só fazem sentido em condições dialógicas segundo a qual a existência de Deus seria algo dado. Sabemos que em filosofia da religião um dos tópicos bastante discutidos é justamente o das provas da existência de Deus. Em termos colaterais, isto é, ao relacionarmos a existência de Deus com a moralidade, primeiro é preciso estabelecer em que condições é provado que Deus existe, para só em seguida derivar preceitos morais de Deus. Numa linha de discursiva secularizada, o dilema de Eutífron visa minar até mesmo o argumento teísta, cujo o jogo de linguagem admite mesmo que conceitualmente a existência de Deus. Ele atende o objetivo, visto no início do texto, de mostrar que o argumento funciona como um forte indício que impossibilita justificar e fundamentar as ações morais na vontade ou na ordem de alguma divindade. Todavia, para além das polarizações entre justificar ou não a moral em bases religiosas, a pergunta aqui ainda é extremamente relevante: Por que agimos moralmente? Fazemos o bem porque acreditamos que é a coisa certa a ser feita, isto é, sem esperar nada em troca ou fazemos o bem por medo ou receio do que Deus ou os outros vão pensar?
Investimento prioritário
Afonso Rodrigues de Oliveira
“Vamos investir primeiro em educação, segundo em educação, terceiro em educação. Um povo educado tem as melhores opções na vida, e é muito difícil que os corruptos mentirosos os enganem”. (José Mojica)
Enquanto não entendermos que todo o alicerce da sociedade está na educação, não seremos nem mesmo cidadãos. E está difícil pra dedéu entendermos isso. Um povo educado se sente seguro para o futuro. E segurança para o futuro não temos e não teremos enquanto não entendermos que tudo está na educação. E educar não é só ensinar a ler e escrever. E essa ideia de basta ensinar a ler e escrever, vem alimentando as cabeças de administradores, há séculos. O mundo está fundido no cadinho da desordem. Pensamos em tudo, menos em educação.
O José Mojica também disse: “Ser livre é gastar a maior quantidade de tempo de nossa vida com aquilo que gostamos de fazer”. E só quando entendermos isso é que iremos entender que a educação é o necessário para fazermos e vivermos o melhor que pudermos fazer. Fica entendido. Vamos nos preocupar mais com a educação dos nossos filhos e netos. Porque é na educação dos nossos netos que iremos avaliar a educação que demos aos nossos filhos. Então vamos nos educar para podermos viver o futuro que será dos nossos descendentes.
Ainda no início do século passado, o Gibran Khalil Gibran nos mandou esse recado: “Vossos filhos não são vossos filhos. São filhos e filhas da ânsia da vida por si mesma. Vêm através de vós, e não de vós. Embora vivam convosco, não vos pertencem”. Outro aspecto da educação que ainda não alcançamos. Ainda, infelizmente, a maioria dos seres humanos ainda vê os filhos como seus objetos. Ainda não entenderam que devemos orientar nossos filhos, mas não os dirigir. E isso porque: “A educação é como a plaina: aperfeiçoa a obra, mas não melhora a madeira”.
Vamos nos centrar mais no futuro porque é lá que iremos viver o mundo dos nossos descendentes, na ilusão que estamos vivendo o nosso mundo. E nada de desespero. Apenas nos concentremos na nossa tarefa de educar educando-nos. Vamos parar de ficar gritando, de braços dados com nossos filhos, pensando que estamos dirigindo-os para o melhor. O caminho deles será escolhido por eles, de acordo com a educação que lhes demos. Então vamos lhes dar o melhor, fazendo, hoje, o melhor que pudermos fazer. E isso depende de nossa educação como pais. E sempre podemos fazer o melhor no que fizermos. Estamos sempre na marcha para o horizonte da vida. E este é inatingível. Mas não devemos desistir. Sempre em frente, fazem o melhor, de cabeça erguida. O poder está com você. Pense nisso.
99121-1460