Opinião

Opiniao 21 12 2018 7422

A intervenção em Roraima e suas implicações

Flamarion Portela*

No ano em que nossa Constituição Cidadã completa 30 anos, o Governo Federal aplica pela primeira vez o seu art. 34, com a intervenção geral no estado de Roraima.

Justificada sobretudo pela situação financeira e da crise no sistema prisional por qual o Estado passa, a intervenção chega num momento em que os servidores públicos estaduais se encontram com salários atrasados, em alguns casos por até quatro meses.

Ainda há de se considerar também a crise migratória que já trouxe para Roraima, desde 2015, cerca de 150 mil venezuelanos que fogem da pior crise econômica e política em seu país. Apesar de a maioria deles seguirem para outros estados ou até países sul-americanos, o contingente ainda representa cerca de 10% da população do Estado, que se utilizam dos serviços públicos, agravando ainda mais a situação financeira do já combalido estado de Roraima.

Pois bem. A intervenção federal, apesar de não resolver totalmente a situação em que vivemos, representa uma luz no fim do túnel para o pagamento dos servidores, que foram os mais penalizados com toda essa situação de penúria, com muita gente passando necessidade, sem poder comprar itens básicos como alimentação, e sem poder pagar sequer as despesas mensais como água e luz.

Os recursos também deverão quitar os repasses do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) devido aos municípios, o que também tem prejudicado a administração dessas cidades e seus cidadãos, já que esses recursos representam grande parte da arrecadação e da saúde financeira desses entes.

Mas, a intervenção federal exige contrapartidas por parte do Estado. O governador eleito e interventor federal, Antonio Denarium (PSL), deverá apresentar ao Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União um plano programático de revisão de gastos, onde deverão constar medidas de redução de despesas, como a revisão de contratos firmados pela administração pública junto a fornecedores de bens e de serviços; a redução do quantitativo de cargos em comissão; e a conclusão de programas governamentais não considerados de interesse público relevante.

Como primeira medida, apesar de ter suscitado uma grande polêmica, a intervenção federal determinou uma inspeção em todas as secretarias e órgãos da administração pública, para confirmar a presença dos servidores. Para que isso se o interventor já nomeou seus secretários e dirigentes? 

A intervenção geral segue até o dia 31 de dezembro, mas a gestão administrativa do Sistema Prisional e Socioeducativo foi prorrogada até o dia 28 de fevereiro de 2019, conforme reportagem publicada na Folha Web.

Vivemos num país com democracia plena e necessitamos de dirigentes que sejam ungidos pelas urnas e que tenham como norte a Constituição.

*Ex-governador de Roraima

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O país dos medos imaginários

Vinicius Lummertz*

João tem 15 anos. Os pais trabalham num resort recém-inaugurado. A mãe na recepção, e o pai é garçom. João tem uma vida simples, estuda e ajuda a família nos afazeres do lar. Ele ainda não sabe, mas o sonho de ter a sua própria pousada vai se realizar com muito esforço quando ele tiver 40 anos, o que permitirá criar seus filhos com mais perspectivas que as suas próprias. José, 16 anos, é filho de pais desempregados. As brigas em casa são frequentes. Sem perspectivas, ele foi aliciado pelo tráfico. A família será dilacerada de uma vez por todas quando José for assassinado, antes de fazer 21 anos, numa disputa por território entre quadrilhas rivais. Deixará um filho sem nenhuma perspectiva.

O desenvolvimento é uma questão moral com desdobramentos inimagináveis. Ao negarem-se oportunidades às gerações atuais, prejudica-se também as futuras. No Brasil, lutamos contra moinhos de vento, perdemos tempo com medos imaginários e contraproducentes, enquanto a nossa juventude é devastada por perigos reais. Burocracia, insegurança jurídica, leis arcaicas e ambiente de negócios pouco amigável ao investidor deveriam ser encarados como crime hediondo num país considerado o número um do mundo em atrativos naturais e com mais de 12 milhões de desempregados.

O Brasil precisa exorcizar fantasmas que não param de pé diante do exemplo internacional. Nessa categoria está a falsa dicotomia entre a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento. Enquanto países como Estados Unidos, Nova Zelândia e África do Sul usam a visitação em parques nacionais para gerar emprego e renda, o Brasil mantém mais de 250 unidades de conservação fechadas ao público, mesmo crescendo em 20%, no último ano, o número de visitantes nas pouco mais de 50 que estão abertas.

No contexto dos medos imaginários, encaixa-se também a legalização de cassinos integrados em resorts. Do grupo dos 20 países mais ricos do mundo, 93% têm os jogos legalizados. Fechamos as portas para um negócio bilionário que funciona praticamente no mundo todo, mas deixamos a pirataria se alastrar e os nossos turistas gerarem empregos e movimentarem a economia do exterior.

Ainda não aprovamos os cassinos integrados a resorts, não permitimos que o maior grupo deste segmento invista mais de R$ 10 bilhões no país, mas não nos incomodamos com o jogo do bicho às claras em diversas esquinas do país. Estimativas indicam que os jogos ilegais movimentam quase R$ 20 bilhões na economia nacional.

A história do Brasil é de autossabotagem. Um país que tem quase 100 milhões de passageiros de avião, mas apenas quatro companhias aéreas concentram 99% do mercado. A título de comparação, os vizinhos Colômbia e Argentina, com menos de 50 milhões de passageiros, têm o dobro de empresas aéreas. Mesmo diante do quadro acima, a abertura das companhias ao capital estrangeiro, autorizada por Medida Provisória, ainda depende de votação no Congresso Nacional.

