A concepção de arte em Arthur Danto
João Paulo M. Araujo
Em nossa ingênua noção da arte é comum a resposta de que quem diz o que é arte são as instituições adequadas para esse propósito como museus, curadores, críticos de arte, etc. Em outras palavras, é como se uma instituição autorizada, um alto clero para esses assuntos, fosse a detentora de credenciar ou descredenciar algum objeto concorrente ao status de obra de arte. Por outro lado, existe também a noção de que a arte não é definível de nenhuma maneira, que sua atividade é dotada de uma autonomia própria que não pode ser categorizada.
Quando Arthur Danto publica em 1964 o artigo O Mundo da Arte (The Artworld), ele descreve de uma certa forma esse tipo de comportamento ou atitude na comunidade de críticos e curadores de sua época. Por conseguinte, o artigo de Danto influenciou George Dickie (1974) que desenvolveu aquilo que ele chamou de Teoria Institucional da Arte (Institutional Theory of Art). Para Dickie (1974), no que concerne à arte, não existe nenhuma propriedade essencial numa obra de arte, o que existe é uma comunidade de membros autorizados no mundo da arte para dizer o que é e o que não é arte. Até hoje, tanto essa noção permeia nossa cultura global quanto a noção de que arte não é algo definível. Em suas considerações acerca da arte, Danto procura superar tais visões.
A pergunta “O que é arte?”, é uma pergunta que acompanhou Danto durante toda a sua trajetória em filosofia da arte. Como observa Rachel Oliveira e Debora Pazetto (2020, p. 11) “embora Danto tenha abordado os mais diversos assuntos no campo da Filosofia da Arte, o tema que constitui a espinha dorsal de sua obra é, sem dúvida, a elaboração de uma definição para a arte”. Talvez a resposta que maior reflita seu ideário seja a que ele apresentou em seu último livro de 2013 intitulado What Art Is? Curiosamente, 2013 é o ano em que Danto vem a falecer. São praticamente 50 anos se dedicando a esse tipo de atividade e reflexão. Todo o esforço de Danto visou ultrapassar esse lugar comum que arte não é definível ou que, se definível, seria por uma via relativizada que consiste em tratar a arte como sendo algo cuja a determinação pertenceria a um seleto grupo de pessoas. O irônico é que essa concepção como já mencionamos, foi ocasionado pela publicação do seu artigo já citado – O Mundo da Arte.
Mas o que é uma obra de arte? Qual o seu modo de ser? Danto aponta ao menos dois aspectos ou critérios essenciais para responder essa questão. O primeiro é o significado e o segundo, a corporificação. Tal tese já nos é conhecida desde a publicação de A Transfiguração do Lugar Comum (1981). Para Danto (1981) as obras de arte são expressões simbólicas que por seu turno, incorporam seus significados. Se há uma tarefa da crítica, essa tarefa seria identificar os significados e explicar o modo como tais significados são incorporados à obra de arte em questão. Portanto, como Danto aponta em seu artigo “The Artworld Revisited” (1992, p. 41) “a crítica é apenas o discurso das razões, cuja participação define o mundo da arte da Teoria Institucional da Arte: ver algo como arte é estar pronto para interpretá-lo do que e como significa”. Nessa experiência e imersão na obra de arte, as pessoas (e não apenas os críticos) também são elementos ativos na experimentação da obra de arte. O expectador, portanto, é um critério adicional que interpreta a obra de arte.
Outro ponto digno de nota, é que não devemos tomar Danto como um esteta, mas sim como um filósofo da arte. É comum tomarmos estética e filosofia da arte como sinônimos. Todavia, Danto parte da ideia de que são coisas diferentes. Estética, na visão de Danto (2013) está relacionada a uma questão de deleite, isto é, uma consideração da maneira como as coisas se manifestam em nossos sentidos de um modo muito especial como a apreensão do sentimento do sublime ao nos depararmos com uma grande obra da natureza. Por outro lado, a filosofia da arte consiste numa investigação acerca do que distingue a objeto de arte de outros objetos e coisas no mundo. Como Danto observa (2013, p. 5), “Quando as pessoas veem trabalhos que os intrigam, elas perguntam: “Mas isso é arte?” Neste ponto devo dizer que existe uma diferença entre ser arte e saber se algo é arte”. Trata-se daquilo que em filosofia chamamos de uma distinção entre o que é ontológico e o que é epistemológico. Danto está mais preocupado com a dimensão ontológica do que a dimensão epistemológica da arte. Aqui é cabível a pergunta: o que torna a arte, arte?
