Mecejana. Ontem, hoje e sempre – Lindomar N. Bach*Quando relembro o bairro onde nasci e cresci, viajo… Meus sentidos, até então latentes, ficam vivos e aguçados. Ainda posso sentir, nos fevereiros da minha infância, o cheiro de castanha de caju assada, das chuvas de abril, da terra molhada nos tijolos de adobe de seu Alexandre Horta. Ainda posso ouvir o gemido lúgubre do velho carro de boi de seu João da Mata indo buscar lenha pra fazer carvão. Lembro ainda, encantado, a beleza das filhas de seu Sabá Paulino.
Ainda ouço o cajueiro velho tocar na vitrola de seu Melquíades França, o Passarão. Ou os bregas rasgados e forrós de duplo sentido vindos das bandas da Dona Conceição do Macaco. Também as mães chamando seus filhos nos fins de tarde, minha mãe ninando meu irmão caçula, o Bibo, com hinos cristãos, sempre achei aquele som a coisa mais linda de se ouvir. Ainda sinto na pele o cauxi do Lago dos Americanos e a água fria dos igarapés que entrecortam o Mecejana. Assim como as surras pelas aventuras mal sucedidas.
Sinto o gosto dos cajus da área do 6° BEC, da manguita, do dão, do araçá, do mari-mari, da ingá e do abio que abundava na granja abandonada do outro lado da vala no fim da rua Tinoco Valente. Nestas manhãs de enxurrada, lembro as tanajuras que voavam no início do inverno e as cores vibrantes dos carros alegóricos dos Embaixadores da Mecejana, do meu amigo Babá. Também lembro o tabocal perto do Gressb, onde, sem medo, a molecada ia admirar e sentir pena de uma onça pintada, presa num gradil minúsculo. Coisa difícil de ver atualmente.
Guardo na lembrança as conversas hilárias com Cabo Gomes os conselhos de seu Vernior, as história de seu Cláudio de Dona Joaquina. Os conselhos do Nego Aniba, Seu Albino, Velho Manelão, Seu Raimundo Malaquias, Dona Esterlita e muitos outros…
O Mecejana, assim como Boa Vista, evoluiu de uma maneira célere e assustadora, com todas as síndromes de uma cidade grande. Mas ainda se vê nos rostos das pessoas um ar provinciano, uma inocência reprimida. Além das cercas elétricas e dos muros altos com portões continuamente fechados, ainda me surpreendo com lampejos do passado, nos domingos de reunião em família, fazendo compras no mercado Romeu Caldas de Magalhães, ou quando vejo o semblante de velhos companheiros na feição de seus filhos e netos.
Minhas lembranças ainda tentam resgatar uma parte desse lado bucólico e nostálgico do bairro Mecejana. Sua história pode não ser diferente de qualquer outro bairro de qualquer cidade do Brasil e do mundo. Com seus personagens ilustres e caricatos, desejo que através dessas memórias possamos repensar o trato com nossos vizinhos, nos leve a refletir e amar mais nossas raízes, nosso lugar de origem, com esse sentimento de irmandade e respeito que jamais deve sucumbir ao tempo.
*Designer Gráfico, artista plástico e [email protected]—————————————————
Audiências de Custódia – Jaime Brasil Filho *Demoramos milênios para saber que o suplício, o castigo e a vingança não resolvem as nossos desencontros pessoais e muito menos as diferenças sociais. A dor, o medo programático, a tortura, a opressão nunca solucionaram nada. Quando muito, retardaram e represaram a inexorável inundação de ódio e de revolta dos povos contra os opressores e algozes.
Somos animais culturais, a nossa genética não é determinante e não pode ser vista e entendida como sendo determinista. Não somos ervilhas e nem a mosca drosóphila. A nossa carga genética é estimulada pelas experiências que o meio social e ambiental nos apresentam.
Ninguém nasce nada! Tornamo-nos. Vamos nos construindo e somos construídos de acordo com os nossos desacordos e enlaces com os semelhantes e com a natureza.
Somos culturais e nos inventamos culturalmente. Assim, temos que escolher: ou somos uma sociedade humanista, baseada em valores aprendidos a duras penas durante séculos (fraternidade, tolerância, busca da igualdade etc.), ou somos uma sociedade tirânica, que acredita na força e em uma suposta “higiene social”, onde os inadequados são castigados e segregados como forma de se encontrar a ordem idealizada.
A história da humanidade já demonstrou e comprovou que as sociedades autoritárias são muito piores para a maioria dos seus membros, se comparada com as sociedades ditas plurais. Quem não gosta de liberdade é porque quer reproduzir ao outro a repressão a si imposta, ou, sendo mais forte, quer impor a sua vontade sobre os demais; quem não gosta da igualdade é porque quer se manter “superior” ao seu semelhante ou é iludido com a ideia de que pode chegar a ser superior; quem é contra a solidariedade não tem amor pela sua própria espécie, não gosta de gente. Quem nega o humanismo como um legado essencial das experiências passadas, como valor cultural a ser buscado e estimulado, é porque não crê na humanidade e pensa apenas no seu próprio umbigo.
