Opinião

Opiniao 15471

KinoMakunaima 3: o geocinema amazônico nos curtas Lavradeiro e Arte Alimenta a Vida exibidos no Canal Futura

  

Éder R. dos Santos

Luiz Cláudio C. Duarte

Dois documentários levaram as imagens da territorialidade roraimense para as telas do Canal Futura, dimensão educacional do grupo Globo de Comunicação, o maior conglomerado midiático da América Latina. O documentário “Lavradeiro” (12 min., ano 2018), dirigido pelo publicitário e documentarista, Luiz Cláudio C. Duarte, co-produzido com o videomaker, Luciano Alvarenga; e o filme “A Arte Alimenta a Vida” (12 min., 2022), dirigido pelo jornalista e cineasta Éder Santos, com direção de fotografia e montagem do filmmaker e fotógrafo Zeca Barcellos. Os dois curtas foram projetos aprovados em editais patrocinados pelo Canal em conjunto com instituições que incentivam iniciativas audiovisuais no país.  

O curta Lavradeiro tem outra edição intitulada “Lavradeiro: livre como o vento”, versão expandida, produzida no âmbito do patrocínio da Lei Emergencial Aldir Blanc. O filme, possivelmente, constitui-se em um fiel registro semiótico da potência do fator biótico singular do estado Roraima, refletido pedagogicamente na estrutura física dos cavalos lavradeiros. Pedagógico por um lado, emocionante por outro, o curta Lavradeiro foi exibido em 2018 no Canal Futura, que abre chamadas públicas para escolher as melhores propostas de filmes documentários de todo o Brasil. A proposta de projeto foi uma das 30 selecionadas em 2017, por meio do 9º Chamado Público do Futura para a Produção de Documentários de Curta Duração, num universo de mais de 550 inscritos.

O filme é um festival imagético de paisagens naturais e culturais, compondo o telurismo histórico amazônico, tendo como fio condutor as narrativas de especialistas e criadores de cavalos, com belas imagens aéreas da região dos municípios de Amajari, Normandia e Pacaraima, localizados na mesorregião norte de Roraima. O Amajari tem um território privilegiado, com geomorfologia singular e que guarda muitas histórias, resultado do encontro de culturas que caracterizam o estado de Roraima, sendo indígenas, nordestinos, sulistas, dentre outros.

O Amajari está entre os 10 municípios de Roraima que constam na edição de 2022 do Mapa do Turismo Brasileiro, elaborado pelo Ministério do Turismo. É um espaço de oportunidades, inseparável das histórias locais, assim como das deslumbrantes cachoeiras da região da Serra do Tepequém. Os cavalos lavradeiros, assim como outros animais importantes (como o tamanduá bandeira – que está entre os 10 animais em extinção no mundo), são atrativos naturais que permeiam o imaginário dos moradores e turistas na região do lavrado roraimense.

O filme Lavradeiro é dirigido no estilo o cinema direto, com entrevistas que provocam a curiosidade de quem assiste, pois veterinários, pesquisadores, vaqueiros e moradores do Amajari constroem um panorama histórico da adequação no lavrado e do comportamento dos animais nos campos de Roraima e de como isso impactou a vida das pessoas. Aproximado ao documentário cabo, pois foi produzido para TV, o filme torna-se um importante instrumento para o ensino, pois a adaptação dos animais ao clima, a vegetação e as condições do solo torna-se uma aula de biogeografia à parte.

A Arte Alimenta a Vida é um dos 10 curtas aprovados no edital do Canal Futura de 2022, que recebeu 400 inscritos de todo o Brasil. Exibido em 2022, o filme mostra a relação dos povos indígenas com a natureza no contexto da arte milenar do extremo norte brasileiro. Com suas pinturas e artesanatos indígenas, o artista e músico do povo M
acuxi, Done Santos, fala no filme da importância do uso da arte para a resistência e difusão da cultura ancestral nessa região de tríplice fronteira.

O jenipapo utilizado nas pinturas, o rapé usado pelos pajés, as raízes para cura, a água, a terra e as plantas, que são seres na cosmologia indígena, unidos as narrativas da vida e obra de Makunaima (divindade de vários povos que habitam o entorno do mítico Monte Roraima) constituem parte central da narrativa do filme, que mostra um pouco da desta cosmologia dos povos ameríndios. Os indígenas enxergam duas espacialidades: uma, natural e a outra, hiperfísica, assim constituem sua complexa cultura que muito tem a contribuir com o país na defesa da floresta. A arte indígena concilia vida e ambiente, no uso e apropriação do espaço territorial – seu Bem Viver. A arte de Done compõe um fenômeno social maior que é a revolução nas artes visuais e plásticas no Brasil com o protagonismo indígena. Esse processo vem ocorrendo nos últimos anos atrelado à ocupação de espaços políticos por essas populações, sejam estes, artísticos, literários. acadêmicos e políticos partidários.         

