Um problema de forma e de conteúdo – Jaime Brasil Filho*Há momentos na história em que a interpretação dos fatos é atropelada por novos fatos, a ponto de ficarmos reféns do imponderável. Vivemos um destes raros momentos.
Há conjecturas para todos os gostos. Há os que acreditam que Temer irá até 2018; os que pensam que Temer está morto e só falta colocá-lo na sepultura; há aqueles que dizem que Temer fará a transição para uma saída unificada entre PSDB, PT e PMDB, para que o sistema atual não sofra uma ruptura; existem os que tentam emplacar seus protegidos, via eleição indireta, e há os que acreditam em eleições diretas como a única solução para a crise de legitimidade que enfrentamos etc.
Mas, este artigo não terá a pretensão de apontar possíveis desdobramentos, mas tão somente enumerar coisas que aprendemos neste doloroso – porém necessário – processo de exposição das entranhas da nossa caótica República.
Há algumas coisas que sabemos:
1. Que todos os governos, desde antes da abertura democrática, nos anos 1970, se valeram das intestinas relações entre os interesses do grande capital para se manter no Poder. Foi assim que a Globo, a Varig e a Camargo Corrêa, por exemplo, se tornaram hegemônicas em suas respectivas áreas de atuação durante a ditadura militar; foi assim que OAS e as ineficientes empresas de telefonia se enriqueceram a partir do governo FHC; foi assim que Odebrecht e JBS alçaram voos nos governos do PT.
Isso são exemplos pontuais. Nas esferas estaduais e municipais há centenas e milhares de exemplos semelhantes.
2. Que todos os governos desde Collor até hoje mantiveram intactos os pilares de sustentação do modelo neoliberal de subdesenvolvimento, onde a dívida pública, que alimenta banqueiros e especuladores, é sacralizada para que a nossa moeda nacional possa comprar bugigangas globalizadas e outros produtos feitos na China, isso à custa da diminuição de gastos com saúde, educação, previdência, segurança etc., ou seja, temos sustentado dinheiro especulativo aqui no Brasil para que os banqueiros se enriqueçam ainda mais por um lado e as grandes corporações tenham altos lucros, de outro.
3. Que sempre tivemos dois “brasis” desde a chegada dos colonizadores e que o Brasil “de cima”, via de regra, não considera os cidadãos do Brasil “de baixo” seus iguais; no máximo os querem para empregados, mas gostariam mesmo que voltassem a ser escravos.
4. Que todos, todos os grandes e médios partidos políticos do país possuem sistemas, esquemas e estruturas para se alimentar da corrupção. Para eles, os fins sempre justificarão os meios, ainda que os meios nos levem ao fim. E que em todos os partidos, eu digo todos, há “feudos”, “castas” e “donos” regionais e nacionais que impedem o cidadão honesto, ou que não reverencia cegamente os “líderes”, de participar da política formal;
5. Nós, aqui de Roraima, descobrimos que o restante do Brasil possui uma estrutura de corrupção exatamente igual a que sempre visualizamos no nosso cotidiano. Essa corrupção que passeia nas ruas de Boa Vista, despudoradamente, em que políticos que são assalariados, e seus empresários comensais, se tornam milionários da noite pro dia.
6. Que o grande empresariado brasileiro prefere pagar propinas a pagar impostos e encargos sociais. E que é tanto dinheiro que se gasta em propina que nem precisaria de nenhum tipo de reforma da previdência, se eles resolvessem inverter a ordem de prioridades.
7. Sabemos que não há reforma que nos salve, pois a reforma é forma e o nosso problema também é de conteúdo. Temos que mudar as pessoas e seus herdeiros que ocupam o poder nos dias atuais. Sabemos que não serão justamente os “deformados” pela corrupção que reformarão seu modo de roubar, digo, de viver.
8. Sabemos que a nossa República tem sido um instrumento de perpetuação das desigualdades e das injustiças que se utiliza, para isso, da corrupção e da exclusão social e econômica da maior parte do povo brasileiro.
Há coisas que sabemos que queremos e outras que não queremos:
1. Sabemos que temos um longo caminho a percorrer para avançarmos do ponto de vista civilizatório, e que isso não acontecerá sem profundas rupturas. Que os conchavos e acordos que nos trouxeram até aqui são justamente aquilo que tem empurrado o país para o precipício.
