Opinião

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A experiência de pensamento de Galileu

João Paulo M. Araujo

Professor no curso de filosofia da UERR

Ao contrário do que nos é ensinado, Galileu não refutou a física de Aristóteles com um experimento observacional, portanto, empírico; mas sim, com uma experiência de pensamento. A intuição aristotélica era a de que objetos pesados caem mais rápido do que objetos mais leves. De acordo com Aristóteles, os objetos se movem apenas quando empurrados ou puxados por outra coisa, então os objetos em movimento devem parar rapidamente quando deixados sozinhos. No entanto, Galileu descobriu que a razão pela qual os objetos geralmente param é porque a força de atrito diminui seu movimento. Sem atrito, ele inferiu corretamente, um objeto em movimento permanecerá em movimento para sempre. Tempos depois, Isaac Newton formalizou esse fato em sua primeira lei do movimento, Galileu foi um dos gigantes que Newton se apoiou.

Em sua experiência de pensamento, Galileu mostrou que todos os corpos caem na mesma velocidade não importando o seu peso. Em condições normais de observação é óbvio que uma pluma, por exemplo, cairia mais lentamente do que uma bola de boliche, isso tudo, basicamente devido à resistência imposta pelo ar. No entanto, colocando de lado essas questões, Galileu argumentou que todos os objetos em queda, não importa quão pesado ou leve, caem no chão exatamente ao mesmo tempo. Mas como isso é possível?

Assim como a história da maçã que permeia o nosso imaginário acerca de como Newton descobriu a gravidade, o mesmo ocorre com Galileu na torre de Pisa. A lenda diz que Galileu provou que Aristóteles estava errado a partir de um experimento que ele realizou na torre que, por sua vez, seria contraditório, pois, haveria resistência do ar e consequentemente, Galileu não poderia provar seu ponto de vista. Como observa Philip Goff (2019), uma dramática confirmação experimental da visão de Galileu ocorreu durante a missão lunar da Apollo 15 em 1971. Na ocasião, o comandante soltou uma pena e um martelo na superfície da lua, que por seu turno, na ausência de resistência do ar, atingiram o solo ao mesmo tempo. Todavia, esse experimento não foi a prova cabal de que galileu estava certo, mas apenas uma contraparte empírica de sua intuição original. Em outras palavras, tal experimento (assim como o famoso experimento da câmara de vácuo na qual uma pena e uma bola de boliche caem ao mesmo tempo), foi desnecessário, pois, Galileu já tinha demonstrado e ineficácia da física aristotélica realizando apenas uma experiência de pensamento.

O raciocínio de Galileu consistia em imaginar uma situação na qual estivessem presos em uma corrente um elefante e uma bola de boliche em queda livre (exemplo dado por Philip Goff 2019). Toda a astúcia de Galileu consistiu em notar que (e isso sem recorrer a nenhuma experiência empírica) essa questão aristotélica incorreria em duas respostas contraditórias. Qual é a premissa Aristotélica? Como vimos a ideia básica é que “dado dois corpos em queda livre, o corpo mais pesado atingirá o solo primeiro”. A partir de então, Galileu percebeu que, supondo que estes dois corpos estivessem presos um ao outro através de uma corrente o resultado seria: 1. O elefante preso à bola de boliche cairia mais lento; ou 2. O elefante preso à bola de boliche o faria cair mais rápido. Pelas próprias regras do raciocínio, a única maneira de resolver a contradição seria supor que todos os objetos, não importa qual o peso, cairiam com a mesma velocidade.

Dito de outra forma, se os corpos pesados caem mais rápido do que os corpos leves então P > L. Mas se levarmos em conta um elefante (E) e uma bola de boliche (B), como no exemplo acima, e nós unimos (E) e (B) como um objeto composto atado por uma corrente, teríamos (E+B). Assim, o objeto composto (E+B) deveria cair mais rápido que o elefante (E) sozinho, pois, a parte leve atuará como um peso extra sobre a parte pesada. Em contrapartida, o objeto composto (E+B) deveria cair mais lentamente, pois, a parte leve (B) atuaria como um arrasto sobre a parte pesada (E). Novamente incorremos numa contradição; no primeiro caso temos (E+B) > (E) e (E) > (E+B). Assim, a premissa de que corpos pesados caem mais rápido do que corpos mais leves não se sustenta, restando apenas a ideia de que todos caem ao mesmo tempo, ou seja: (R = B = R+B).  

