Os sofisticados vendilhões do templo que hoje usam a política partidária
Jessé Souza*
Uma das cenas bíblicas que quase nunca ganha destaque na fala dos religiosas é a dos “vendilhões do templo” (João 2,13-25). Trata-se da passagem em que Jesus Cristo expulsa os vendedores que ocupavam o templo, que é a Casa do Senhor. Na verdade, Ele fez isso duas vezes.
Na primeira vez, alguns meses depois de ser batizado, Jesus foi para Jerusalém, onde havia uma multidão para comemorar a Páscoa, quando o hábito era oferecer sacrifícios de animais, atraindo várias pessoas que aproveitavam a oportunidade para vender animais aos fiéis que chegavam a Jerusalém.
Então, quando Jesus chegou ao templo, logo observou vendedores de ovelhas, bois e pombas, pessoas que estavam lá apenas com o propósito de ganhar dinheiro. O Filho de Deus não contou conversa: pegou umas cordas e fez um chicote, com o que colocou as ovelhas e os bois para fora do templo. Depois derrubou as mesas dos vendedores e jogou as moedas deles no chão.
Visivelmente irritado, Jesus disse para os homens que vendiam pombas: “Tirem tudo isso daqui! A casa do meu Pai não é lugar pra ficar comprando e vendendo coisas!”, deixando todos surpresos com o que estavam vendo. Três anos depois, a cena de repetiu: Jesus foi ao templo e expulsou os vendedores de novo, pedindo que todos respeitassem a Casa de seu Pai.
Dois mil anos depois, os vendilhões do templo não apenas seguem, como se sofisticaram. Eles não vendem mais animais para sacrifícios. Nem bugiganjas. Nem comidas. Nem cartela de bingo em quermesses no fundo das igrejas. Agora, os próprios pastores vendem a fé para pessoas desesperadas ou que foram doutrinadas a temer a vinda de Jesus.
Esses religiosos vendilhões adoram explorar a profecia de que Jesus vai voltar (Apocalipse 22:12) para julgar a humanidade, destruir o mal e dar vida eterna aos salvos. Antes a Igreja Católica vendia indulgências, em que pessoas de posse compravam a remissão absoluta dos seus pecados e, por conseguinte, as penas temporais, tanto em vida quanto na morte, garantindo assim seu “pedaço de terra” na eternidade.
Agora a bandalheira está mais sofisticada. Jesus teria dificuldade para repertir a cena do chicoteamento, chutando o balde e derrubando as mesas. Ele teria que chicotear os próprios pastores vendilhões que enganam suas ovelhos temerosas por arderem no fogo eterno do inferno. E não se trata apenas de desviar o dízimos ou de tomar os bens dos mais miseráveis enganados pela promessa de uma prosperidade que só enchem os bolsos dos vendilhões.
A coisa anda tão descarada que o pastor José Wellington Bezerra da Costa, um dos líderes mais influentes da Assembleia de Deus, admitiu que a igreja tem feito a intermediação do pagamento de emendas parlamentares para eleger três de seus filhos em São Paulo, que é o maior colégio eleitoral do País. Por lá, os fiéis são orientados a votar nos cadidatos apoiado pelos pastores, os quais seriam “ungidos” pela igreja.
Os três filhos do pastor (o deputado federal Paulo Freire Costa, do PL-SP; a deputada estadual Marta Costa, do PSD-SP; e a vereadora Rute Costa, do PSDB-SP) tiveram acesso a R$ 25 milhões em recursos públicos, no ano passado. São as emendas secretas que são liberadas somente a partir do pedido do pastor da Assembleia de Deus.
Tudo isso que foi dito por José Wellington está gravado em vídeo, durante reunião de obreiros, na segunda-feira, em SP. Ele disse: “O eleitorado que ali está, irmãos, não é do prefeito, mas são irmãos em Cristo que estão nos apoiando para que os nossos candidatos continuem trabalhando.” Amém, irmãos? É a corrupção ungida em nome da igreja.
Dá até para lembrar o processo em que o empresário e ex-depuitado Airton Cascavel (preso sob acusação de estupro) foi condenado pela Justiça Eleitoral, no ano passado, em que um pastor evangélico foi flagrado com dinheiro para comprar votos em Cacararaí. Corrupção ungida a ponto de pastores estarem envolvidos até o pescoço na velhacaria da política eleitoral.
Há tanta coisa para consertar no mundo, mas é possível arriscar na ideia de que Jesus, se voltasse hoje, teria como uma de suas primeiras atitudes chicotear os vendilhões do templo. Nem precisaria ir a cada um dos templos. Bastaria ir a Brasília, onde todos costumam se reunir para negociar a fé de suas ovelhas. Ou, na melhor das hipóteses, acabar com tudo e começar do zero novamente.
– Haja a luz!
*Colunista