Opinião

Opiniao 25 02 2017 3711

Novos pobres – Wellington Anselmo Martins*

Haverá, só neste ano, mais 3,6 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza. É impossível (para quem ainda consegue estar saudável dentro deste mundo econômico doente) receber essa informação sem sentir náuseas! Com esses novos pobres, o Brasil chegará a tristes 10 milhões de seres humanos vivendo na extrema pobreza, ou seja, “vivendo” com cerca de R$ 150 por mês.

Os dados são do Banco Mundial, o sofrimento é desses dez milhões de miseráveis, mas a culpa é de todos nós. De cada um de nós, que fazemos parte deste contrato social que visa garantir a vida a todos, mas que, corrompido por nós mesmos, perpetua privilégios para o tradicional 1% mais rico enquanto proíbe o mínimo existencial a esses novos 3,6 milhões de extremamente pobres.

Somos todos responsáveis, tanto por aplaudir a Carta Magna, de 88, que declara ser “objetivo fundamental deste País erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades”, quanto por hipocritamente nos submetermos ao individualismo e consumismo desta contemporânea e inovadora ética dos vícios. Mas a nossa contradição testemunhará contra nós! Nós, que somos brancos e ricos, que temos pão e poesia, e enchemos as igrejas semanalmente para ouvir o sacerdote dizer que a salvação é pelo amor ao próximo, porém em momento algum, nós mesmos, fazemos realmente alguma “opção preferencial pelos pobres”.

A classe média não é conservadora, como dizem. A classe média é egoísta! Pois defender a urgência política em favor desses necessitados não é coisa da esquerda, é coisa de qualquer um que tenha um pouco de fraternidade. “Liberté, Egalité, Fraternité”, não por coincidência, é a síntese principiológica aprendida de uma revolução burguesa. Querer menos desigualdade ou ter um olhar fraterno, por isso, não é exclusividade socialista, mas característica de qualquer um que já aprendeu que esta vida não cabe dentro no próprio umbigo.

Nenhuma forma de extremismo é boa. E a fraternidade é a única mão, virtuosa, que pode moderar a sociedade, inclusive materialmente. Por isso, para quem tem a cabeça mais à direita, mas continua tendo algum coração, cabe fazer individualmente o mínimo: estender a mão, de modo voluntário, a quem mais precisa. E para quem, da esquerda, já consegue sonhar e buscar um mundo de maior justiça social, resta mobilizar-se coletivamente: de mãos dadas, denunciar então a ilegitimidade da sociedade e de todas as leis caso os 3,6 milhões, de novos extremamente pobres, continuem sendo tratados como sendo menos importantes do que aquele sempre privilegiado 1% de multibilionários.

*Mestrando em Comunicação (Unesp), graduado em Filosofia (USC), bolsista de pós-graduação (Capes)

O Bloco do Mujica – Jaime Brasil Filho*Carnaval é igualdade. Se não for, não é carnaval.

Desde muito jovem eu me impressionava com a transformação dos sisudos homens de negócios e dos burocratas da nossa cidade, que, durante todo o ano, incorporavam no semblante a gravidade dos assuntos mais sérios, mas, que, no carnaval, caíam em desvario juvenil e irreverente. Também me roubava a atenção a embriaguez lúdica das “Bastalhas de Confete” nas esquinas da nossa Boa Vista. Sentia que no carnaval podíamos nos sentir como quiséssemos. Era um momento em que não se via no olhar do homem mais simples nenhum sinal de hierarquia ou subserviência, e nem no homem mais poderoso nenhum ar de superioridade. A fantasia nos igualava, pelo menos na minha percepção.