Por fim, vale destacar que a linguagem audiovisual é um fenômeno que apreende o tempo e espaço, fazendo com que tudo ocorra no momento da exibição, com uso da imagem e do som, emoções e ensino. Torna-se assim, um recurso importante a ser explorado como instrumento para o ensino escolar e acadêmico. Lavradeiro e A Arte Alimenta a Vida são muito mais que simples registros fílmicos, são produtos audiovisuais que agregam qualidade ao processo de construção do conhecimento para além do cinema, pois tem nos elementos naturais e socioambientais a possibilidade de sensibilizar o público que assiste a valorizar a biodiversidade amazônica, seu povo, suas lutas e o próprio fazer cultural cinematográfico.

    

Éder Santos é jornalista, sociólogo, doutorando em Geografia Humana pela UNIR, editor de publicações da UFRR, presidente da Associação Roraimense de Cinema e Produção Audiovisual Independente, pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Modos de Vidas e Culturas Amazônicas (GEP Cultura/UNIR) e da Mostra Internacional do Cinema Negro (SP). E-mail: [email protected].

Luiz Cláudio Corrêa Duarte é publicitário, desenvolve projetos audiovisuais, filmes autorais, projetos institucionais e materiais de apoio em vídeo. Produziu e lançou os documentários Não Existem Heróis (selecionado no Amazônia das Artes 2015 – Sesc) e Rios do Roraima, ambos em 2014. Em 2017, foi selecionado para o 4º Festival de Nanometragem em Atibaia-SP com o curta ambiental Cadê a Água, em parceria com o videomaker Luciano Alvarenga, com quem lançou os documentários Lavradeiro (2018) pelo Canal Futura e Lavradeiro, Livre Como o Vento (2023) no canal Amazon Sat. E-mail: [email protected] 

“Versões de mim”

No período momesco, recolhido em casa, longe da folia, recebi da querida Lys Cunha, amiga dos bancos escolares do Colégio Batista, uma mensagem, com a crônica  “Versões de mim”, que já conhecia. Fã de Luís Fernando Veríssimo, meu cronista predileto, creio que já li ferozmente quase tudo o que publicou.

Na crônica, Veríssimo fala sobre as alternativas que temos ao longo da vida, as escolhas que somos obrigados a fazer. A vida é feita de escolhas. Quando se opta por alguma coisa, se mata todas as outras alternativas. Portanto, vivemos a gangorra: escolhas e consequências. Quem de nós, amigo leitor, querida leitora não se pegou conjecturando, ruminando pensamentos: “Não teria sido melhor, se tivesse tomado aquele caminho? E se eu tivesse cursado Direito, em vez de Agronomia, e se eu tivesse casado com Angela, em vez de Heloisa. E, se tivesse aceito aquele emprego em Brasília…” São tantos “e se” ao longo da caminhada…

Todos os dias temos que começar o dia, escolhendo entre levantar da cama e encarar o dia ou ficar deitado.

Na crônica, Luís Fernando Veríssimo está em um bar imaginário.

“Vivemos cercados pelas nossas alternativas, pelo que podíamos ter sido”, descreve ele no início.

“Ah, se apenas tivéssemos acertado aquele número (unzinho e eu ganhava a sena acumulada), topado aquele emprego, completado aquele curso, chegado antes, chegado depois, dito sim, dito não, ido para Londrina, casado com a Doralice, feito aquele teste… Agora mesmo, neste bar imaginário em que estou bebendo para esquecer o que não fiz, – aliás, o nome do bar é Imaginário -, sentou um cara do meu lado direito e se apresentou:

-Eu sou você, se tivesse feito aquele teste no Botafogo.

E ele tem mesmo a minha idade e a minha cara. E o mesmo desconsolo.

-Por quê? Sua vida não foi melhor do que a minha?

– Durante um certo tempo, foi. Cheguei a titular. Cheguei à seleção.

Fiz um grande contrato. Levava uma grande vida. Até que um dia…

– Eu sei, eu sei…- disse alguém sentado ao lado dele.

Olhamos para o intrometido… Tinha a nossa idade e a nossa cara não parecia mais feliz do que nós. Ele continuou:

-Você hesitou entre sair e não sair do gol. Não saiu, levou o único gol do jogo, caiu em desgraça, largou o futebol e foi ser um medíocre propagandista.

– Como é que você sabe?

– Eu sou você, se tivesse saído do gol. Não só peguei a bola, como me mandei para o ataque com tanta perfeição que fizemos o gol da vitória. Fui considerado o herói do jogo. No jogo seguinte, hesitei entre me atirar nos pés de um atacante e não me atirar. Como era um herói, me atirei…

Levei um chute na cabeça. Não pude ser mais nada. Nem propagandista.

