A África dentro de todos nós
Oscar D’Ambrosio*
Todos nós temos uma ancestralidade africana no sentido de uma ancestral paixão humana pela narrativa de histórias em que o aparente fantástico e o considerado real se diluem. Uma forma de vivenciar isso em termos cinematográficos é o filme de Gana “O enterro de Kojo”, uma mescla de fábula com crua miséria existencial.
O diretor Blitz Bazawule, também artista visual e cantor de hip-hop, conta, de uma maneira muito peculiar, a história de dois irmãos que amam a mesma mulher. Existe um primeiro nível da narrativa que é o da história propriamente dita, que começa com a morte da moça em um acidente de carro e culmina com a morte do pai da narradora em uma mina de ouro.
Em paralelo, existe a analogia entre o corvo negro malvado (aquele que se casou com a amada e nutre o desejo de vingança contra o irmão que causou sem querer a morte dela num acidente de carro) e o pássaro branco sagrado (Kojo, morto pelo irmão, que representa o homem de bons sentimentos que sucumbe às pressões do irmão e da miséria financeira).
A história caminha justamente entre o que ocorre e aquilo que a narradora, uma escritora que conta a sua biografia romanceada em uma biblioteca, viu e ouviu do pai e imaginou. É nessa jornada que o sonho recorrente de Kojo, um carro incendiado junto ao mar, ganha o sentido de uma civilização moderna que sucumbe perante a força da natureza.
A necessidade financeira da família de Kojo a leva a sair de sua casa cercada pela água para a zona mineradora, dominada pelos chineses e pela ilegalidade na busca e venda de pepitas de ouro por empresas inescrupulosas e capangas violentos, traz inúmeras consequências, como a perda da própria identidade, que a história da narradora do filme recupera.
*Jornalista pela USP, mestre em Artes Visuais pela Unesp, graduado em Letras (Português e Inglês) e doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Gerente de Comunicação e Marketing da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
PAI! AFASTA DE MIM ESSE… CALE-SE!
Luiz Maito Jr*
Uma taça de vinho pela metade, passas na farofa e no arroz, um meio sorriso exposto quase a contragosto, pouco mais de meia noite e o aniversariante está ainda circunspecto, talvez nem consiga se sentir homenageado A reunião junta seus seguidores, um pouco adulterados de seus princípios. Na mesa farta, pedaços suculentos de carnes assadas, o perfume das iguarias avança pela vizinhança, uma igreja, duas casas, um abrigo de refugiados e um condomínio simples onde pessoas solitárias assistem pela TV ao último show de Roberto Carlos, sonolentas à espera das letrinhas subirem para desligar o aparelho e irem dormir.
A primeira impressão é de prosperidade, de pessoas em conexão entre si e celebrando suas relações familiares de acordo com os preceitos do aniversariante, mas talvez o que eles não tenham entendido ainda é que a prosperidade prometida é do espírito. Seus ideais parecem estar deturpados, mas isso hoje parece acontecer em todos os lugares, uma ideia de veneração ao financeiro vem tomando conta de boa parte da população, o primeiro olhar é para si mesmo, para seu bolso ou conta bancária, deriva disso os sorrisos mal acabados em suas bocas com hálito de vinho e cerveja cara. Nem um carinho explícito, nenhuma amorosidade sincera.
Tanta meia alegria que o entorno pensa que alegrias inteiras são reinantes ali, na igreja um pastor sincero trata de sentimentos cristãos reais, daqueles que congregam, que reúnem pessoas em torno de um líder realmente compromissado com a lei do amor, com a mensagem deixada há pouco mais de dois milênios pelo aniversariante do dia. A igreja hoje parece mais cheia. Metade dos refugiados do abrigo procuraram matar a fome de amor, que a sociedade lhes dá em doses minimalistas. A outra metade circula pelas ruas, revirando sacos de lixo, buscando latinhas de cerveja ou refrigerante, quem sabe algum pedaço de carne ou comida ainda em condições (ou não) de serem consumidas, estes buscam matar a fome física, essa que nos tira a razão, que nos joga na cara a humilhação.
O Pastor fala da gratidão, de todos aqueles que se reconhecem realmente seguidores daquele que mudou de forma revolucionária a maneira de olhar o mundo e o próximo, gratidão por alguém que ensinou o mundo uma maneira doce de se relacionar com tudo e todos. A gratidão, segundo o sermão do Pastor, é aquilo que sentimos em relação ao que nos fazem. Aquilo que sentimos quando percebemos que isso nos acrescentou de alguma forma, a gratidão é a resposta de nosso melhor sentimento de humanidade em relação a humanidade. A gratidão – segue o pastor – é o sentimento que geralmente os filhos têm por seus pais, que os trouxeram, que ensinaram e cuidaram deles, de uma forma ou de outra, segundo suas possibilidades.
Por algum motivo, neste momento o som alto da casa da grande festa cessou e o volume do microfone do pastor pareceu chegar aos ouvidos dos solitários do condomínio simples já prontos a dormir nesta noite, para muitos, especial. Alguns ainda sentaram na cama para ouvir melhor, e de lá, da igreja, o Pastor inspirado disse: Mas a gratidão tem de ter sempre, em todos os casos, duas mãos. Os pais também devem ser gratos pelos filhos que têm, mesmo que estes não comunguem de suas ideias de relacionamento, seja consigo próprios, seja com relação a como se vê a sociedade em que se vive, muitas vezes pais ferem seus filhos e netos, apenas por exigir deles uma condição ou uma forma de viver que lhes representa. Pais são também crianças, como disse o poeta algum tempo atrás. No condomínio alguém soltou uma lágrima pesada, vivia isso todo dia, sentia o peso de ter de tentar demonstrar que se esforçava em lhes agradar.
