Opinião

Opiniao 14919

Existe linguagem privada?

João Paulo M. Araujo

Professor no curso de filosofia da UERR

É inegável que o que se passa dentro de nossas mentes pertence somente a nós. Isso significa dizer que o conceito de subjetividade, dentre tantas possíveis definições, pode encerrar a ideia segundo a qual apenas nós temos acesso fenomênico aos nossos estados mentais. Eles são acessados de modo direto e imediato sendo, portanto, inalienáveis. Em termos cartesianos, é verdadeira a intuição segundo a qual eu sei exatamente o que estou pensando agora, mas, por outro lado, eu não sei o que está acontecendo no meu cérebro ou no meu fígado. Eu posso até ser um especialista em neurociências e fisiologia humana e, assim, descrever precisamente o funcionamento do cérebro ou do fígado. Todavia, esta é uma descrição genérica, aplicável a qualquer pessoa. Em outras palavras, comparado com a exatidão que tenho ao observar meus estados mentais, eu não sei o que está se passando no meu cérebro ou fígado. Meu acesso sempre será indireto, isto é, mediado por algum aparelho de observação capaz de trazer uma descrição pormenorizada do que está acontecendo.

Ao falar em estados mentais inalienáveis, temos que falar daquilo que possibilita o pensar. Quais os objetos do pensamento? Podemos chamar de ideias, representações, impressões, conceitos e assim sucessivamente. Pensamos com ideias e coisas do tipo, mas, existe algo de mais basilar que sustenta nossas ideias, a saber: a linguagem. Ora, todo pensamento pode ser traduzido numa linguagem, na verdade nossas ideias ou conceitos podem ser entendidas no horizonte veicular da língua que falamos, o modo como representamos o mundo ou até mesmo percebemos objetos, são em sua grande gama de manifestações mediadas pela linguagem. Aqui, acredito que não há nenhum problema e afirmarmos que pensamos com linguagem, que não há um só pensamento que não seja mediado pela linguagem, que, portanto, não encerre significatividade.

Somos seres predispostos à linguagem, mas é preciso um tempo de maturação e aprendizado em torno de uma língua. Diferentemente de alguns comportamentos reflexos que já trazemos ao nascer, a linguagem vem de fora e não de dentro. Suas regras de funcionamento se encontram fora de nossas subjetividades prematuras enquanto bebês pré-linguísticos. Portanto, podemos afirmar que a linguagem é uma atividade humana plural e contingente, que aprender falar uma língua é seguir regras previamente dadas na comunicação. Aqui estamos prontos para fazer a prestidigitação: aprendemos uma linguagem e com o tempo nos tornamos aptos a nomear e se referir a tudo quanto é sensações subjetivas, como dores, medos, angustias, alegrias, etc. Comumente associamos estas sensações ao âmbito de nossa privacidade epistêmica e não é errado fazer isso, afinal de contas, do ponto de vista fenomênico, isto é, dos nossos estados mentais, subjetivos e conscientes de primeira pessoa, é o que ocorre. A literatura acerca dos qualia em filosofia da mente estaria de acordo com essa visão. Mas por outro lado, o que possibilita mapearmos epistemicamente tais sensações é a língua que falamos, que, por seu turno, não tem nada de privado.

Uma língua sendo uma atividade circunscrita a uma comunidade de falantes possui uma dimensão intersubjetiva. Isso significa afirmar que a língua falada em uma comunidade linguística é a rede segundo a qual podemos conectar todas as subjetividades. Foi o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein (1989-1951) quem percebeu e chamou atenção para algumas implicações filosóficas em torno dessa questão. Podemos afirmar que o pensamento ocorre no interior de nossas caixas cranianas, instanciado pelo nosso cérebro que por sua vez produz o teatro de nossa consciência, e que, por fim, esse pensamento é mediado por uma língua. Entretanto, não podemos concluir que essa língua é privada da mesma forma que minha sensação de angustia é privada. Aqui estamos lidando com uma dupla dimensão: a coisa e o que se diz da coisa. Em sua obra Investigações Filosóficas (Philosophische Untersuchungen), Wittgenstein (1953) desenvolve numa sequência de observações filosóficas daquilo que ficou conhecido por O Argumento da Linguagem Privada. Para fins mais didáticos vamos chamá-lo de o argumento contra a possibilidade de uma linguagem privada.

