Geografia Cultural: espacialidades, subjetividades e o ser humano
Éder Rodrigues dos Santos
Josué da Costa Silva
Maria das Graças Silva Nascimento Silva
Na sociedade atual, vivenciamos a incompreensão do que significa a convivência democrática e falta da plena consciência e uso do conceito de liberdade. Tal incongruência se apresenta como resultado de vários fatores, em parte, é oriunda do nosso processo colonial histórico marcado pelo abandono tardio das relações escravocratas, fenômeno que demonstra o surgimento do preconceito odioso pela população negra e a “normalização” da profunda desigualdade social na qual a sociedade brasileira ainda mantem o fascínio por seus colonizadores, notadamente, aqueles oriundos da Europa central e a américa do norte.
As memórias dos tempos da escravidão, por vezes latentes em um Brasil, onde uma parte da sociedade orgulha-se dos feitos de seus colonizadores, em uma dependência do pensamento eurocolonial e da colonialidade do saber, do poder e de gênero, têm suas estruturas afetadas com os saberes que outrora foram encobertos e que surgem em espaços acadêmicos, literários e artísticos. Saberes vernaculares que têm encontrado lugar e oportunidade de fala.
Na Cidade de Goiás, patrimônio mundial e cidade histórica do estado de Goiás, localizada a pouco mais de 140 km de Goiânia, foi palco desses temas neste mês de novembro com a realização do VIII Colóquio Nacional da Rede do Núcleo de Estudos em Espaço e Representação (NEER), sob título: Das metamorfoses às resiliências, os estudos apresentados permitiram a atualização dos debates sobre a Geografia Cultural. A saudosa professora Drª Maria Geralda de Almeida (in memorian), homenageada nesse importante encontro científico, em uma de suas brilhantes contribuições à Geografia Cultural, obra organizada com o Dr. Alecsandro Ratts, intitulada “Geografia: Leituras Culturais”, escreveu que: ‘as sociedades criam códigos culturais e as culturas são a diversidade do mundo’.
No Brasil, essa é a diversidade que, com suas visões de mundo, enfrentam as estruturas do mundo colonial moderno, espécie de desobediência epistemológica que com irreverência estética questiona o padrão da ordem estabelecida na localidade, desmontando o sentido global de dominação, na qual o patriarcalismo eurocêntrico é a imagem do “mito” dominador que tenta impor-se pelo medo e a violência histórica.
Somos um país que, não distante desse passado cruel, sofreu recentemente com a ascensão do pensamento conservador e retrógrado no âmbito da política institucional. Porém, o país reinventou-se. Resistiu no estilo afro-ameríndio, que tem na alegria da vida social coletiva, na dimensão ontológica da musicalidade, na “tamboralidade” e na cosmovisão dos povos autóctones esse enfrentamento de mundos, pois são elementos de uma corporeidade ancestral que foi espoliada em seus territórios, mas que jamais rompeu com suas profundas raízes e, por isso, floresce a cada dia mais forte.
A manifestação dos pioneiros, que simbolizam o ideal do branco europeu privilegiado nas artes, monumentos e na toponímia que reduz à subalternidade o autóctone de culturalidade ibérica empobrecida, do preto africano que é ontologicamente negado e dos povos originários ameríndios visto como incautos, aos poucos, é tomada por uma visão ecológica com base em uma biointegração, implicando uma análise transontológica que indica uma perspectiva mais holística à nossa compreensão. É a virada do jogo a favor do saber íbero-ásio-afro-ameríndio, já descrito pelo antropólogo negro e livre-docente Celso Prudente (USP). Eis um processo de desconstrução, almejado na consciência política do chão da fábrica, nos circuitos acadêmicos críticos, nos bairros menos privilegiados das metrópoles, no campo, no interior, nos quilombos, nas terras indígenas e nas margens dos rios.
A histórica pretensão de diminuir o dito “diferente” do eurocaucasiano, notadamente o afro-ameríndio, as mulheres, a comunidade LGBTQIA+ e outros grupos sociais no Brasil que são maiorias numéricas dos grupos populacionais desse país e que são invisibilizados, e negados nos registros da história oficial, está em profunda crise, pois esse pensamento não tem lugar nesse festival de saberes que, além dos pesquisadores das temáticas diversas da Geografia Cultural de várias regiões do país, incluíram as raizeiras, benzedeiras, indígenas, caboclos e pesquisadores da Amazônia brasileira, estes últimos, notadamente concentrados no diálogo com outr
as visões de mundo e nos estudos sobre os desafios da geograficidade amazônica. Esses são representantes de grupos sociais decisivos na construção de um Brasil plural, de nosso rica e singular característica cultural e territorial.
A inovação e as rupturas epistêmicas possivelmente estejam entre as características do NEER. É certo que a área cultural e humanista da Geografia cresce, aparece e dá frutos, mesmo com alguma resistência como dito durante o evento, mas que apresenta-se como a possível vanguarda do debate geográfico contemporâneo, pois permite a transfiguração transcendente dos elementos da dimensão natural ou física para a subjetividade, do devir, do emocional e do espiritual, como também dito pela professora Maria Geralda.
No evento houve espaço de diálogos com temas de interesse à Geografia Cultural distribuídos nos Grupos de Trabalho: Eixo Ipê: análise e criação de linguagens; Eixo Baru: sujeitos e existências; Eixo Buriti: territorialidades, representações, gestões e; o Eixo Pequi: identidades territoriais. O disputado Eixo Pequi, esteve sob a sensível e experiente coordenação dos professores Josué da Costa e Silva (UNIR) e Maria Augusta Mundim Vargas (UFS), que reuniu professores e estudantes interessados na práxis telúrica de uma geografia que pode ser pontuada nos dizeres do autor quilombola Nego Bispo como “contra-colonial”. É, portanto, uma contribuição para desconstrução de modelos hegemônicos que tentam homogeneizar tudo e todos semanticamente no liquidificador capitalista moderno que torna a vida sem cores.
