Do apogeu em Viena ao cataclismo em Brasília
Sebastião Pereira do Nascimento
Em janeiro de 1913, um homem cujo passaporte trazia o nome de Stavros Papadopoulos embarcou num trem em Cracóvia (sul da Polônia) e desembarcou numa estação de Viena, na Áustria. De pele parda, ele usava um grande bigode de camponês e carregava uma pequena mala de madeira. Mais tarde, sentado à mesa de um café, se apraz quando de repente a porta se abriu e entra um homem baixo… esguio… pele coberta de marcas de varíola e o semblante que nada se parecesse com simpatia. Era um velho camarada intelectual e dissidente russo, diretor de um jornal radical chamado Pravda (Verdade). Seu nome era Leon Trotsky.
E o homem que desembarcou do trem, de grande bigode de camponês, na verdade não se chamava Stavros Papadopoulos. Era um marxista de origem russa, conhecido pelos seus camaradas como Koba, o qual se chamava Joseph Stalin. Trotsky e Stalin eram apenas dois camaradas de uma série de outras figuras que viviam no centro de Viena em 1913 cujas vidas estavam destinadas a moldar grande parte do século XX. Lá, neste mesmo ano, Sigmund Freud e Adolf Hitler também estiveram na cidade de Viena.
Era um grupo heterogêneo. Enquanto Freud e Hitler tinham motivações distintas em Viena. Stalin e Trotsky, estavam fugindo da perseguição imposta por Czar Nicolau, então imperador russo que contava com poderes absolutos e se dizia governante por vontade de Deus [assim como se achava, aqui, Bolsonaro].
Nessa altura, o psicanalista Sigmund Freud já bem estabelecido, exaltado por seus pares como aquele que desvendou os segredos da mente, era um homem inteligente, famoso e respeitado que se tornara médico em 1881 e estabelecera sua famosa clínica em Viena em 1886, próximo ao rio Danúbio. Em 1913 publicou o livro “Totem e tabu: alguns pontos de concordância entre a vida psíquica dos selvagens e a dos neuróticos”.
Na mesma ocasião, havia um sujeito oriundo do noroeste da Áustria, cujo sonho de estudar pintura na Academia de Belas Artes de Viena havia sido frustrado duas vezes depois de ser reprovado no vestibular e que agora estava hospedado em uma pousada na perto do rio Danúbio. Este sujeito era um certo Adolf Hitler. Junto com um certo amigo, ele ganhou dinheiro desenhando cartões-postais dos famosos pontos turísticos de Viena e depois vendendo-os aos turistas.
Em evocação da cidade na época, “Thunder at Twilight”, o autor austríaco Frederic Morton imaginou Hitler doutrinando seus colegas de quarto, falando sobre pureza racial e a missão alemã de exterminar os judeus, jesuítas e maçons. Suas mãos sujas de tinta rasgavam o ar, sua voz subia para um tom operístico, e tão repentinamente Hitler parava. Recolhia suas coisas com um ruído imperioso e caminhava em direção ao seu cubículo perto do Danúbio. Coincidentemente, o prefeito de Viena naqueles anos era Karl Lueger, considerado o pai do antissemitismo [antissemitismo é o conceito para o ódio que determinadas pessoas sentem de judeus, povo de origem semita].
Viena, em 1913, era a capital do Império Austro-Húngaro, que consistia em 15 nações e mais de 50 milhões de habitantes. Viena era um caldeirão cultural que atraía pessoas de todo o Império. Menos da metade dos dois milhões de residentes da cidade eram nativos e cerca de um quarto viera da Boêmia [atual República Tcheca ocidental) e da Morávia (atual República Tcheca oriental], então o tcheco era falado ao lado do alemão em muitos lugares. Os súditos do império falavam uma dúzia de idiomas. Os oficiais do exército austro-húngaro deveriam ser capazes de emitir ordens em pelo menos 11 idiomas além do alemão, cada um dos quais com uma tradução oficial do hino nacional austríaco. E essa mistura criou um fenômeno cultural: o café vienense.