O carnaval popular ainda é um instrumento de resistência e de afirmação da nossa identidade. Se a migração do homem do campo para a cidade nas últimas décadas já havia retirado muito da cultura gregária e comunitária que era bem presente no povo brasileiro, o neoliberalismo dos últimos anos com toda a sua “ competitividade”, seu “darwinismo social”, sua eugenia mal disfarçada, sua hierarquização e exclusão com base na capacidade de consumo, onde o mais forte destrói o mais fraco na primeira oportunidade, com tudo isso, digo, muito pouca coisa restou de solidário e humanista no agir cotidiano do brasileiro. O carnaval, quando é de verdade, é um resquício de um aspecto do Brasil que insiste em nos abandonar, é a lembrança do que fomos um dia, e do que podemos voltar a ser, pois não existe brincadeira de carnaval sem ação coletiva, sem amizade, sem alegria fraterna e desinteressada. Se assim não for, não é carnaval.

Claro que o neoliberalismo quase destruiu o carnaval, assim como fez com o futebol etc. Aliás é do capitalismo a apropriação daquilo que é espontâneo e popular para transformá-lo em mercadoria. Assim vieram as cordas dos trios elétricos, os “shows” de carnaval onde não é o povo que protagoniza, mas, sim, algum ídolo do show business. Nesse “carnaval” aí não há igualdade, mas sim apartheid, não há fraternidade, apenas egocentrismo.

Carnaval é liberdade. Se não for, não é carnaval.

Em tempos de tanto obscurantismo social e político, fruto de posicionamentos políticos fascistas e de igrejas e religiões fundamentalistas e, claro, farisaicas, o carnaval é um espasmo do Id, das nossas verdades que nem mesmo somos capazes de identificar, de nossas invenções, da nossa criatividade. Podemos nos vestir como quisermos, agir como quem não pensa, dançar como quem voa. Podemos nos deixar levar pela alegria mais simples e autêntica: aquela que não necessita de motivo.

O carnaval também se presta à liberdade de expressão, é onde podemos expor, com alegria, o nosso descontentamento com a política, com aspectos da vida, e podemos rir disso juntos.

O carnaval, a “festa da carne”, é a liberdade do corpo, do respirar, do cantar, do sentir.

Claro que há aqueles que veem no carnaval um desperdício de tempo e dinheiro, os que criticam moralmente os foliões e a “bagunça” que fazem na cidade. Mas esses aí não entendemque as festas também nos tornam mais humanos e prova que não somos apenas escravos do trabalho e dos problemas cotidianos e que o carnaval nos faz lembrar que podemos ser mais felizes e melhores. Os que condenam o carnaval são contra a liberdade, e sem liberdade não há carnaval.

E é por isso que o Bloco do Mujica volta se apresentar mais uma vez. Fundado em 2014, o Bloco do Mujica não é apenas a notória homenagem a um grande homem que por cima da tortura, de anos de prisão solitária, que apesar da intolerância, do fascismo, manteve-se integro, honesto e generoso, e se tornou o Presidente de seu país. Trata-se de um homem que promoveu, e promove, a liberdade e a igualdade de forma concreta no seu país, o Uruguai, e em todo o mundo, pois serve de exemplo a ser seguido.

O Bloco do Mujica, fundado por artistas e formado pela heterogeneidade humana em todos os seus aspectos, não tem regras, tem respeito; não tem cordas, tem concórdia; não tem amarras, tem amores; é gratuito e livre; não tem chefe ou dono, é uma autogestão libertária e democrática.

O Bloco do Mujica só não tolera a intolerância e o preconceito. O Bloco do Mujica é só alegria.

Neste ano, o Bloco do Mujica está associado à Casa do Neuber, o mais importante espaço cultural da cidade. Foram vários domingos de ensaios para que na próxima segunda-feira de carnaval, a partir das 17 horas, na Avenida Ville Roy No 8228, em frente à Casa do Neuber, possamos tomar as ruas e desfilar nossa liberdade e nossa igualdade.Todo são bem vindos com suas fantasias ou do jeito que quiser.“O homem pode levar a agricultura ao mar. O homem pode criar vegetais que vivam na água salgada. A força da humanidade se concentra no essencial. É incomensurável. Ali estão as mais portentosas fontes de energia. O que sabemos da fotossíntese? Quase nada. A energia no mundo sobra, se trabalharmos para usá-la bem. É possível arrancar tranquilamente toda a indigência do planeta. É possível criar estabilidade e será possível para as gerações vindouras, se conseguirem raciocinar como espécie e não só como indivíduos, levar a vida à galáxia e seguir com esse sonho conquistador que carregamos em nossa genética.