O povo brasileiro tem experimentado nos últimos anos a disseminação de ideias anti-humanistas, ou seja, fascistas, por assim dizer.
A soma de visões religiosas fundamentalistas, somando-se à mídia sensacionalista, além de um caldo político herdeiro das nossas piores ditaduras e a deficiência da formação educacional formal e familiar, fizeram com que milhões de brasileiros replicassem a insanidade, a crueldade, a insensibilidade, a intolerância, o racismo, a xenofobia, o machismo, o sexismo, a homofobia, ou seja, tudo aquilo que representa a desumanidade e o retrocesso de valores em uma sociedade dita civilizada. O Brasil regrediu.
Penso que um dos pontos mais visíveis da intolerância disseminada em nossa sociedade se revela quando o assunto é o tratamento a ser dado aos que cometem delitos. São chamados de criminosos, pilantras, meliantes etc. Quanto a eles a visão da mídia, e, por consequência, de grande parte da sociedade, é transformá-los nos permanentes bodes expiatórios de quase tudo que está errado. Os que sonegam impostos são os mesmos que defendem a pena de morte para quem furta.
Como Defensor Público sempre quis enfatizar a importância da defesa, como instrumento de blindagem da sociedade contra a tirania. Quando alguém diz “- Esse não merece defesa”, resta-nos algumas perguntas: quem decidirá se determinada pessoa merece ou não defesa? Quem será o próximo a não merecer defesa? Em relação a isso, a história tem-nos demonstrado que a exceção de que alguém “não mereça defesa” vira regra rapidamente, e, logo em seguida, qualquer pessoa passa a ser vítima desse não merecimento, eis que tudo acaba se adequando aos interesses políticos de quem tem o poder nas mãos. Assim nascem as tiranias.
Para que um cidadão de bem tenha direito à defesa é necessário que o pior sociopata, o pior criminoso também a tenha. A defesa para todos é a garantia da democracia. Para que todos os cidadãos tenham a coragem de exercer os seus direitos, é preciso termos garantias legais eficazes para todos, justamente para conter a pressão e a opressão do Estado, que pode se tornar incontrolável e autoritário diante do povo.
Quando é defendido um criminoso contumaz, está-se defendendo a sociedade contra potenciais tirânicos capazes, no mais das vezes, de praticar torpezas e vilanias muito piores do que aquelas praticadas por criminosos comuns.
Assim, é lugar comum dizer: a defesa é sagrada. E é.
A segregação, e prisão, como meio de restrição da liberdade deve ser exceção, e não regra. Não inventei isso. Esse princípio é comum e presente em todos os países ditos democráticos do mundo. E por qual motivo? Justamente para evitar que os poderosos no comando comecem a encarcerar a todos aqueles que os incomodam. Porque a liberdade é o segundo maior valor que existe, atrás apenas da própria vida.
Por isso mesmo, o Brasil, mesmo que tardiamente, resolveu implementar as famosas audiências de custódia, que são aquelas em que os presos em flagrante devem ser levados à presença de um juiz dentro de um prazo determinado, para que se decida se o cidadão pode, ou não, responder por seus atos em liberdade.
E, foi assim, que os herdeiros dos “capitães-do-mato” do tempo da escravidão novamente saíram à luz a vociferar contra as audiências. Porque, pra eles, neste país tão estratificado e hierarquizado, onde o tratamento muda conforme a classe social do cidadão, para eles, digo, o povo não deve ter direito aos seus direitos.
O que dizer da conversão de prisão em flagrante em prisão preventiva de um jovem, menor de 21 anos, com a “ficha limpa”, que confessa estar com uma quantidade pequena de drogas, e, que, caso seja condenado por tráfico, ao final do processo, receberá uma pena em regime inicialmente aberto? Estaria certo deixá-lo de quatro a seis meses preso, em condições subumanas, respondendo à acusação, para quando for condenado ser liberto? O nome disso, na prática, é condenação antecipada e sumária, é, no fundo, um juízo de exceção que pune antes de julgar. Esse tipo de “justiça” está à margem das regras mais elementares do Estado Democrático de Direito.
Deixar cidadãos perigosos ameaçando a sociedade é péssimo, mas deixar que o Estado, em nome da sociedade, promova um verdadeiro apartheid social em direto ataque ao princípio democrático da liberdade é terrível, porque isso abre espaço para a construção de realidades totalitárias e tirânicas.
O operador do Direito em um Estado autoritário e que usa de juízos de exceção não vale nada, não serve para nada, talvez, no máximo para dizer amém ao tirano. Assim, cabe aos operadores do Direito o compromisso com a busca efetiva da democracia e da justiça social. E muito mais ainda, quando se trata de uma sociedade injusta e desigual.