Os cafés, têm sua gênese nos sacos de café deixados para trás pelo exército otomano após o fracassado cerco turco de 1683. A cultura do café e a noção de debates nos cafés são uma parte muito importante da vida vienense agora e naquela época. A comunidade intelectual vienense era realmente pequena e todos se conheciam e isso proporcionava trocas culturais. Essa atmosfera favorecia dissidentes políticos e fugitivos. Na época não havia um estado central poderoso. Se você quisesse encontrar um lugar para se esconder na Europa onde pudesse conhecer outras pessoas interessantes, Viena era um bom lugar.
O ponto de encontro favorito de Freud, era o Café Landtmann, ainda fica no Ring, o famoso boulevard que circunda [a velha cidade de] Viena. Mas ele também frequentava o Café Central, a poucos minutos a pé, onde os bolos, os jornais, o xadrez e, sobretudo, a conversa eram as paixões dos clientes [entre eles vários intelectuais famosos]. Não esquecendo artistas como Gustav Klimt, que em 1913 pintou um dos seus últimos quadros, “A Virgem”, e causou grande polêmica com uma série de desenhos eróticos exibidos na exposição internacional de gravura e desenho de Viena.
Nesse mesmo ano, seu discípulo, o pintor austríaco Egon Schiele, deu ao mundo várias de suas pinturas mais populares, como “Amizade” e “Mulher de Meias Pretas”, e escreveu ao colecionador Franz Hauer: “Só pintar não me basta; sei que se pode usar as cores para estabelecer qualidades. Quando se vê uma árvore outonal no verão, é uma experiência intensa que envolve todo o coração e o ser; gostaria de pintar essa melancolia.”
E, embora ainda fosse uma sociedade amplamente dominada por homens, várias mulheres também causaram grande impacto, principalmente a compositora e pintora Alma Mahler. Em 1913, ela iniciou sua relação tumultuada e apaixonada com o poeta e dramaturgo austríaco Oskar Kokoschka, que inspiraria ambos a criarem grandes obras de arte. Mas enquanto a cidade era [e ainda é] sinônimo de música, dança luxuosa e valsas, seu lado obscuro era especialmente sombrio. Um grande número de cidadãos vivia em favelas e, em 1913, mais de mil vienenses se mataram violentamente
Ninguém sabe se Freud conheceu Stalin ou se Hitler conheceu Trotsky. Mas o que se sabe é que a situação inspirou obras como a peça de radioteatro “Dr. Freud vai vê-lo, Sr. Hitler”, de Laurence Marks e Maurice Gran, na qual eles imaginam tais encontros.
Nesse tempo, nos labirintos do castelo Hofburg de Viena, estava o imperador Franz Joseph, que reinava desde 1848 até 1916. O arquiduque Franz Ferdinand, sobrinho e designado sucessor de Franz Joseph, residia no vizinho castelo Belvedere, aguardando ansiosamente o trono. Seu desejo de se casar com a condessa Sophie Chotek, dama de companhia da arquiduquesa, causou muita polêmica. Pois, como herdeiro presumível do Império, Ferdinand foi convidado a se casar com uma donzela da família real europeia, mas, profund
amente apaixonado, recusou, casando-se com Sophie em 1900. Um pouco mais tarde, o arquiduque viu a fraqueza do Império de seu tio e tentou ajudá-lo fortalecendo as forças do exército e da marinha.
Em 1913 tornou-se inspetor-geral do exército, ao mesmo tempo em que um grupo nacionalista na Sérvia, “Mão Negra”, recorreu ao terrorismo como uma forma de atividade política, e começou a traçar um plano contra ele. Seu assassinato — junto com sua esposa, a então Duquesa Sofia —, em junho de 1914 desencadearia a Primeira Guerra Mundial. A conflagração destruiu grande parte da vida intelectual de Viena. O Império implodiu em 1918, impulsionando Stalin, Trotsky, Freud e Hitler para destinos diferentes que marcariam a história mundial para sempre.
Até aqui, os leitores devem estar se perguntando o porquê dessa narrativa épica, publicada originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/internacional, e rescrita aqui com algumas alterações para dizer se caso essas figuras antológicas se fizessem presente em Brasília, no dia seguinte aos ataques às sedes dos três poderes.