Em suas Investigações, Wittgenstein descreve muitas possibilidades de uso para uma linguagem como, por exemplo, dar ordens a si mesmo, obedecer, formular uma pergunta, responder essa mesma pergunta, falar por monólogos, etc. Isso e muito mais faz parte daquilo que ele chamou de jogos de linguagem (Sprachspielen), esses jogos encerram atividades cujo o significado se revela a partir do uso que estamos fazendo de uma linguagem, qualquer que seja ela. Por isso, é comum a ideia Wittgensteiniana de que toda linguagem pressupõe uma forma de vida (Lebensform), uma vez que “imaginar uma linguagem significa imaginar uma forma de vida” (WITTGENSTEIN, 1953, §19). Para ilustramos o que Wittgenstein está considerando uma linguagem privada vejamos a observação de número §243 de suas investigações. Nesta observação ele define bem o que consiste uma linguagem privada: “As palavras dessa linguagem devem referir-se ao que só o falante pode saber; às suas vivências imediatas, privadas. Uma outra pessoa não pode compreender, portanto, essa linguagem”.

Ao longo de suas observações (que canonicamente vão do §243 até o §315), Wittgenstein procura mostrar, através de uma série de considerações e exemplos de casos, como é problemático defender uma linguagem privada. Uma vez que sabemos que essa linguagem é uma linguagem para se referir a vivências imediatas e privadas e que, portanto, outra pessoa não pode compreendê-la, podemos agora avançar em alguns exemplos. Como as palavras se referem as sensações (Epifindugen)? Como eu aprendo que a palavra dor se refere a sensação que tenho ao bater meu joelho numa pedra? Em um de seus exemplos ele usa o caso de uma criança que ao cair se machuca e começa a chorar, ao longo do processo de aprendizado da língua, a criança aos poucos irá substituir aquele grito ou gemido natural por comportamentos verbais tais como “ai”, “doeu”, “sinto dores”, etc. A linguagem parece surgir como uma roupagem que objetiva oferecer uniformidade semântica às nossas experiências como um todo. Na observação §248 temos o seguinte: “A sentença “sensações são privadas” é comparável a: “paciência se joga sozinho”. Por mais estranho que parece esse exemplo de Wittgenstein, ele se torna claro quando pensamos na publicidade da linguagem. Ora, paciência realmente é um jogo que jogamos sozinhos, mas qualq
uer pessoa que conheça as regras do jogo pode jogar também. Com as sensações, ocorre algo semelhante em termos de analogia. Nossas sensações são vivenciadas de um ponto de vista subjetivo, todavia, o veículo, isto é, a linguagem que discrimina para nós o que estamos sentindo é um empreendimento intersubjetivo e qualquer pessoa que conheça a língua vai saber o que você está sentindo, pois, ela também usa a mesma linguagem para discriminar essas sensações.

Podemos pensar no paradigmático exemplo do diário usado por Wittgenstein (1953, §258). Vamos imaginar uma pessoa que quer manter o registro num diário sobre a recorrência de uma determinada sensação. Essa pessoa associa o sinal S toda vez que a sensação ocorre, simplesmente usando como critério sua atenção (concentrada) quando a sensação se manifesta. Porém, como (no âmbito de uma linguagem privada) saber que a sensação que ocorreu agora e que chamei de S é a mesma sensação de vinte minutos atrás que também chamei de S? Em outras palavras, quais os critérios de correção? Assim, podemos perceber o quão público são as regras de funcionamento de uma língua. Por isso que, segundo Wittgenstein (1953), não se pode seguir uma regra privadamente, pois, apenas acreditar que estamos seguindo uma regra no âmbito privado, não é seguir uma regra. Dessa forma, é lícita a pergunta de Wittgenstein (1953, §259): “São as regras da linguagem privada impressões de regras?” Portanto, não temos nenhuma razão para chamar “S” de uma sensação, “Pois “sensação” é uma palavra da nossa linguagem comum, compreensível não somente para mim. O uso dessa palavra precisa, portanto, de uma justificativa que todos compreendam” (WITTGENSTEIN, 1953, §261).

