Individualismo intransigente à brasileira – Tom Zé Albuquerque*
Imagine num estacionamento da biblioteca de uma Universidade Pública Federal e você se depara com vagas para mais ou menos 12 veículos, mas só estão estacionados 7, porque os motoristas acomodaram seus carros atravessados no espaço destinado avançando em outros limites, ou alojaram numa distância tão grande entre os veículos que não cabe guardar um outro.
Agora visualize a cena de um veículo trafegando a 30 ou 40 km/h na faixa esquerda (destinada a velocidade maior e ultrapassagem) numa grande avenida e de grande fluxo; o veículo de trás tenta avançar mas o motorista, com descaso descomunal se mantém displicente atrasando o trânsito, notadamente de propósito porque não quer colaborar com as pessoas, ou muitas vezes porque vai dobrar à esquerda, somente dali a 5km ou mais. Este mesmo indolente geralmente é o que fecha um cruzamento, tranca outro veículo num estacionamento qualquer ou corta, semáforos, dirige digitando ao celular, independentemente do risco envolvido ou do direito ferido das pessoas em sua volta.
Nada é mais repugnante que uma pessoa sã estacionar seu carro em vagas destinadas aos deficientes. Isso ocorre todos os dias, em espaços públicos e privados. Estes cínicos são da mesma linha suja daqueles que burlam as cotas em concursos públicos, furtam material de expediente do seu local de trabalho, não devolvem troco errado a maior, falsificam documentos, se apropriam de direitos dos idosos (especialmente os espaços) ou praticam todo e qualquer destroço que cause desrespeito ou injustiça a outrem.
Tudo isso ocorre em razão da falta de coletividade de boa parte do povo brasileiro. É, infelizmente, um problema cultural; e pior ainda, muitos exaltam esse formato da burla, da trapaça, do repugnante “jeitinho brasileiro”. O excesso de individualismo é a raiz da ausência do senso de coletividade que deveria ser natural em qualquer sociedade. Mas tem a ver também com a insegurança humana, com a necessidade de autoafirmação, com traumas passados. O resultado é a formação de uma sociedade cujas pessoas vivem em função da leitura que fazem de si.
Como brilhantemente desnudou o religioso cristão Chico Xavier: “A coletividade humana aprenderá, gradativamente, a compreender que os conceitos de normalidade e de anormalidade deixam a desejar quando se trate simplesmente de sinais morfológicos, para erguerem como agentes mais elevados de definição da dignidade humana, de vez que a individualidade, em si, exalta a vida comunitária pelo próprio comportamento na sustentação do bem de todos ou a deprime pelo mal que causa com a parte que assume no jogo da delinquência”.
*Administrador
A coerência na escola – José Pacheco*
Ser coerente será apenas ser congruente, estabelecer concordância entre ideias e fatos? No contexto escolar, talvez a coerência assuma a forma de fidelidade a princípios… Porém, em nome da verdade (palavra rara nos Projetos Político-Pedagógicos das escolas), diz-se que valores abundantes no discurso pedagógico raramente se traduzem em atitudes, talvez por não serem passíveis de concretização no contexto de uma sala de aula. Por exemplo: se o professor tem dever de obediência hierárquica, se não é autônomo, como poderá educar em autonomia? Ninguém dá aquilo que não possui. Se a autonomia é algo que se exerce em relação a outrem e o professor está sozinho na sala de aula, como poderá ensinar autonomia? O professor não ensina aquilo que diz; o professor transmite aquilo que é.
A mudança das instituições processa-se a partir da transformação das pessoas que as compõem e mantêm. Julio Cortázar escreveu que uma ponte só é verdadeiramente uma ponte quando alguém a atravessa. Tão importante como escutar uma palestra ou ler um livro é escutar-se, escutar a si próprio, verificar a coerência entre o ato e a teoria. E saber fundamentar aquilo que se faz, assumindo compromissos. A teoria converte-se em ação quando assumida em situações reais.