Na luta contra o fascismo, à intolerância e à tirania, hipoteco a minha solidariedade àqueles operadores do Direito que estão fazendo das audiências de custódia uma arma de resistência para o exercício da cidadania e de fortalecimento da Democracia.
*Defensor Público————————————————–O amálgama cultural – Afonso Rodrigues de Oliveira&“Vários são os que trouxeram “pratos” para o seu banquete da vida. A decisão de comê-los, ou não, foi, é e sempre será sua”. (Lair Ribeiro)Passava das 5 horas de uma tardinha bem paulistana, friinha e aconchegante. Tínhamos terminado de tomar o café da tarde, quando minha sobrinha, Telma, chegou. E euforicamente nos convidou para um espetáculo que iria se iniciar às 19 horas. Era 15 de junho de 2012. A Caixa Cultural de São Paulo estava comemorando os 40 anos do Ballet Stagium, que comemorava o centenário de nascimento do Adoniran Barbosa. Claro que a dona Salete e eu, não poderíamos perder tal espetáculo. Arrumamo-nos às pressas e saímos. Atravessamos a Praça da Sé e chegamos à Caixa, antes de o espetáculo começar.
Foi algo realmente encantador, com a apresentação de onze músicas do Adoniran, apresentadas no profissionalismo da dança espetacular do Ballet Stagium. Terminou a apresentação, voltamos para casa, jantamos e fiquei meditando sobre até quando iremos nos preparar para apresentações realmente profissionais na arte roraimense; pelo que continuamos assistindo em apresentações que deveriam, em todos os sentidos, serem mais profissionais. Já é tempo de nos prepararmos para as mudanças que estão aí nos alertando que temos que sair do amadorismo. Certamente o Macunaíma já sabia disso.
Está passando da hora de profissionalizar nosso amálgama cultural. Somos uma sociedade miscigenada. Não devemos deixar de lado, nem vamos deixar, nossa cultura local que é, indiscutivelmente, a raiz dos nossos conhecimentos que devem ser passados, a qualquer custo. Mas o profissionalismo está embutido, e é o pivô da cultura, não importa nem interessa em que área ela se apresente. E pelo que vi convenci-me do que já sabia: não devemos enfatizar a qualidade da cultura baseados em meras e eufóricas reformas de prédios.
Estamos construindo um teatro que ainda não sabemos quando ficará pronto. Mas tais demoras são normais e entendíveis. O preocupante é saber se estamos, profissionalmente, nos preparando para o uso inteligente do teatro. Quando o Teatro Amazonas foi inaugurado, em Manaus, a cidade não tinha sequer uma orquestra. Mas não estamos mais no século dezenove. Já estamos vivendo, mesmo com os tropeços culturais, no século vinte e um. Já temos um elenco formidável de áreas artísticas; o que precisamos é tirá-las do amadorismo que não faz mais sentido no mundo em que vivemos. E o “Amálgama Cultural” é o maior sentido que devemos dar à nossa cultura. Não importa se é um violino ou um bilro. O que importa no que fazemos é como fazemos. Pense nisso.
*[email protected] 99121-1460———————————————-ESPAÇO DO LEITORATENDIMENTOO leitor Flávio Gouveia enviou a seguinte reclamação: “Fui à agência do Banco do Brasil da Avenida Ville Roy com minha esposa, para pagarmos umas contas, e solicitamos do recepcionista que fica no atendimento uma senha preferencial, já que ela está grávida. No entanto, passamos mais de meia hora aguardando o chamado da senha preferencial, o que não ocorreu. Fica minha indignação e repúdio contra esta situação que precisa ser revista pela gerência”.NEGOCIAÇÃO A internauta Mariana Alves fez o seguinte comentário: “Não podemos nos acomodar diante desta situação da interrupção do trânsito na BR-174 sentido Pacaraima. Acho justa que reivindiquem pelos seus direitos, mas que mantenham o tráfego liberado. Nós não temos que pagar pelo fracasso na negociação do Executivo com as comunidades indígenas. Tenho familiares que estão apreensivos em Pacaraima com esta situação. Deveriam buscar outra forma de protesto sem prejudicar a população”.POLICIAMENTO“Com as rodovias de acesso a Pacaraima e Amajari interditadas, e sem muita opção de lazer para os roraimenses neste feriado prolongado, espero que o policiamento seja reforçado em todos os bairros da Capital, já que o governo finalmente pagou os servidores dentro do mês. Nesta época, como bem sabemos, os bandidos agem com mais intensidade efetuando assaltos. É hora de o policiamento estar em peso coibindo a ação destes marginais”, destacou a leitora Amanda Lopes.TARIFASobre o reajuste na conta de energia, a leitora Elizabeth Monteiro da Silva disse: “É uma vergonha. O governo brasileiro compra a energia de Guri a um custo baixo e revende para o consumidor a preços estratosféricos. É o povo sempre pagando a conta dos desmandos e desfalques desse governo. Se quiserem aplicar o reajuste anual, tudo bem, mas que pelo menos fosse um valor justo, e não este absurdo de mais de 40%”.