Nesse espaço de ideias do Eixo Pequi, o encanto, o sabor, o devaneio poético, o sonho e as cores, as festas e festejos da vida coletiva tiveram um generoso espaço garantido. Com essa abordagem tratou-se de temas complexos que, na perspectiva da filosofia fenomenológica, permitem interpretar essas representatividades, tão caras aos estudos culturais, como a questão do Bem-Viver andino e africano, as ancestralidades, migração, memória, povos indígenas, arte, política, poesia, festas, pertencimento, dentre outros. Um mix sociocultural que nos estudos geográficos permite ver o mundo com outro [e um novo] olhar.
O NEER reúne pesquisadores que valorizam os saberes, os conhecimentos, a cultura e tem proposto um enriquecedor trabalho com espaços e representações. Continua aprimorando-se como sonho coletivamente sonhado, materializado por meio do trabalho de uma grande equipe, que inclui importantes nomes como: Sylvio Fausto Gil Filho, Oswaldo Bueno, Salete Kozel, Giuliana Andreotti, Paul Claval, Josué Silva, Maria das Graças Silva Nascimento Silva, Nelson Rego, Álvaro Luiz Heidrich, Maria Augusta, Jânio Roque e tantos outros amigos, professores e estudantes que com nossa gratidão e saudades da querida Maria Geralda, seguimos trilhando seu sonho, tecendo redes e ampliando espaços para estimular novas gerações no aprimoamento da condição humana.
O próximo encontro foi anunciado. Será em Curitiba, onde tudo começou. Momento que, por certo, somará o processo de resistência, coragem, imaginação e luta na construção de uma ciência inovadora, inclusiva, que busca uma sociedade menos injusta e desigual, estando à frente dos processos de combate ao racismo, à violência contra todas as pessoas sejam mulheres, povos originários, negros e negras, LGBTQIA+ e ao mesmo tempo ser generosa como a Geografia é capaz de ser.
Doutorando (PPGG/UNIR) e mestre em Geografia (PPGEO/UFRR), jornalista, sociólogo, membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Modos de Vidas e Culturas Amazônicas – GEPCULTURA. E-mail: [email protected].
2 Professor do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-graduação em Geografia da UNIR. Mestre e doutor pela USP, coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Modos de Vidas e Culturas Amazônicas – GEPCULTURA/UNIR (www.gepcultura.unir.br). E-mail: [email protected]
3 Professora do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Rondônia – UNIR. Coordenadora do Grupo de Estudos em Geografia, Mulher e Relações Sociais de Gênero – GEPGÊNERO/UNIR. E-mail: [email protected]
Ou muda ou o problema continua
Afonso Rodrigues de Oliveira
“Nenhum p
roblema pode ser resolvido pelo mesmo estado de consciência que o criou. É preciso ir mais longe. Eu penso 99 vezes e nada descubro. Deixo de pensar, mergulho num grande silêncio e a verdade me é revelada”. (Albert Einstein)
É no silêncio que conseguimos conectar as ideias. Resolver problemas com barulhos e revoltas só constrói problemas. Podemos até ter mudanças, mas não são as mudanças que nos garantem mudanças. Vamos refletir um pouco sobre os problemas que temos enfrentado e encarado, desde que começamos a assisti-los. Porque quando não somos capazes para resolver, podemos estar assistindo, e assistindo ao mesmo tempo. O que na verdade é o que vimos fazendo no cadinho da política, faz tempo pra dedéu.
Cerca de três anos antes da “Revolução Militar de 64, assisti a vários movimentos contra o governo. Foi aí que assisti à fala do Juarez Távora, que já citei, aqui, várias vezes. Era uma advertência para a ocupação militar três anos depois. Período em que assisti, a vários movimentos de rua, como o da Família Com Deus Pela Liberdade. Eu estava na Praça da Sé quando o movimento surgiu pela Rua 15 de Novembro. Foi naquele movimento, e em silêncio, que aquela faixa caiu do andar do prédio da Caixa Econômica, na Sé.
Vivi intensamente aquele período, mas sem participar. O que não significa que ignoro ou estou fora. Desde criança que tenho participado de movimentos políticos e tido contato com grandes políticos brasileiros. Aprendi muito cedo, que política não se discute, se faz. O que indica que a responsabilidade pela política que temos, é absolutamente nossa. No dia em que assumirmos a nossa responsabilidade no nosso voto, não precisaremos ir gritar nas ruas, pelos nossos direitos. Sabemos que ainda teremos muito tempo de luta para melhorar a nossa política. Mas nunca a melhoraremos enquanto não melhorarmos na nossa educação. Porque a política faz parte da educação, o que exige preparo na Educação. O que ainda não temos, e certamente não estamos pensando nisso.
Infelizmente a maioria dos brasileiros ainda vê a política como abrigo de espertos. E é exatamente por isso que os expertos que entram na política, ficam de fora para não atrapalhar os espertalhões. Ainda temos bons políticos, mas eles não conseguem trabalhar, para não atrapalhar os maus políticos que, infelizmente, ainda são maioria. Vamos refletir sobre nosso futuro e trabalhar para preparar um Brasil que mereça respeito sem necessitar de opiniões de outros países. Temos tudo para sermos uma Nação no topo da grandeza. É só nos respeitarmos, no que somos. Pense nisso.
99121-1460