Algo parecido pode ser vislumbrado no famoso exemplo do besouro numa caixa. Na observação §293, Wittgenstein pede para imaginarmos uma situação com um grupo de pessoas onde cada uma tivesse uma caixa com algo dentro que chamam de “besouro”. O ponto é que ninguém pode olhar dentro da caixa do outro, e assim, cada um afirma que sabe o que é um besouro apenas olhando para o que tem dentro de sua própria caixa. Nessa metáfora, a coisa dentro da caixa são nossa vivências privadas e “besouro” a palavra que usamos coletivamente para se referir a essas vivências. Wittgenstein chega a supor que poderia ser o caso que cada um tivesse uma coisa diferente dentro da caixa ou que essa coisa mudasse constantemente. Porém, uma vez que a palavra “besouro” passa a ter um uso designativo para aquela coisa, tudo muda. Nas palavras de Wittgenstein (1953, §293) “A coisa na caixa não pertence de nenhum modo ao jogo de linguagem; nem sequer como um algo: pois a caixa poderia até estar vazia.” Para Wittgenstein, quando construímos as regras para expressar nossas sensações “segundo o modelo de ‘objeto e designação’, então o objeto cai fora da consideração como irrelevante” (WITTGENSTEIN, 1953, §293). Aqui, mais uma vez vale ressaltar que Wittgenstein não está dizendo que não temos sensações privadas, ou como ele prefere chamar “vivências privadas” (privaten Erlebnis) mas apenas que a linguagem que utilizamos para nos referir às nossas sensações não é privada, mas sim, uma atividade pública, com suas regras intersubjetivas de funcionamento.  

Uma educação negra

Na década de 1970, um grupo de estudantes negros se reuniram para pesquisar a luta dos seus antepassados e questionar a legitimidade do 13 de maio, data da assinatura da Lei Áurea, como referência de celebração do povo negro. No lugar, sugeriam o 20 de novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares, para destacar o protagonismo da luta dos ex-escravizados por liberdade e gerar reflexão para as questões raciais. A semente plantada ali é um dos marcos da constituição dos movimentos negros e está na raiz do Dia da Consciência Negra.

Um diálogo imprescindível, que deve estar presente em todas as ações, mas que ganha palco neste mês é o racismo, o preconceito e a discriminação racial.  Assim, é fundamental propor a importância de ocupar os espaços de discussão e que nossas práticas estejam voltadas à educação que promova o respeito à diversidade étnico-racial e cultural da sociedade brasileira cuja compreensão passa por um momento histórico de reconhecimento, tanto legal quanto politicamente, da presença das populações de origem africana na formação da nação.

Chamo a atenção para uma descolonização das nossas leituras, que por tanto tempo desprezaram os intelectuais negros, como o antropólogo e professor Kabengele Munanga, a deliciosa escrita de Chimamanda Adichie, da filósofa e ativista Sueli Carneiro que, em “Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil”, apresenta resultados da reducão das desigualdades trazidas pela diminuição da discriminação racial acontecida nos últimos anos.