Toda vez – seguiu o pastor – que há diferenciação de tratamento entre irmãos, seja ele sanguíneo ou não, haverá apartação e sofrimento. Somos pais de filhos hereditários, somos pais de filhos que nos chegam pela vida, pelo sofrimento, a sociedade entenderá mais de gratidão quando perceber que filhos distantes nos chegam carentes, de amor, de comida, de oportunidade, carentes de se sentirem inclusos, quando o que se deixa pra trás é o que se tinha, os pais devem estar presentes, garantir a sobrevivência física, emocional e espiritual de seus filhos. O filho consanguíneo é sim a perpetuação de seus dias. São eles o orgulho de uma vida, importam cada movimento que façam e por vezes o fazem de maneira muito mais cristã do que julgam seus pais.
A gratidão, irmãos, nos reúne. Nos torna um corpo único, uma reunião de sentimentos que impedem a indiferença, o ciúme, à distinção de pessoas, por cor, por religião, por orientação ideológica ou sexual. Outro menino do condomínio, praticamente em estado de depressão, não resistiu e chorou copiosamente, lembrou-se de seus pais que não aceitaram sua condição homoafetiva, sentia-se culpado, sabia que seus pais não lhe eram gratos, por muito tempo sofreu, ainda trocou de roupa e foi à pequena igreja ouvir o término do sermão. Na grande casa festiva ouviram-se ainda os últimos brindes, papeis se rasgando, crianças em frenesi, ali reinava outro rei, outro modo de enxergar a vida.
Na igreja, muitos se emocionavam com as palavras do Pastor, em sua maioria pais, esquecidos do sentimento de gratidão em
relação aos seus filhos, aos seus netos. Ainda vão ecoar em seus corações e seus ouvidos aquelas palavras, alguns olharam para seus filhos que ali estavam e choraram, alguns pediram perdão, mas alguns não tinham seus filhos por ali, talvez até por terem tornado a religião não uma ideia de religação, mas uma parede que define a vida certa e a vida errada que acreditavam, a apartação vem da falta de gratidão, muitos refletiram sobre isso. Por outro lado a Igreja através daquele Pastor se tornava pai e mãe daquelas pessoas que vinham do abrigo, dos refugiados, e lhes demonstrava muita gratidão por estarem ali e saberem que amar o próximo é motivo de ser grato com o próximo e com o aniversariante.
O pastor encerrou o sermão e pediu para todos que estivessem ali buscassem aqueles que a fome física foi maior pelas ruas, mesmo que não fossem refugiados, em uma hora e meia estaria pronta a sopa com pães e um refresco para celebrarem, o motivo principal desta reunião, festejar o aniversariante e seus ensinamentos milenares, busquem quantos forem possíveis, hoje estaremos gratos a vida e ninguém passará mais fome física nem espiritual, depois do tempo pedido a igreja estava cheia de pessoas que não estiveram no sermão, o pastor ainda falou: Os peixes estão postos. As varas de pescar vamos distribuir com o tempo.
*Pós-Graduando em História da Amazônia
A crise que renova
Afonso Rodrigues de Oliveira*
“Bendita crise que me traz de volta a aventura de viver.” (Mirna Grzich)
Aprender com as crises é uma maneira de mostrar o quanto você é grande. Por maior que seja, a crise não é maior do que você se você se valoriza. Nunca permita que uma crise faça de você um títere. Mesmo que ela o abale por alguns minutos, não permita sua permanência. Porque é aí que você vai aprender com a crise e valorizá-la como lição de vida. Quem nunca se orgulhou por ter vencido uma crise e estar sendo vitorioso? Estude a crise. Veja o que há nela que pode ajudá-lo a vencer. Vá sempre em frente.
Não há vencedor sem luta. Os prejuízos de uma luta não são maiores do que os resultados positivos. E isso vale para todos os planos do destino. Conhecemos pessoas que lutaram contra doenças consideradas terminais, e que estão aí vivendo como vencedores. São pessoas que nunca encararam as crises, como sinônimo de derrota. Mire-se nos vencedores. Não perca seu tempo sofrendo com os sofrimentos dos que não sabem encarar as crises. Faça sua parte orientando-os no caminho do horizonte, onde está o baú da fortuna. Porque a fortuna está no seu bem estar. E este está na sua mente. Quem pensa em derrota não pode vencer. O que deveria ser passado para os atletas que inda não aprenderam a competir, e continuam disputando.
Reflita sobre a crise que o mundo está encarando. E cada um de nós faz parte da luta. O importante é que nos preparemos para vencer. E só venceremos quando formos devidamente educados para vencer. Quais os seus planos para as próximas eleições? Ou você continua encarando a política como um balaio de gatos, para os que só pensam no enriquecimento fácil? Vá analisando a crise que estamos vivendo e descobrirá que ela é exatamente uma réplica de todas as outras crises passadas. O problema é que ainda não aprendemos a aprender com elas. Então vamos prender. Depois de politicamente educados descobriremos que precisamos ser o que ainda não somos. Mas mais importante é sermos sem deixarmos de ser. Quando entendermos isso, entenderemos as crises que vivemos vida afora.
Não se deixe abater pelas crises familiares. Elas fazem parte da nossa falta de preparo para a educação. Cuidado com os blá-blá-blás com os quais as “autoridades” tentam nos anestesiar mentalmente. Aproveite cada momento de sua vida, a partir de agora, para olhar-se no seu espelho interior e ver quem e o que você realmente é. E por melhor que você seja, procure ser cada vez melhor a partir de agora. Sorria para as crises e elas fugirão de você. As crises são brincalhonas e fazem de você uma marionete da vida. Pense nisso.
*Articulista [email protected] 99121-1460