Opinião

Opiniao 15655

A Sagrada Face é Yanomami Wagner Balera

A comovente Via Sacra da Pastoral da Criança, realizada há poucos dias pelas ruas do centro da cidade de São Paulo, nos revela um significativo flash de como terá sido, ao longo do tempo, esse momento único de piedade. Como se sabe, a Via Sacra revela os passos da caminhada que Jesus percorre desde o tribunal de Pilatos até o cume do Monte Calvário, no qual será crucificado e morto.  É o itinerário que demarca uma parte da Sexta-Feira Santa. Como que acompanhando os passos de Jesus vamos recordando os sofrimentos dele e do povo que, ao longo dos séculos, é igualmente crucificado junto com Ele.  São três as quedas que, sob o peso da cruz, Jesus sofre ao longo do caminho. E nós, a cada uma delas, podemos meditar sobre nossas muitas quedas. Quais são os pesos que mais nos oprimem: a carne, os olhos, a soberba. Naturalmente, não são só três as quedas. Tudo é simbólico e provoca, exorta, a reflexão. É o encontro com alguém que, talvez até sem que o deseje, nos ajuda a carregar a nossa cruz, cujo peso somos incapazes de suportar. Quantas vezes nos dispusemos a apoiar alguém no meio de sua caminhada? Pois bem. Aqui vamos nos deter num desses passos, tal como é descrito pela tradição multissecular desse dia. No sexto, passo uma mulher surge, por assim dizer, do nada. Do meio da multidão ela sai correndo, vence a barreira daqueles que o cercam e, com uma toalha, presta um serviço de caridade a Jesus, enxugando a Face conspurcada pelo sangue, pelo suor, pelas lágrimas, pelos escarros e pela poeira das ruas. O que acontece, então? Jesus quer perpetuar o agradecimento a esse gesto de caridade.  Não nos esqueçamos disso. Tudo o que fazemos por amor, até mesmo um copo d´água que damos a alguém recebe a gratidão de Jesus. É a Ele que estamos dando a água… Para assinalar a gratidão, Jesus demarca sua Face na toalha com a qual a mulher acabara de lhe prestar esse gesto tão amoroso.  Reparemos agora no semblante registrado na toalha.  Como nenhum de nós jamais viu a Face de Jesus, em seus verdadeiros contornos, somente com os olhos da fé ela se nos entremostra.  É assim, igualmente, com a toalha.   Cada um de nós assemelhará  na Face de Jesus o rosto daquele que, ao longo da vida, mais achamos parecido com Ele.  E nosso coração terá repetido as palavras com que Santa Teresinha (Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face) se dirigia a Ele: digna-te imprimir em mim tua Divina Semelhança. E  Verônica, como chamam  a essa mulher, mostrou para os demais a Face adorável de Jesus tal como a ela se apresentara.  O rosto que ela vira fora deformado pelo sofrimento, como assinala Isaías. Portanto, não se tratava de algo formoso, de uma pintura como retratada pelos séculos afora pelos artistas plásticos. Não haveria ninguém, no entanto, que não reconhecesse aquela Face. Reverberava dela a expressão de gratidão, de comoção, com que Aquele a quem foi realizado o amoroso gesto de caridade, quer retribuir, deixando impresso, para sempre, no mais íntimo do ser, o favor tão pequeno que lhe fora prestado. Pois bem. O nome Veronica quer dizer ver ônica, isto é, verdadeiro ícone. Trata-se, com efeito, de mera lembrança da toalha. Não há registro, na tradição, do nome civil da mulher que tanto agradou a Jesus. Ela será, sempre que esse momento for recordado até o final dos tempos, uma das pessoas que apoia Jesus. O verdadeiro ícone, como quis retratá-lo a Via Sacra da Pastoral da Criança, é a Face sofrida de Jesus que se expressa no povo Yanomami.  Eu ouvi os clamores do meu povo, por causa dos seus opressores, diz o Livro do Êxodo, e desci a fim de libertá-lo das mãos do opressor, para fazê-lo subir daquela terra a uma terra boa e vasta, terra que mana leite e mel. Eis o que o povo Yanomami e todos os oprimidos, os marginalizados, as crianças, os adolescentes, os que passam fome, os que perambulam pelas ruas sem nem mesmo um lugar para repousarem a cabeça esperam de nós nessa Via, que é, na feliz denominação da Imitação de Cristo, a Estrada Real da Santa Cruz. Na região central da mais pujante cidade do Brasil, distantes e próximas dos Yanomamis, as pessoas em situação de rua pedem o copo d´água que se lhes recusam com frequência diária. Naquela Via Sacra fora instalado imponente caminhão-pipa para saciar a sede do povo de rua. Mas, se você passar por lá hoje – na Praça da Sé – constatará que o caminhão já foi embora… Agora, o clamor do povo chegou até Ele; e, com o clamor, a exigência, tanto do povo Yanomami – que quer, que exige, o direito de fruir em plenitude da terra que lhe pertence desde muito antes da chegada daqueles que “descobriram” a Terra da Santa Cruz – , como das crianças, do povo em situação de rua, e dos excluídos em geral, é para que o gesto simbólico da Verônica se concretize em propostas e programas de verdadeira e própria inclusão social. Que assim se mostre, para nós, a verdadeira Face de Jesus. Wagner Balera Coordenador do Núcleo de Estudos de Doutrina Social, Faculdade de Direito da PUC-SP