O que dizer então da brilhante Elisa Lucinda, jornalista, poeta, escritora, atriz e cantora e fundadora do espaço cultural Casa Poema, no Rio de Janeiro, que sedia eventos relacionados a literatura, teatro e música. A jovem ativista Carla Akotirene (nascida Carla Adriana da Silva Santos, em Salvador), que tem se destacado no feminismo negro. Seu objeto de estudo é o que ela chama de interseccionalidade. O que dizer então de Carolina Maria de Jesus, escritora brasileira de pouca instrução que se destacou por seus relatos, em forma de diários, sobre sua dura realidade na favela? Ou ainda sobre a talentosíssima mineira, Conceição Evaristo , que nos choca e nos corta a alma com seus romances, contos e poesias? span>

Minha intenção aqui é a de que passemos a conhecer mais sobre o talento e a capacidade, sobre a representação e a potente construção de conhecimento, de arte e cultura que nos circundam e que foi subalternizada e silenciada, por vezes vilipendiada pela nossa gente. Assim, nada melhor que aproveitar nossos espaços de leitura para convidar, para indicar, para visibilizar tanta gente poderosa em seus escritos e que estão prontos para serem lidos. Já escolheu por onde começar? Eu vou de Chimamanda Adichie Nagozie, em Americanah, uma história de amor implacável que trata de questões de raça, gênero e identidade.

Anne Caroline Fernandes Alves – Professora Mestra e Pesquisadora do Curso de Direito da Estácio.

São duas portas

Afonso Rodrigues de Oliveira

“A vida não tem mais do que duas portas: uma de entrar pelo nascimento; outra de sair, pela morte”. (Rui Barbosa)

Não temos outra entrada nem outra saída. E depois que entramos não há como sair de volta. Temos que esperar o momento da porta de saída se abrir. O que devemos fazer é aproveitar o máximo que pudermos, enquanto a porta de saída estiver fechada. Faça isso nos seus dias. Viva-os intensamente antes que a cortina se feche. Cada um de nós tem o seu modo de viver. E por isso não devemos querer dar palpites nem pitacos, na vida das outras pessoas. Cada um é cada um e não há como ser diferente.

Desde minha adolescência, quando iniciei minha vida livre de companhias, que me entrosei no mundo das artes, da política e atividades sociais. Em Roraima vivi momentos importantíssimos, com grupos importantes no mundo das artes. Depois afastei-me e vivi alguns anos fora, três dos quais na Ilha Comprida, no litoral Sul de São Paulo. Foram momentos felizes que vivi. Mas, agora, de volta, não tenho tido oportunidades de reativar as atividades culturais, em Boa Vista. E isso não vem me fazendo bem. Sinto-me numa prisão-domiciliar.

Semana passada, o Major Carlos Magno R. Oliveira, chegou e convidou-me para uma apresentação da Orquestra da Polícia Militar. Fomos e confesso que me emocionei. Eu estava carente de atividades desse porte. O cadinho cultural na apresentação da Orquestra levou-me a velhos tempos, nas apresentações nos Teatros Carlos Gomes, em Boa Vista, e em Natal no Rio grande do Norte, na minha adolescência. A Orquestra da PM executou uma mistura de clássicos do popular, com um encanto encantador: Pixinguinha em “Carinhoso”; Djavan em “Meu Bem Querer” e outras igualmente encantadoras, como Zezé de Camargo em “Preciso Ser Amado”, e Leonardo em “Eu Juro”. Mas, não foram só essas nem só as populares. “O Fantasma da Ópera” encantou-me. Mas não tenho espaço suficiente para ir além, nesse papo. Fico por aqui.

Meus parabéns à Polícia Militar de Roraima. Meus parabéns pelos seus 47 anos de existência e atividades que engrandecem e orgulham os roraimenses. Parabéns a todos os que se apresentaram: Cantor, Maestro, Músicos e apresentadores, meu abraço quebra-costelas a todos os que me orgulharam nas apresentações. Foi um momento que jamais esquecerei, por ter me tirado do ostracismo, com uma apresentação digna de respeito. Que continuemos levando nossa cultura ao patamar que ela deve, e vai alcançar. Que tantos outros 47 venham a marcar presença em futuras populações desta Terra que amo e quero amar até que a segunda porta se abra. Um abração a todos. Pense nisso.

[email protected]

99121-1490