– Você deve estar brincando! – disse alguém sentado à minha esquerda.

Tinha a minha cara, mas parecia mais velho e desanimado.

-Quem é você?

– Eu sou você, se tivesse entrado para o serviço público.

Vi que todas as banquetas do bar à esquerda dele estavam ocupadas por versões de mim no serviço público, uma mais desiludida do que a outra… As conseqüências de anos de decisões erradas, alianças fracassadas, pequenas traições, promoções negadas e frustração. Olhei em volta. Eu lotava o bar. Todas as mesas estavam ocupadas por minhas alternativas e nenhuma parecia estar contente. Comentei com o barman que, no fim, quem estava com o melhor aspecto ali, era eu mesmo. O barman fez que sim com a cabeça, tristemente.

Só então notei que ele também tinha a minha cara, só com mais rugas..

-Quem é você? – perguntei.

-Eu sou você, se tivesse casado com a Doralice.

Hoje, aos 64 anos, assim como o personagem de Veríssimo, acho que sou minha melhor versão, revista e atualizada. Sobrevivi às escolhas erradas, às portas emperradas, que forcei para passar, que me levaram a lugar nenhum. Às porradas que a vida me deu. Às merdas que servem para adubar a caminhada.

Como um quebra-cabeças, com inúmeras peças, tenho diferentes versões de mim, que foram se adaptando à passagem do tempo. Peças que às vezes se encaixaram, outras vezes sobraram. Na maioria das vezes, se completaram e se complementaram. A sabedoria da vida, com tudo o que se viveu e vivenciou, é saber aceitar àquilo que não se pode mudar.

A partir de certa idade, temos que selar um pacto de paz com a vida.

Olho para trás, vejo minhas asas, mesmo cansadas, admiro meus voos.

Luiz Thadeu Nunes e Silva.

Eng. Agrônomo, Palestrante, cronista e viajante. O latino americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 151 países em todos os continentes. Autor do livro “Das muletas fiz asas”.

A máquina burocrática

Afonso Rodrigues de Oliveira

“Há uma só máquina gigantesca operada por pigmeus: é a burocracia”. (Arthur Schopenhauer)

A batalha que estamos enfrentando, eu e minha família, para reativar nossas atividades em nossos terrenos rurais, no Município do Cantar, é inacreditável. Há dois anos estamos batalhando para provarmos que a área é nossa. Chegamos ali em 1982. Não éramos agricultores, mas tivemos uma atividade produtiva que ainda hoje é comentada pelos que nos conheceram na época, na região. E o motivo para esse papo agora, foi uma visita que tivemos pela manhã, de um dos atuantes atuais, na região. Relembramos coisas que nos deixaram saudade, com acontecimentos notáveis, à época.

A copa do mundo de futebol, de oitenta e dois, por exemplo, nós a assistimos no meu televisor, dentro do nosso tapiri, com a energia solar. Hoje, quarenta anos depois, estão apresentando o painel solar como uma novidade que ainda está encontrando dificuldade para ser aceita. Quem leu meu livro, “O Caçador de Marimbondos”, publicado em 1992 conhece o trecho publicado pelo jornalista Plínio Vicente. O Plínio usa, no prefácio que ele fez para o livro, o início da matéria em que falo em linguagem coloquial, sobre o “Caruncho”.

Todos os capítulos do livro falam sobre minhas experiências que valeram para o crescimento no ambiente em que vivíamos na então Confiança I, que hoje é Gleba Quitauaú, no Município do Cantá. Faz dois anos que eu e minha família, lutamos judicialmente, para reativar nossas atividades em nossos velhos lotes. E tudo que queremos é sermos felizes, fazendo que nossos vizinhos sejam felizes. E que façamos com que a felicidade continue nos trazendo o que merecemos.

Valeu a pena a visita do nosso amigo Júlio, que nos alegrou com nossa conversa sobre as experiências que vivemos e queremos estender. Um abração do tamanho do mundo para o meu grandíssimo amigo Plínio Vicente, um dos mais experientes jornalistas que já tive o prazer de conhecer. E ao chargista Marco Aurélio, pela página que ele criou sobre o Caruncho. Um desenho fenomenal que está no livro “O caçador de Marimbondos”, no capítulo “Caruncho”, na página 55. Vamos encerrar esta semana, com um abração quebra-costelas, para todos os amigos que fizemos na região do Cantá, numa época que mais nos arquivou boas lembranças de um tempo passado que não passou. Continuamos nos encontrando e desejando que possamos ainda viver bons momentos de vizinhança, caso a burocracia desbloqueie nosso caminho. Mas já iniciamos parte das atividades, em uma das pequenas áreas, e já liberada pela justiça e atuante. Obrigado, Júlio, pela presença. Pense nisso.

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