Portanto, Freud poderia dizer que se um dia olharmos para trás veremos que o dia mais sinistro do Brasil, foi o dia 08 de janeiro, dia da estupidez em Brasília. E os piores anos foram os quatro anos passados, pois se olharmos para as profundezas do governo Bolsonaro, veremos apenas o ódio e a inverdade. Da inverdade, nenhum ser humano é capaz de esconder um segredo. Pois se a boca se cala, falam as pontas dos dedos.
Stalin, diria que a liberdade só pode existir onde a violência foi abolida, onde não há brutalidade de uns sobre os outros, onde não há desemprego e pobreza, onde as pessoas não sejam atormentadas pelo medo de acordar e ver seu país governado por um déspota. Portanto, é preciso compreender que as ideias são muito mais poderosas do que as armas.
Trotsky, poderia dizer que os sectários bolsonaristas não têm respeito pelos outros porque têm pouco até por si próprios. Além disso, é preciso que os brasileiros resistam aos ataques. Pois, logo a vontade do povo, trará ao povo, não só direito à comida na mesa, mas também à bonança e à liberdade. Agora é preciso remover do país todos os males gerados pelo bolsonarismo.
Hitler, um facínora que preconiza soluções extremas, diria: Eu realmente achei que venceríamos. Mas devemos continuar lutando pelas causas extremas porque é isso que somos, e só somos isso porque somos os únicos. É preciso continuarmos fingindo ser patriotas e ordeiros. Assim, tornemos a mentira grande, pois se continuarmos afirmando-a, logo todos acreditarão nela.
* Filósofo.
Vamos investir
Afonso Rodrigues de Oliveira
“Vamos investir primeiro em educação, segundo em educação, terceiro em educação. Um povo educado tem as melhores opções na vida, e é muito difícil que os corruptos mentirosos os enganem”. (José Mojica)
Bater na tecla da educação não faz mal. Mesmo porque já aprendemos com a Cultura Racional, que o ser humano só aprende com as repetições. Mas o mais o importante é observar que como humanos somos mais inclinados ao negativo. Quando a repetição é no positivo a demora é maior. E talvez por isso ainda não entendemos que o que nos falta realmente para que sejamos cidadãos, é a educação. E pelo que vejo, vamos caminhar por mais alguns anos pelas veredas da ignorância sobre nós mesmos.
Fique tranquilo, porque não estou falando só do Brasil. A educação está caminhando de bengalas, pelo que vejo, pelo mundo todo. Mas há um erro que reflete a falta de educação que mais preocupa, que é seguir os maus exemplos. Que é o que fazemos e fizemos sempre. Os grupos que deveriam educar danças na farra do deseducar. São os heróis que incentivam e protegem os baderneiros. Se o país tal, faz, vamos fazer. Afinal somos todos iguais. Só que ainda não aprendemos que nas igualdades devemos respeitar as diferenças.
É realmente preocupante quando ouvimos os políticos falarem em educação. Porque o que mais ouvimos é sobre construção de escolas e salários de professores. Quando as duas coisas são mais do que necessárias, mas não são o essencial. O que está preocupando é a qualidade na educação, que está muito baixa. O Rui Barbosa já disse: “O professor é inviolável e soberanos em sua cátedra”. E a educação deve estar calcada neste princípio. E se nos ativermos neste assunto iremos causar briguinha comadrescas. Então vamos deixar a reflexão para os que realmente estão interessados na qualidade da nossa educação.
E não nos esqueçamos de que a educação é um dos maiores problemas que enfrentamos, pelo desdém dos que deveriam cuidar dela. Mas há inúmeros problemas que temos e não nos atentamos para eles. E já que mergulhei neste assunto, não posso deixar de citar o Mestre Rui Barbosa, mais uma vez, já que tudo depende da política: “Do mal, em política, muitas vezes nasce o bem; da violência, o direito”. Que é nessa observação genial que saímos do lamaçal inevitável na política. O que ainda não conseguimos entender. E por isso continuamos querendo resolver o problema com guerrinhas arruaceiras.
Vamos encerrar o papo com mais uma dica do Rui Barbosa: “As leis da guerra são a astúcia e a força; as leis da tribuna são a lógica e a justiça”. Reflita sobre isso, e com parcimônia. Pense nisso.
99121-1460