Para Danto (2013), a arte não pode ser um conceito aberto, sua visão é que ela precisa ser um conceito fechado. Ser um conceito fechado implica afirmar que deve existir algumas propriedades abrangentes que explicam por que a arte de alguma forma é universal. Ser universal, significa que tal conceito é aplicável a obras de arte que vão do mundo antigo até a atualidade. É isso que Danto tentou fazer, usando exemplos da história da arte e contrastando com exemplo contemporâneos como o “mictório” de Duchamp e a pop art de Warhol. Um conceito fechado de arte deve necessariamente ser aplicado a qualquer período da história da arte.
Seria Danto, neste caso, um metafísico ou essencialista acerca da arte? Para Danto, muitos filósofos tentaram angariar uma definição para arte a partir de algo meramente contingente. O exemplo mais notório que Danto critica desde seu artigo O Mundo da Arte (1964) é a visão platônica da arte como imitação (mimeis). Ao observar as esculturas que adornavam os espaços púbicos dos gregos antigos, Platão encontrou um forte elemento para definir a arte como imitação. Claro, é preciso olhar para o sistema filosófico de Platão como um todo, e dado o modo como ele explicava a distinção entre o sensível e o inteligível, não restava para arte ser outra coisa senão imitação do mundo sensível que, por sua vez, imitava o mundo inteligível. Apesar das razões metafísicas de Platão, ainda assim, segundo Danto, Platão estaria se apegando a um elemento contingente na definição de arte. Outro exemplo na história, é a associação de que uma obra de arte para ser considerada como tal precisa necessariamente ser bela. Em seu livro, O Abuso da Beleza (2003), Danto mostrou que a beleza não é uma propriedade essencial na obra de arte, o século XX inteiro serviria de contrafacutal para destronar essa associação que também permeia parte de nosso imaginário acerca da obra de arte.
É na tentativa de evitar tais contingências em torno de uma definição de arte que Danto avança em sua definiçã
o, que como já vimos, através da noção de significado e corporificação, as obras de arte são significados incorporados (embodied meanings). Tais significados incorporados provocam nos espectadores uma postura hermenêutica que objetiva apreender o significado pretendido que a obra de arte incorpora. Resta saber em que medida essa concepção de Danto com pretensões universais não seria ela mesma, mais uma forma contingente e histórica de olhar para a arte, mas isso, talvez, será objeto de uma outra reflexão.
João Paulo M. Araujo
Professor do curso de filosofia na UERR
Economia da cultura, cinema e turismo:
O norte amazônico de fronteira visto nas telas
Éder Santos
O ex-ministro da Cultura, sociólogo Juca Ferreira, em recente artigo publicado no LeMonde Diplomatique intitulado “Economia da Cultura: grandeza e complexidade”, traz números importantes sobre a economia da cultura e as indústrias criativas. Estas contribuem com 3,11% do PIB, ficando à frente da indústria automotiva (2,50%) e um pouco atrás da indústria de construção (4,06%). Na crítica à banalidade do uso das expressões ‘Economia Criativa e Indústria Criativa’, Ferreira, que foi ministro da Cultura em dois governos (a primeira vez em 2008 e depois, em 2014) afirma que estas expressões (provenientes do inglês) foram popularizadas no Brasil sem compromisso com os conceitos e significados originais. Por isso, ele evita entrar no debate sobre ‘economia criativa da cultura’ e opta por dissertar sobre a ‘Economia da Cultura’. A expressão não é escolhida à toa.