Não precisamos de muito conhecimento de regras de inferência para captar a intuição de Galileu. Nós sabemos que isso é verdadeiro, assim como Galileu o sabia e isso usando apenas a razão. A filosofia ainda pode nos ensinar muito acerca de como raciocinar ao mesmo tempo que pode contribuir para o nosso conhecimento da natureza. Através do uso de um método filosófico, Galileu refutou um aspecto crucial da física de Aristóteles. A grande ironia, como bem observou Goff (2019), é que sem usar “ciência”, Galileu transformou nosso entendimento físico do mundo.  

Política, cinema e arte em Roraima:

o protagonismo dos movimentos culturais

Éder Santos

A Associação Roraimense e Cinema e Produção Audiovisual Independente (Arcine), criada em 2004, ainda com o nome de Associação de Documentaristas e Curta Metragistas (ABD&C Curta Roraima) é uma das entidades de classe que tem estimulado o debate sobre a importância da cultura para a construção da imagem de afirmação positiva da região amazônica e da fronteira norte do país.

Nos últimos anos, os realizadores e realizadoras de audiovisual em Roraima têm produzido obras de alta qualidade estética e de conteúdo. Foi no ano de criação da Associação, que o Governo Federal, atendendo ao pedido das entidades do audiovisual, começou a pensar na regionalização de políticas culturais brasileiras para a produção audiovisual. Nota-se iniciativas nacionais de fomento e organização do cinema, como: DocTV, DocTV Íbero-américa, Revelando Brasis, Documenta Brasil, Banco de Documentários da América Latina e Programadora Brasil. Os estado e municípios com menos potencial de produção iniciaram com segurança a elaboração de obras autorais. Roraima começou a brilhar nas telas contando com orçamentos, equipes maiores, melhores equipamentos e exibição em TVs abertas. Mesmo sem outros e
stímulos locais, os amantes da sétima arte continuaram a produzir e a articularem-se no campo técnico e político.

Por outro lado, Roraima ainda não encontrou um rumo próprio para estruturar uma política cultural que atenda com seriedade os segmentos. A luta do cinema local é uma luta de todos os movimentos culturais que tem buscado, aos seus modos, construir processos de sobrevivência e projeção da arte. As pressões sobre o poder executivo para a efetivação de uma política cultural aumentam, na medida em que cresce a consciência de classe do trabalhador da cultura e rompem-se os tradicionais apadrinhamentos políticos.

Para o cinema, que é um dos pilares da indústria artística nacional, há muito o que se comemorar graças as leis emergenciais federais que marcam uma espécie de primavera da cultura. A Lei Emergencial Aldir Blanc, de 2020, propiciou a produção de 56 obras fílmicas, premiando belos projetos e reconhecendo o esforço dos fazedores e fazedoras de cultura. Entretanto, estes filmes necessitam de uma política local de circulação e distribuição, por meio de mostras e festivais ou convênios junto a emissoras públicas ou educativas, iniciativa que deveria ser promovida pelos entes do poder executivo locais que detêm os direitos autorais de nossas obras.

Esta tarefa, possivelmente, e mais uma vez, ficará com o Governo Federal, que tem dado exemplo de compromisso com a cultura e com a cidadania. Basta reconhecermos a importância da retomada do Ministério da Cultura em 2023, assim como a preocupação de nomear artistas altamente capacitados, como é o caso de Roraima, para dirigir órgãos como o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.     

Letargia de um lado, capacidade de diálogo e boas iniciativas de outro. Em 2022, a Assembleia Legislativa de Roraima atendeu um pedido da Associação de Cinema para criar o dia do cinema roraimense e o prêmio audiovisual de Roraima. Cineastas e cinéfilos tem uma data para ser chamada de sua: 5 de novembro. Muito mais que um dia de celebração, a conquista faz parte de um processo de mobilização e enfrentamento à ausência de políticas públicas contínuas para a cultura. As obras produzidas em Roraima com recursos federais somente têm circulado por iniciativa e custos dos próprios realizadores. Esse esforço tem sido recompensado com as seleções e premiações em mostras e festivais pelo Brasil e o mundo.  

O trabalho de mobilização e organização do cenário audiovisual no Estado é parte integrante de um contexto maior, que envolve o trabalho de centenas de artistas, notadamente, percebido por meio de iniciativas populares, como o Comitê Pró-Cultura Roraima, que agrega mais de 90 entidades culturais de Roraima com interlocução em rede no cenário nacional. A retomada do Ministério da Cultura enche de esperança artistas e trabalhadores (as) da cultura que tiveram profundos prejuízos econômicos e sociais nos últimos quatro anos, uma vez que produtoras de cinema demitiram funcionários, venderam equipamentos, cancelaram-se shows, espetáculos e exibições pela tragédia que foi a pandemia do Covid-19, somada a falta de políticas federais e estaduais.  