Não deixe que
ela leve você

Afonso Rodrigues de Oliveira

“Bendita crise que vai ampliar minha visão”. (Mirna Grzich)

Já percebeu que as crises são uma sequência? Uma chega, cumpre o dever dela e vai embora. Mas não sai enquanto não for substituída. E nessa piroga furada vai levando a gente. Então vamos aprender para não nos deixarmos levar por elas. Qualquer um que tenha minha idade sabe quantas crises já vivemos. Quantas febres amarelas, vermelhas, rosas e sei lá quantas. E todas misturadas com as crises do dia a dia. Pela manhã fiquei pensando em quantas crises já vivemos, desde que comecei a prestar atenção a elas. Na minha infância foi um desespero com a malária, febre-amarela e tantas outras. Quantos parentes e amigos já perdi, levados pelas crises.

Pronto, acabou. Estamos ainda no início do quarto mês do ano vinte e três do século vinte e um. Então vamos viver a vida do século vinte e um. Vamos ser felizes com o que somos, para podermos fazer o melhor, para sermos mais felizes no nosso próximo retorno. Porque independentemente da vida que temos e da que levamos, estamos no grupo do ir e vir. Então, por que ficar se preocupando ou se torturando com os itens da vida? Os problemas estão aí para nos ensinar a vencê-los. Então são nossos mestres e não torturadores. Vamos nos valorizar para não sermos martirizados pelo que deveria ser visto e usado como ensino para a racionalidade.

Não nos esqueçamos de que estamos no século vinte e um, da era cristã. Não prestamos atenção a quantos milênios e eternidades vivemos antes da era cristã. E pelo que podemos notar, não progredimos tanto assim. E por isso não devemos ficar perdendo tempo com coisas e acontecimentos que não nos levam a não ser para o fundo do poço. “A vida é uma peça de teatro que não permite ensaio. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos”. (Charles Chaplin).

É importante que não saiamos do palco. Não permitamos que a cortina se feche sem que tenhamos consciência do que cumprimos. E como vivemos num mundo em evolução, que não consegue evoluir, devemos fazer nossa parte da melhor maneira que pudermos fazer. E sempre podemos ser o melhor, mesmo quando nos consideramos o melhor. O Bobe Marley orienta: “Não viva para que sua presença seja notada, mas para que sua falta seja sentida”. E só sentirão nossa falta quando soubemos viver na presença. Então vamos viver cada minuto do nosso dia, hoje, como ele deve ser vivido dentro do progresso racional. Porque não há progresso sem racionalidade. Recado que deve ser ouvido, dos que souberam e sabem viver a vida. Pense nisso.

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