Diz o ex-ministro que “O conceito de economia da cultura, ao mesmo tempo que engloba o conjunto mais restrito de atividades das chamadas indústrias criativas e a economia que lhe é associada, incorpora, também, estas muitas outras ‘áreas’ da dimensão simbólica deixadas de lado ou ignoradas na formulação conceitual da indústria e economia criativas”. (…) “Boa parte da economia da cultura, como se apresenta hoje no Brasil e em muitos dos países latino-americanos, não pode ser considerada atividade industrial e não estão submetidas ao regramento da propriedade intelectual ou autoral; algumas porque ainda não assumiram as características de indústria e outras porque nunca assumirão, apesar de gerarem ocupação, emprego e renda”. Portanto, a fusão de valores econômicos e valores culturais, para ele, exigem análise para evitar superficialidades aproximadas ao consumo banal.
A brilhante explanação representa a acuidade de uma visão de mundo que entende a economia da cultura como um fenômeno que, por um lado: se afirma como uma das mais promissoras fontes geradoras de riqueza no século XXI. Por outro, entende que tal fenômeno não está limitado a uma simples compreensão economicista, pois prevê o desenvolvimento humano. Nesse sentido, a contribuição simbólica e cidadã da cultura precisa estar na agenda de quem pensa a cultura enquanto política pública. Como diz o sociólogo, tal preocupação deve estar presente: “desde a formulação das políticas públicas e em todo o sistema cultural até nos mecanismos regulatórios que normatizam essa economia”.
A Amazônia do extremo norte brasileiro tem belezas singulares. A visão economicista tem reduzido suas riquezas a uma compreensão simplória de metabolização da floresta em mercadoria. Entretanto, com as possibilidades tecnológicas da vida moderna, outra imagem da fronteira norte amazônica tem chegado há dezenas de países com maior velocidade nos últimos anos. Uma imagem de afirmação positiva sociocultural e ambiental feita por meio das câmeras. O principal canal é o audiovisual. Dessa forma, o mundo tem percebido a potência cinematográfica que está em Roraima e, por isso, cineastas tem sido premiados e selecionados para mostras e festivais no Brasil e no exterior. A Amazônia, sob o estereótipo de pulmão do mundo, é semioticamente convertida em um Melting Pot, um caldeirão cultural.
Nesse contexto, o fenômeno da economia da cultura é sentido na base do processo fílmico até sua catarse na exibição da obra para além das fronteiras geográficas. O cinema exige recursos técnicos e humanos em muitas escalas, gera emprego, renda direta e indireta, constitui-se em uma arte que envolve uma plêiade de profissionais, indo além. Traz elementos subjetivos em suas múltiplas narrativas, como a memória, as paisagens, o passado, o futuro, as músicas, efeitos sonoros, projetando emoções que são contextualizadas para um fenômeno temporal que se dá na exibição: o tempo presente. É por elementos como: narrativa fílmica, identificação com os personagens, proposta de clímax, os pontos de virada, som e cores, que o espectador pode se conectar consigo mesmo, com seus dramas, medos, traumas, descobrir-se, mudar de opinião ou sonhar. No campo simbólico, o cinema permite um salto de qualidade central para o debate da cultura.
No campo econômico, um segmento que pode melhorar suas atividades, lançando mão da potência do audiovisual é, sem dúvida, o turismo. No caso de Roraima, modalidades como por exemplo: turismo cultural, etnoturismo, ecoturismo, geoturismo, turismo de aventura, turismo de pesca e de observação de pássaros, encontram no audiovisual seu maior aliado. A reflexão de Juca Ferreira sobre a economia da cultura aplica-se neste particular. É pela riqueza dos símbolos amazônicos e a afirmação do pertencimento local que o cinema pode ser uma vitrine importante para o desenvolvimento econômico regional.
O turismo de base comunitária, incentivado pelo estado, é tão central no desenvolvimento das comunidades autóctones, quanto a afirmação positiva da imagem promovida pelo cinema etnográfico. Este cinema e seus diversos outros gêneros tem brilhado em festivais e mostras internacionais, assim como na TV aberta, como por exemplo, o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, a Mostra Internacional do Cinema Negro de São Paulo e o Canal Futura, alguns dos vários espaços de exibição que têm selecionado obras fílmicas de realizadores roraimenses.