2. Queremos que as pessoas honestas que conhecemos no nosso dia a dia tenham acesso aos processos de representação política.
3. E mais, queremos que a representação política não seja a torre de marfim dos mandatos que não se deixam mandar pelo povo, tal qual temos hoje. Sabemos que o próprio povo é que deve protagonizar as discussões e as escolhas de direcionamento das políticas públicas e da própria sociedade.
4. Sabemos que a mídia é mediada pelo dinheiro e que é preciso acabar com as hegemonias e monopólios.
5. Sabemos que precisamos de um país menos desigual, sob pena de alimentarmos a violência e a injustiça a ponto de termos rompido, de forma irreversível, todo o tecido social.
6. Sabemos que os conservadores, ou seja, a direita no Brasil é a pior do mundo, pois se esforça para manter imutável a desigualdade no país mais desigual do mundo.
7. Sabemos que a esquerda no Brasil precisa se reformular urgentemente. Que não pode contemporizar com a falta de ética e que deve focar suas ações para construir organizações de base, populares, e não apenas participar do jogo eleitoral burguês que nada muda e nem deixa mudar.
8. Sabemos que sem a luta do povo não haverá mudança.
Dialeticamente, por estarmos vivendo um dos piores momentos da nossa história, temos, por isso mesmo, as melhores condições de mudarmos de rumo e, assim, rompermos com as condições históricas que nos trouxeram até aqui.
Não precisamos de conservação, não queremos o aprofundamento das desigualdades e das injustiças.Precisamos de uma revolução popular e democrática.*Defensor Público
Sempre crises – Afonso Rodrigues de Oliveira*“Bendita crise que vai me ensinar o que é verdadeiramente importante”. (Mirna Grzich)Tentando fugir dos assuntos referentes à crise atual, procuro remar pelos momentos críticos do passado. E é aí que me vêm pensamentos de momentos que adorei durante as crises. No finalzinho da década dos setentas, trabalhei numa empresa naval, em Niterói. A empresa era do então Ministro Mário Andreazza. Vivi momentos importantes naquela empresa. Foi lá que certa vez um mecânico me falou: “Na gramática brasileira há um mundão de tolices legais, porque foram ditas por grandes escritores”. Analisei e vi que ele tinha toda razão.
Naquela empresa tínhamos grandes profissionais, boa parte vinda de uma grande empresa de Taubaté, em São Paulo. Eu trabalhava no departamento de compras, e por isso ficava maior parte dos dias visitando empresas fornecedoras. Certo dia, um técnico recém-chegado de Taubaté me pediu para eu ir a uma escola técnica, no Rio, e procurar matricular o filho dele que estava chegando de Taubaté. Fui à escola e você não imagina a dificuldade que tive para convencer o diretor da escola. E o melhor é que ele tinha a razão que eu jamais imaginaria. O argumento era que a última vaga que existira acabara de ser preenchida, por um garoto que vinha de Taubaté. Franzi a testa, imaginando o tamanho da coincidência.
De volta à empresa no final da tarde, procurei o técnico e lhe falei do meu fracasso. Ele riu e falou:
– Você nem imagina o que aconteceu. Assim que você saiu, o Mário Andreazza chegou. Fui falar com ele e ele, ali mesmo, ligou para a escola, e pronto, meu filho estava matriculado.
Rimos pra dedéu e fiquei o tempo todo querendo ir à escola só para contar o caso para o diretor que, certamente riria também. Foram momentos de minha vida que ainda hoje me fazem sorrir e me sentir feliz por tê-los vivido. Durante os dez anos que trabalhei na Coldex, em São Paulo, vivi momentos interessantes e importantes para meu crescimento profissional. Mas foi nos estaleiros, no Rio de Janeiro que vivi os momentos mais divertidos e interessantes. Vivíamos, à época, o auge da produção naval no Brasil. Foram momentos importantíssimos para profissionais ligados ao Controle de Qualidade, e Relações Humanas no Trabalho e na Família. Um recurso empresarial que não sei por que continua sendo ignorado pela maioria das empresas. Mas o que me levou a esse papo, não foi a importância do trabalho, mas dos momentos agradáveis que vivemos nele, quando sabemos vivê-lo. Momentos que vivi tanto em Sampa quanto no Rio. Experiências que me enriqueceram profissionalmente. Pense nisso.*[email protected]