Ao nos fecharmos para o mundo, não percebemos que todos os nossos medos imaginários já foram testados e derrubados no contexto global. Os cruzeiros marítimos servem de exemplo. O Brasil, que já chegou a ter 20 navios no litoral na temporada de 2010/2011, hoje tem apenas sete. Burocracia, falta de infraestrutura e elevado custo operacional explicam a retração de mais de 50% do segmento no país, enquanto no mundo ele cresceu 40%.

O turismo é o setor ideal para exorcizar fantasmas imaginários – medo de visitantes em parques, medo de barcos em marinas, medo de turistas em cidades históricas não fazem sentido. Temos condições de gerar dois milhões de empregos no setor de viagens nos próximos quatro anos, se mudarmos a mentalidade. Enquanto não virarmos a chave, infelizmente seremos o país dos Josés. Não por acaso, em pesquisa recente do Datafolha, 62% dos entrevistados de 16 a 24 anos afirmaram que deixariam o Brasil se pudessem. Saberemos que o Brasil mudou quando os jovens brasileiros quiserem ficar no país e outros do mundo quiserem vir para cá.

*Ministro do Turismo e ex-presidente da Embra
tur

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A capacidade de resistir

Oscar D’Ambrosio*

As ditaduras militares trazem consigo a opressão dos corpos e das mentes. Foi assim em países latino-americanos como Brasil e Argentina. O filme ‘Uma Noite de 12 Anos’, de Alvaro Brechner, enfoca o caso do Uruguai e toma três integrantes do movimento terrorista Tupamaro como eixo central.

O mais famoso deles é José Mujica, que se tornaria presidente, mas os também vítimas da opressão Mauricio Rosencof e Eleuterio Huidobro têm suas trajetórias enfocadas com o mesmo relevo num filme em que o psicológico é muito mais importante que o histórico.

O mérito da direção está justamente em não se ater a biografias, mas a estados de alma. Os detentos, em sua trajetória de prisão de mais de uma década, convivem com humilhações que incluem não poder ir ao banheiro no momento em que precisam, não poder falar em hipótese alguma e não ter o que ler ou papel e caneta para escrever.

Cada um reage à sua maneira. O risco de enlouquecer é muito grande, assim como o de desistir de tudo, caindo em depressão profunda que pode levar ao desejo de dar fim à própria vida. Nesse sentido, a mãe de Mujica desempenha um importante papel no sentido de despertar no filho, nas raras visitas permitidas, a necessidade de resistir sempre. O filme mostra assim como a prisão psicológica é mais dura do que a do corpo. Não deixe de ver para ampliar essa complexa e sempre atual discussão!

*Jornalista pela USP, mestre em Artes Visuais pela Unesp, graduado em Letras (Português e Inglês) e doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Gerente de Comunicação e Marketing da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo

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Na gangorra da vida

Afonso Rodrigues de Oliveira*

“Para que levar a vida tão a sério, se a vida é uma alucinante aventura da qual jamais sairemos vivos.” (Bob Marley)

Não levar a vida a sério não quer dizer que você deva sair por aí dando uma de maluco. Faça isso e alguém vai chamar você de caduco. E já que falei de caduquice, permita-me fazer um parêntese: recentemente ouvi, numa conversa sobre a Cultura Racional, alguém dizer que “a ciência é um caduco surdo”. Mas foi só um escorrego na lembrança. Então vamos deixar os caducos de lado e vamos falar de nós mesmos. Nos cursos de Relações Humanas e Controle de Qualidade, aprendemos a levar as brincadeiras a sério. Uma piada pode muito bem ser divertida, tanto quanto odiosa. Vai depender de quem a conta. O mesmo é válido para os elogios. Um mesmo elogio tanto pode ser agradável quanto vulgar e desrespeitoso.

Você gosta de brincar com as pessoas, mesmo as desconhecidas? Então tome cuidado. As Relações Humanas nos ensinam a nunca deixarmos de elogiar alguma coisa numa pessoa. Isso faz bem, tanto a quem elogia, quanto à pessoa elogiada. Mas cuidado com seu falar, no elogio. Uma coisa é você chegar ao caixa do supermercado, e mesmo sem conhecer a garota do caixa, falar pra ela: “Muito bonito seu brinco. Parabéns, ele se combina com você.” E só isso. Não fale mais nada, mesmo quando ela agradecer pelo elogio. Apenas sorria e se despeça. Outra coisa é você chegar e falar: “Iiiiih… lindão, seu briiinco! Foi presente do namoradão?” Aí, cara. Se você conseguisse ouvir o pensamento da garota, iria ouvir: Boboca…

Certo dia eu estava em São Paulo e tive que ir a um posto de saúde, pegar uma receita simples. Fui ao Centro de saúde Sé, que fica ali na Sé. A médica que me atendeu era praticamente uma garota. Jovem, simpática e atenciosa. Quando terminando de preencher minha ficha, ela perguntou:

– Tem alguma alergia, seu Afonso?

Sem demora, respondi:

– Tenho uma só e que me tortura muito.

Com jeito de assustada, ela franziu a testa e perguntou:

– Qual é, seu Afonso?

– A pobreza!

A médica deu uma risada que chamou a atenção da auxiliar que estava no corredor, e falou, ainda rindo:

– Eu também, seu Afonso. Eu também tenho.

– Eu sei. Quem é que não tem?

Recebi a receita, cumprimentamo-nos alegremente e saí feliz. E com a certeza de que aquela médica ficou feliz por aqueles minutos de alegria. E não estou me ufanando nem querendo ser o instrutor. Apenas dizendo que aprendi a me relacionar, no lar onde fui criado, e devo tudo a minha mãe. O aperfeiçoamento no relacionamento com as pessoas é fruto da Universidade do Asfalto. Faça isso e você será feliz. Pense nisso.

*Articulista

[email protected]

99121-1460