Manifesto de um não europeu: pelo brexit e pela europa! – Percival Puggina*Pertenço a um grupo de brasileiros, talvez pequeno hoje, que lamentam o fato de a proclamação da República haver rompido nossas raízes europeias. Era de lá que vinham as bases da nossa cultura, da nossa literatura e da nossa fé cristã. Era de lá o nosso idioma. O gesto de enviar D. Pedro e sua família para o desterro cortou laços que deveríamos, naquela época, ter entendido como um privilégio em relação às demais nações da América Ibérica. Devido a esse sentimento pessoal, a esse estado de alma, diria, amei a Europa antes mesmo de a haver conhecido. Amava-a nas páginas dos livros de História, nas enciclopédias e nas fugazes visões externas que o cinema proporcionava. Amei-a ainda mais desde que lá estive com minha mulher, como turista, na primeira de muitas vezes que a ela retornamos. Amei-a em cada museu, em cada uma das centenas de basílicas, santuários, mosteiros, catedrais e igrejas góticas, barrocas e românicas que visitei extasiado por aquela dedicação em construir o belo para Deus. Quantas vezes nos quedamos, ela e eu, em reverente silêncio diante da determinação com que cada país cuidou de sanar as destruições da guerra restaurando para a humanidade os bens de sua cultura!
Lembro da emoção quando cruzei a primeira fronteira rodoviária com aduana inoperante, que ali ainda remanescia como marca da unidade em construção. Embora estrangeiro, emocionou-me a sensação de liberdade – vejam só! – que isso me proporcionou. A sensação se renovou quando comecei a usar a mesma moeda para pagar despesas em países diferentes. E estranhei a negativa dos britânicos em aceitarem o euro.
Passei os últimos dias meditando sobre o plebiscito do Reino Unido, ponderando, na contradição das opiniões, as causas e consequências de cada uma. Por isso, tardei em escrever. No passar dos dias, foi ganhando nitidez uma questão de início quase indiscernível, bem ao fundo desse cenário de luzes e sombras. Estariam os ingleses deixando de ser europeus? Tal quesito me interessou porque acima dos negócios, dos acordos políticos e comerciais, importa-me a Europa e o que ela representa. Conexa a essa questão, uma outra se levantou: o que está acontecendo lá? Em outras palavras: a filosofia grega, o direito romano e o cristianismo – bases da cultura e da civilização que amo de espírito, coração e mente por suas fulgurantes emanações através dos séculos – ainda estão no zelo da União Europeia?
A conclusão a que chego é que não estão, de modo algum! A UE aceitou ser tutelada por uma burocracia internacional que, por muitos meios trouxe para a agenda e tem imposto pautas que confrontam aquilo que estava no espírito europeu e nos três principais fundadores da política continental pós-guerra. De fato, Alcide de Gasperi, Konrad Adenauer e Albert Schuman, modernos pais da Europa, eram cristãos fervorosos (os três tiveram e os dois últimos ainda têm processo de beatificação em curso). Com o passar dos anos, porém, a UE compôs onerosa e poderosa estrutura de poder que já se converte num caso clássico em que a burocracia se sobrepõe à política. Não satisfeita, ainda é empurrada ao ateísmo e ao paganismo de modo acelerado. Nas atuais circunstâncias, diante dos mastodontes em que se converteram as estruturas de poder efetivo na UE, não está fora de sentido afirmar, com Roger Scruton, que o Reino Unido decidiu ser Europa e não União Europeia. Para continuar sendo Europa tornou-se forçoso recuperar sua soberania. Difícil imaginar os britânicos, tendo feito pelo Continente tudo que já fizeram, abdicarem dela – da sua soberania – nas atuas circunstâncias. União Europeia, sim. Mas não com sangrias fiscais que as nacionalidades tributadas jamais aprovariam (no caso do Reino Unido, isso contraria 800 anos de história), nem com imposições contrárias à democracia, ou com avanços sistemáticos contra os valores característicos do Ocidente.
Faço votos que a crise suscitada pelo Brexit induza a mudanças na UE antes de os burocratas instalados em Bruxelas acabarem por descaracterizar totalmente a Europa.
*Membro da Academia Rio-Grandense de Letras, arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org———————————–Seja você mesmo – Afonso Rodrigues de Oliveira*“Nossos corpos são nossos jardins… nossas vontades são jardineiros”. (Shakespeare)Embora eu já tivesse uma vida, na minha adolescência, infiltrada nos meios, político, jornalístico e cultural, nunca irei me esquecer daquele dia em que entrei na sala de trabalho do Luiz da Câmara Cascudo, em Natal – RN. Eu não demonstrava porque não sentia nenhuma emoção, ou coisa assim. Confesso que foi a simplicidade do ambiente que me tocou. Era uma sala ampla, com duas ou três cadeiras e a mesa, parecendo mais um púlpito, próximo da parede. Nas paredes laterais havia duas pinturas a grafite, feitas na própria parede. Eram quadros muito parecidos com os do meu amigo Cardoso. Simplesmente encantadores. Eu tinha uns dezesseis anos de idade. Enquanto meu pai conversava com o Câmara Cascudo, eu me encantava e me deleitava com o ambiente, sobretudo com os grafites nas paredes. Foram momentos inesquecíveis na minha adolescência. Inclua-se aí, as amizades que eu já tinha dentro da redação dos “Diários Associados”, com o escritor, historiador e jornalista, Manuel Rodrigues de Mello, Ney Marinho de Melo e outros com os quais convivi fraternalmente.
No Rio de Janeiro e em São Paulo, minha convivência com grandes políticos e intelectuais, foi maravilhosa. Em São Paulo, foi numa noite, numa palestra na Biblioteca Mário de Andrade, que conheci o Guilherme de Almeida. Assistíamos a uma palestra, sobre Macunaíma, dada pelo meu professor de literatura, Hélio Silveira. Eu fazia um pré-vestibular, na Rua Barão de Itapetininga. Foi outro momento importantíssimo na minha vida. Depois daquele encontro, o Guilherme de Almeida presenteou-me com quatro dos seus livros. Isso foi, cerca de dois anos antes de seu falecimento em 1969. Os livros perderam-se com minha mudança para Boa Vista, que se perdeu e nunca mais tive notícia dela.
Tudo bem. O que eu quis, com essa explanação aparentemente espalhafatosa, foi dizer pra você que o valor que lhe dão é o valor que você se dá. Há cerca de dois anos, um dia atendi ao telefone e alguém me perguntou:
– Vai sair de casa agora?
– Não.
– Então espere um pouco, que meu motorista vai passa aí.
Sem saber do que se tratava, esperei tranquilo. Logo mais o carro chegou e era o motorista do Desembargador Carlos Henrique Rodrigues. Ele me trazia dez livros novos e importantíssimos, como o “A Cidade do sol”, por exemplo. Todos, carinhosamente, com dedicatória do Desembargador. Uma das grandes amizades que cultivo em Roraima, e que me honra. Faça isso. Valorize-se apenas no que você é, e não no que você quer que pensem que você é. Pense nisso.
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