Amadurecimento democrático: a sinfonia que precisamos tocar juntos
*Milton Soares de Souza
Não sou músico. O que entendo desse assunto se resume às músicas que ouço diariamente, quando estou dirigindo e nos momentos de lazer. Porém, tenho consciência que devemos dar mais atenção a música, principalmente porque esta arte, em especial a brasileira, é por excelência democrática. Ou seja, significa dizer que há música para todos os gostos e identidades.
Sendo assim, quero propor inicialmente um exercício. Que tal pensarmos a nossa cidade como uma grande partitura musical? Parece absurdo? Então imagine as ruas, avenidas, alamedas da cidade formando uma longa pauta musical. Visualize os prédios, as casas, as igrejas, as fábricas, os shoppings, as favelas e os parques em representação às notas, arranjados neste grande pentagrama, formando uma delirante partitura musical. Cada uma dando os tons e semitons, numa escala frenética que se sucede cotidianamente.
A melodia e o timbre são dados pelos habitantes. O ritmo será ditado pelo abrir e fechar dos semáforos de cada esquina. Ouça a música polifônica do amarelo piscante do semáforo ecoando na madrugada, cantando para a cidade que aparentemente dorme.
Nós moramos numa grande orquestra! E, por mais incrível que pareça, ela reúne um conjunto de sons harmoniosos entre si. A cidade é polifônica. E essa polifonia, resultado da multiplicidade de seus músicos e da diversidade dos timbres culturais, produz diariamente uma linda e triste, movimentada e estática, segura e perigosa sinfonia. E o mais extraordinário: todos nós somos os regentes dessa grande orquestra. Somos os Mestres da Harmonia. E, se isto é verdade, cabe a nós cidadãos o dever de estimular na sociedade uma combinação democrática e agradável de sons que possam comover a alma dos habitantes desta cidade para ações positivas, integrativas, de respeito as diferenças. Salve as diferenças. Sempre democráticas!
A cidade é múltipla, reiterativa e está em constante transformação. “São Paulo é povo em movimento”, lembrando a forte expressão da década de 80 para simbolizar a riqueza da participação comunitária dos movimentos sociais na capital. As iniciativas coletivas e individuais que despontam cotidianamente, visando à melhoria de São Paulo, certamente são exemplos vibrantes de como os moradores desejam reger os tons desta metrópole. E decerto em diversos outros territórios espalhados pelo Brasil.
Então cabe a cada cidadão indiscutivelmente participar da construção de uma sinfonia que possibilite a recuperação e manutenção de lugares de convívio social em nossa sociedade, que estimulem o respeito à diversidade e multiplicidade de culturas aqui presentes. E, sobretudo, trabalhar para que a educação do cidadão e o espírito da democracia participativa floresça e amadureça. Que sejam elas as linhas do pentagrama nas quais estarão grafadas as notas que entoarão o aumento da qualidade de nossas vidas e o respeito ao próximo.
Afinal, todos nós queremos e precisamos participar democraticamente dessa sinfonia, compondo músicas alegres e harmoniosas, simples e fáceis de serem tocadas, cantadas e que tragam não só o deleite para nossas almas, mas uma cultura política que estimule a participação popular visando o amadurecimento de nossa democracia.
*Milton Soares de Souza é cientista social, mestre em comunicação e advogado, autor do livro Democracia no Brasil: falência da representação proporcional e o voto distrital.
Deficientes são as estruturas sociais, jamais as pessoas: as artes desnudam as barreiras enfrentadas por PcDs
André Naves (*)
A sociedade, muitas vezes, considera as pessoas com deficiência como pessoas com limitações, porém, a realidade é que as deficiências estão nas estruturas sociais, e não nas pessoas. As barreiras e contradições sociais que impedem a inclusão e a igualdade de oportunidades são o grande desafio para os PcDs. E essas barreiras podem ser atitudinais, arquitetônicas, de comunicação, entre outras.
Nesse sentido, a arte tem um papel importa
nte em mostrar as contradições e barreiras sociais que as pessoas com deficiência enfrentam. Um exemplo disso é o romance Notre-Dame de Paris, de Victor Hugo, em que o personagem Quasímodo, o corcunda, é percebido amplamente como uma pessoa com deficiência, enquanto a personagem Esmeralda, a bela cigana, não. Isso mostra que a deficiência não é um atributo relativo à pessoa, mas às barreiras estruturais que a sociedade cria.