Ainda assim, o segmento audiovisual em Roraima resiste vem crescendo de forma acelerada. Ganha seguidores e admiradores. O segmento tem-se dedicado a identificar as demandas locais, como por exemplo, a formação em cinema, fomento à produção, exibição e circulação de filmes produzidos por pessoas que moram no Estado. Cineastas, estudantes universitários e do ensino médio, publicitários, jornalistas, realizadores venezuelanos com formação em cinema que hoje moram em Boa Vista, além de profissionais de diversos ramos da comunicação, vêm produzindo obras diversificadas, revelando o Brasil amazônico-caribenho.

O mapeamento realizado pela Associação Roraimense de Cinema da produção cinematográfica em Roraima, por meio de pesquisas on line, plenárias e workshops tem contribuído diretamente com o planejamento de futuras políticas estaduais e com as futuras oitivas, que deverão ser promovidas para a construção de editais das novas leis federais: a Lei complementar Paulo Gustavo e Aldir Blanc. Por meio destas pesquisas, das plenárias e da busca ativa, o segmento audiovisual mantém a memória das produções, identifica gêneros, linguagens adotadas e o conteúdo trabalhado nos filmes locais. Os interesses de produção dos realizadores (as) de cinema também são identificados. Quando o poder público atender à demanda pelo estímulo à produção, pesquisa, formação e circulação do cinema, todos ganham: Estado, municípios, o sistema de ensino, o turismo, realizadores, cultura regional e o público que assiste.

 

Éder Santos é cineasta, jornalista, sociólogo, doutorando em Geografia Humana pela UNIR, presidente da Associação Roraimense de Cinema e Produção Audiovisual Independente, pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Modos de Vidas e Culturas Amazônicas (GEPCultura/UNIR) e da Mostra Internacional do Cinema Negro (SP). E-mail: [email protected].

Tô aqui, ohhh!!

Afonso Rodrigues de Oliveira

“A vida não tem mais do que duas portas: uma de entrada, pelo nascimento; outra de saída pela morte”. (Rui Barbosa)

A hora, não sei, nem me interessa; o dia da semana, também não; mas o dia do mês, eu sei. Foi no dia 30; o mês, também sei, foi abril; e o ano não tenho como esquecer, foi 1934. Foi nesse dia, mês e ano, que ele nasceu, num Município de Natal, no Rio Grande do Norte. Foi, eu acho, o terceiro filho de dona Vitalina. Dizem que foi uma festança, o que não era natural naquela época. Mas o importante é que ele nasceu, criou-se e viveu intensamente. Dizem seus irmãos, que ele sempre foi uma criança buliçosa. Dona Vitalina sempre chamava a atenção do seu Joaquim, dizendo que o garotinho era comunista, e isso porque ele sempre brigava com os irmãos. Esse pensamento, naquela época, era normal.

O cara cresceu, fisicamente mui
to pouco, claro, mas vivendo a vida de uma maneira muito estranha para os irmãos, pais e parentes. E essa diferença estava exatamente no estilo de vida do garotão, fisicamente pequenininho. Ele sempre se sentiu e se mostrou muito independente, o que na época era visto como estranho. E como estávamos ciscando para entrar na segunda Guerra Mundial, os pais do garoto ficavam o tempo todo de olho no carinha. Ainda não tinham entendido que ele, o carinha, era apenas um garoto observador e curioso com a vida.

O tempo passou, e como passou. O pai do garoto também era bem diferente dos pais dos outros garotos amigos do garotinho. O que para o garotinho foi muito importante. Porque enquanto os outros achavam que o garotinho era diferente, o pai dava todo o apoio de que ele necessitava para caminhar. E caminhando pelos brasis do Brasil, o garotinho, já bem adulto e pai de seis garotinhos, chegou a Roraima. E é claro, já trazia uma vida amadurecida, e convicto de suas vontades. E a vontade era viver a vida como ela deveria ser vivida. Fez o seu papel, criou amizades importantíssimas, e as vive com muito amor.

Ontem, caminhando pelas ruas de Boa Vista, encontrei-me com o garotão, agora bem madurão e tão sorridente quanto na infância. Ele me acompanhou em toda a manhã, revivendo momentos do passado, vendo e admirando as diferenças das ruas de quando ele chegou por aqui. Depois da caminhada votei para casa. E foi aí que a coisa mais importante aconteceu. Entrei no banheiro e quando olhei no espelho, lá estava ele olhando pra mim, e sorrindo. Arregalei os olhos e perguntei: o que você tá fazendo aí, cara? Ele sorriu e respondeu: é teu aniversário, cara. Parabéns! Nem olhei para o espelho, pra não ver sua saída, e fiquei na minha. Pense nisso.

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