Dizia Kurt Lewin: “teoria sem prática é viajar no vazio, prática sem teoria é viajar no escuro”. Sabemos que a pedagogia age numa fronteira tênue entre intenção e gesto, motivo pelo qual não deveremos preocupar-nos apenas com grades curriculares – estejamos atentos aos modos de trabalho, que deverão considerar o ambiente social em que o aluno vive. “A escola é apenas um momento da Educação; a casa e a praça são os verdadeiros estabelecimentos pedagógicos”, dizia-nos Johann Heinrich Pestalozzi. Não nos esqueçamos da necessidade de harmonizar valores do projeto escolar com os valores do projeto familiar (mesmo que ninguém o tenha escrito…).
Se nos lares e nas ruas escasseiam a tranquilidade e a reflexão, como pretender que os nossos alunos se mantenham quietos e calados? Se há professores que se atropelam ao falar e sussurram ao pé do ouvido do colega do lado, como poderão exigir dos seus alunos o levantar a mão para solicitar a sua vez de falar?
A velha história é contada assim: Aquele barco a remos fazia a travessia de um rio. Num dos remos tinha escrita a palavra “acreditar”; no outro, a palavra “agir”. O barqueiro explicou o porquê. Usou o remo no qual estava escrito “acreditar” e o barco começou a dar voltas, sem sair do mesmo lugar. Depois, usou o remo em que estava escrito “agir” e o barco girou em sentido oposto, sem ir adiante. Quando usou os dois remos, num mesmo movimento, o barco navegou até a outra margem. Não “remou contra a maré” ou “ao sabor da corrente”. Uniu duas margens pelo impulso da escolha que lhe imprimiu um rumo coerente.
*Retirado de PACHECO, José. Dicionário de valores
Chegamos e paramos – Afonso Rodrigues de Oliveira*
“Através dos milênios, chegamos até aqui na condição de meros espectadores passivos da nossa história pessoal.” (Waldo Vieira)
Se se caminhar observando as veredas da história, com atenção, veremos isso; iremos encontrando fósseis aqui e acolá de acontecimentos esquecidos. E é isso que faz a história para nós. E isso porque não nos conhecemos como deveríamos conhecer. Ainda há quem diga e aposte que o mundo não tem mais de oito mil anos. Mas deixemos esses dorminhocos no cochilo eterno e vamos cuidar de nossas vidas. E a verdade é que estamos vivendo uma revolução universal de dimensões assustadoras. Mas ainda não temos, porque não desenvolvemos, uma inteligência suficiente para perceber isso.
Nosso dia a dia está ficando tumultuado pelo crescimento desenfreado da população mundial. Ainda não demos a devida atenção ao crescimento populacional do Brasil em apenas quarenta anos. Em quarenta anos a população do Brasil praticamente triplicou. E o poder público, infelizmente, não se preparou para o crescimento. A Educação, hoje, não é transmitida de acordo com o crescimento populacional. E ninguém está nem aí pra isso.
O desenvolvimento tecnológico está assustador, não pelo seu desenvolvimento, mas pelo nosso despreparo para recebê-lo. O apego ao celular não é o que perece ser. As pessoas estão presas ao celular porque não estavam preparadas para a chegada dele. Ainda não estávamos preparados para a divulgação do banal. A ignorância é infinitamente maior do que o saber. Somos frágeis ao banal. Encantamo-nos mais com o que nos prende à ignorância sobre o desenvolvimento humano.
Vamos iniciar nossa semana pensando mais no futuro do que na terça-feira. De acordo com a Astrologia Espacial, o dia, hoje, não tem mais vinte e quatro horas. E não estamos acordados para perceber isso. E acabamos pondo a culpa pela falta de tempo, na azáfama da correria que pensamos ser causa do desenvolvimento social. Vamos viver nosso dia hoje com alegria, independentemente do que possa ter acontecido no dia de ontem. Ontem é ontem e não deve estar azucrinando sua vida hoje. Ele é passado. E se passado deve ser esquecido. E você só vai conseguir isso com o amadurecimento racional.
Viva a cada minuto de sua vida, hoje, como ela deve ser vivida. Não perca seu tempo com a inferioridade dos que querem comparar você a eles. Lembre-se, a cada minuto, que somos todos iguais nas diferenças. Então respeite a diferença entre ele e você. Ele não é capaz de enganar você; você é que pode ser incapaz, se se enganar com ele. Não foi capaz de respeitar a diferença entre você e ele. Pense nisso.