Da mesma forma, a história da Bela e a Fera é um exemplo de como as barreiras atitudinais podem impedir a inclusão. A Bela, por ser uma jovem mulher que buscava a liberdade nos livros e na educação, também enfrentava barreiras sociais à inclusão. Já a Fera, além da aparência física, também tinha restrições à liberdade, o que a tornava socialmente deficiente nesse aspecto.
Outro exemplo é o personagem Shrek, que enfrentava barreiras à inclusão no Reino, mas era plenamente incluído no Pântano, onde superou as barreiras sociais e encontrou a liberdade. Já Fiona, sua esposa, também enfrentava as barreiras estruturais no Reino por ser uma mulher e princesa, mas no Pântano, superou as barreiras e encontrou sua individualidade.
Por fim, o personagem Dumbo é um exemplo de como a sociedade pode ver a característica de uma pessoa como deficiência, quando na verdade pode ser uma habilidade única. Em Dumbo, as orelhas gigantes do personagem eram vistas como um enorme defeito. Mas a verdade é que ele acabou se tornando a grande estrela do circo, já que podia usar suas orelhas como potencialidade para voar; o que mostra que a deficiência está nas estruturas sociais e não nas pessoas.
Ao revelar essas contradições, a arte pode nos ajudar a mudar nossas atitudes em relação às pessoas com deficiência e trabalhar para criar uma sociedade mais inclusiva e igualitária. Pessoas com deficiência não devem ser vistas como defeituosas, mas sim como pessoas que possuem habilidades únicas e que também podem contribuir significativamente para a sociedade.
*André Naves é Defensor Público Federal, especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social; Mestre em Economia Política.
A educação no patamar mais elevado
Afonso Rodrigues de Oliveira
“Não viva para que sua presença seja notada, mas que sua falta seja sentida”. (Bob Marley)
O importante é que levemos em consideração o fato de que a educação é tudo, na caminhada da construção. Nunca nos esqueçamos de que a convivência com o próximo está ligada à educação de cada um. Já falei pra você, várias vezes, do tempo em que eu era um garotinho e frequentava a escola, no curso primário. Na barra da capa do meu caderno, tina essa mensagem: “A educação é como a plaina: aperfeiçoa a obra, mas não melhora a madeira”. Um detalhe importantíssimo que não devemos ignorar, quando educamos. O que exige do educador a atenção para quem ele está educando. Talvez venha daí a dificuldade em educar, quando confundimos educar com ensinar. Como é que vamos educar se não formos educados?
A educação no Brasil está no fundo do poço. E não sabemos até quando ela permanecerá no lamaçal do descaso. Já tentei trabalhar na Educação, mas não suporto o descaso que ela, a Educação, vem sofrendo há séculos. Já tive desprazer de ouvir, num debate político aqui em Boa Vista, um político de renome dizer: “Eu trago essas garotas do sertão do Ceará, para ensinar essas crianças no interior, porque para ensinar essas crianças do interior a professora basta saber ler e escrever”. A fala foi uma reposta à uma pergunta minha, sobre o assunto. E a pergunta veio porque anos antes eu tentara lecionar numa Escola em frente à minha casa, na então Confiança I, no Cantá.
No meu primeiro dia de aula iniciei a chamada dos alunos. De repente deparei-me com um nome esquisito: “Alrelho”. Preferi não chamar o garoto. Logo depois ele falou:
– Professor… o senhor não chamou meu nome.
– Tudo bem, desculpe-me, e como é seu nome?
– Aurélio.
Aquela professorinha, certamente trazida do sertão do Ceará, não sabia escrever o nome do garoto. Certa vez, eu estava arrumando minha estante e minha netinha querida me ajudava. De repente pedi para ela me passar uns livros:
– Querida, me passe aqueles livros para eu colocar aqui.
Ela veio meio sem graça e falou sem graç
a:
– Vô, eu falo assim porque o senhor fala. Mas minha professora de português me disse que o certo não é para eu colocar, mas para mim colocar.
No meu estilo falei:
– Tudo bem… quando você estiver perto de sua professora, fale para mim fazer. Quando estiver longe dela, fale para eu fazer.
E olha que minha netinha, hoje é uma mulher linda, estudava numa escola particular e renomada. Vamos fazer algo para que a política desperte para a importância da educação para sermos realmente brasileiros respeitados como cidadãos. Pense nisso.
99121-1460