A lista de estados brasileiros e países que buscam conhecer o que é produzido no campo do cinema em Roraima é extensa. São premiações e seleções provenientes do esforço pessoal dos realizadores e realizadoras que poderiam abrir mais portas para a economia da cultura no estado. Como aponta o ex-ministro, “essa economia, tem que estabelecer, desde o seu planejamento, uma articulação e uma relação equilibrada entre o valor de troca dos bens culturais (e os demais aspectos econômicos), com o valor de uso, ou seja, com a ‘razão de ser’ – a finalidade da arte e da cultura e suas funções e significados mais profundos na vida dos seres humanos, evitando desnecessários impactos negativos e, até mesmo devastadores, sobre a dimensão simbólica da sociedade”.
Éder Santos é cineasta, jornalista, sociólogo, doutorando em Geografia Humana pela UNIR, presidente da Associação Roraimense de Cinema e Produção Audiovisual Independente, pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Modos de Vidas e Culturas Amazônicas (GEP Cultura/UNIR) e da Mostra Internacional do Cinema Negro (SP). E-mail: [email protected].
A Terra dos meus sonhos
Afonso Rodrigues de Oliveira
“Tudo que ganhei aqui investi em Roraima, que é um dos melhores Estados para se viver e trabalhar. Acredito que ele tem um futuro ainda glorioso que ainda está nascendo e que ainda vai ser uma grande fronteira agrícola. Terra que aprendi a amar desde que cheguei por aqui”. (Vitor Perin)
Não há como ignorar a importância do Perin, como um dos maiores exemplos a seguir, para o crescimento de Roraima. Perin sempre foi, para mim, desde que o conheci, um grande exemplo para o progresso. Conhecemo-nos em 1984, quando nos vimos pela primeira vez, e ele me deu o orgulho por conhecê-lo. Ontem, mexendo no meu baú, encontrei esse texto do Perin. Já falei disso por aqui. Nosso encontro foi um dos maiores exemplos que venho falando, sobre a importância do conhecimento de relações humanas, no trabalho.
Perin ainda batalhava no início de suas atividades no comércio de Boa Vista. O exemplo que ele me deu sobre o que eu tanto prego, encantou-me. E como já falei disso aqui pelo jornal, vou deixar para depois. Mas prometo que ainda falarei sobre como se deve agir, quando se pretende alcançar o sucesso desejado. Atualmente tenho pouquíssimos contatos com o Perin, mas venho observando sempre o quanto ele continua mostrando-nos como se deve atuar no desenvolvimento profissional. Suas atitudes sempre me orgulham.
Nunca, enquanto eu viver, esquecerei da atitude do Perin no atendimento que ele me deu, no dia em que o procurei, sem o conhecer, para me ajudar, numa exposição de artesanato, no Centro de Artesanato de Boa Vista. Ele ainda atuava na sua primeira loja, “Rei dos Colchões”. E foi ali que nos vimos e nos encontramos pela primeira vez. Sua atitude no atendimento deixou-me mais do que feliz, já porque ele me deu o maior exemplo de como eu deveria continuar com minhas instruções sobre as realizações de Relações Humanas e Controle de Qualidade, no trabalho e na família.
Recentemente, caminhando pelas ruas da cidade, passei por várias lojas do Perin. Senti-me feliz por ter acompanhado, em observação, seu desenvolvimento e crescimento na área que ele escolheu para mostrar ao mundo o seu valor como um sonhador que soube escolher a vereda certa. Exemplos que devemos observar e acolher, na medida certa, para o desenvolvimento profissional.
Temos outros bons exemplos de competência para o desenvolvimento, em Roraima, mas não posso deixar de manter o Vitor Perin no patamar superior do exemplo para o progresso. Parabéns, Perin. Continuo e continuarei seu admirador, pelo seu exemplo de batalhador e vencedor. Um abração do tamanho do mundo, e continue sendo você. Pense nisso.
99121-1460
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