Mas, para que todos esses sonhos sejam possíveis, precisamos governar a nós mesmos, ou sucumbiremos porque não somos capazes de estar à altura da civilização que fomos desenvolvendo.

Este é nosso dilema. Não nos entretenhamos apenas remendando consequências. Pensemos na causa profunda, na civilização do esbanjamento, na civilização do descarte que rouba tempo mal gasto de vida humana, esbanjando-a em questões inúteis. Pensem que a vida humana é um milagre. Que estamos vivos por um milagre e nada vale mais que a vida. E que nosso dever biológico, acima de todas as coisas, é respeitar a vida e impulsioná-la, cuidá-la, procriá-la e entender que a espécie é nosso “nós”.” (Pepe Mujica)

*Defensor público

Que língua falamos? – Afonso Rodrigues de Oliveira*“Quando uma sociedade se corrompe, a primeira coisa que gangrena é a linguagem”. (Octavio Paz)E, cá pra nós, nossa sociedade anda um tanto corrompida. E dá pra perceber isso com a corrupção na nossa linguagem. E o mais preocupante é que não vemos ninguém preocupado com isso. É impressionante como ouvimos, todos os dias, através da mídia nacional, o incentivo para nosso aprimoramento na língua inglesa. Você não vai conseguir um bom emprego se não falar o inglês corretamente. Mas ninguém tá nem aí para o português. E olha que esse desmantelo não vem de agora. Há décadas, vimos observando a queda desastrosa do Português; num despenhadeiro sem precedentes.

O que ouvimos e lemos todos os dias na nossa mídia, como absurdos simples, mas que são absurdos, não dá para suportar. Nem eu, que não sou intelectual. E tais absurdos empurram forte, a queda da nossa Educação nacional. Não devemos ser arrogantes nem exibicionistas no nosso falar. Isso até seria ridículo atualmente. Uma coisa é você falar de modo familiar, simples, modesto e cotidiano. Outra coisa é o profissional de comunicação segurar o microfone e falar para o ouvinte: “Você pode vim assistir nosso programa. Ele é gratuíto”. E olha que nós ouvimos esse absurdo todos os dias.

Bem recentemente ouvimos um apresentador dizer: “O evento é amanhã, às oito horas no Parque Anauá”. Tudo bem. Isso até seria aceitável, mas nem tanto, numa conversa entre amigos. Mas pode pesar muito na educação dos nossos filhos e netos que estão aprendendo o português em escolas sem a estrutura necessária. O prejuízo pode lhes ser muito grande no futuro. E se você acha que estou exagerando, tome cuidado.

Embora a preocupação nacional seja com a língua inglesa, os examinadores nas empresas estão preparados para observar o Português. E é aí que a jiripoca pia. Você pode ser eliminado na entrevista, sem ter a menor ideia do que está acontecendo. E isso acontece com mais frequência do que você imagina.

E não me confunda com um intencionado. Não quero exibir conhecimentos porque não os tenho tanto assim. Estou apenas preocupado com o andamento de tartaruga, da nossa Educação que vem se arrastando há muito mais de meio século. E, sinceramente, não estou vendo saída. Esse mau exemplo que estamos tendo com a incompetência do poder público nos presídios nacionais é estarrecedor. Lamento muito mexer com assuntos fora do carnaval. Mas é um carnaval público que estamos vivendo no nosso poder público. E a Educação é o setor mais prejudicado nesse circo de elefantes. Vamos fazer nossa parte, educando-nos politicamente. Pense nisso.*[email protected]