Bom dia,
A Primeira Instância da Justiça Federal em todo o Brasil vem se transformando em objeto da ira dos políticos que se envolvem na prática criminosa de desvio de dinheiro público. Juízes e juízas que têm coragem de decidir contra os interesses dessa são acusados, achincalhados, ameaçados, denunciados pela imprensa e chegam mesmo a ser representados junto ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça), num claro recado para que não “mexam” com eles, que se julgam acima da Lei?
A recente operação feita pela Polícia Federal envolvendo parentes muito próximos do senador Romero Jucá (PMDB) é um exemplo acabado do que estamos falando. Antes mesmo de saber de quem partira a decisão judicial para a expedição dos mandados de busca e apreensão e de condução coercitiva contra seus parentes, Jucá não titubeou em acusar uma juíza de perseguição, e de dizer que ela já era objeto de um processo por abuso de autoridade junto ao CNJ, sem revelar que o autor da reclamação foi o próprio filho, um dos alvos da operação policial.
Nós daqui da Folha, fomos consultar diretamente o CNJ, e imediatamente divulgamos na FolhaWeb, e posteriormente na edição impressa da Folha, que Jucá não dizia a verdade, já que a magistrada federal que mandou expedir a ordem era outra, e não aquela representada por seu filho junto ao CNJ. Esse equívoco, que é criminoso só reflete a certeza de que alguns políticos não aceitam sequer que parentes seus sejam investigados, como acontece com qualquer cidadão brasileiro, objeto de suspeição de práticas criminosas.
E como interpretar esse tipo de conduta partida desses políticos? Será o sinal de desespero em função de sentirem o cerco apertar-se à sua volta? Será uma manifestação de arrogância de quem se julga com muito poder? Será a demonstração acabada de quem tem absolutamente a crença de que a impunidade vai prevalecer? Pode ser uma dessas alternativas, ou quem sabe todas elas juntas. Seja qual for a resposta, ou as respostas, o certo é que alguns juízes federais brasileiros -Sérgio Moro (Curitiba), Wallisney Oliveira (Brasília), Marcelo Brettas (Rio de Janeiro), agora essa jovem magistrada Ana Emília Aires, juíza daqui de Roraima-.têm tomado decisões corajosas que podem sinalizar uma mudança nesse quadro de impunidade a que se acostumaram esses políticos. Daí a irritação raivosa deles, com pitadas de ameaças.
E de quem é a responsabilidade pela existência dessas condutas agressivas e de ameaças a juízes federais, quando eles têm a “petulância” de contrariarem os que se julgam acima da Lei? Seguramente, que o instituto odioso do Privilégio de Foro é o principal elixir que dá “coragem” a todos eles. Não fosse esse inaceitável privilégio muito deles, por certo, já estariam na cadeia, iguais a mais de uma centena de condenados à prisão pelos juízes Sérgio Moro e Marcelo Brettas. E segundo lugar, sem qualquer dúvida, vem a estranha lentidão dos ministros do Supremo Tribunal Federal, que após quase quatro anos de apuração de roubalheiras, descobertas na operação Lava Jato, não condenaram qualquer dos parlamentares denunciados pela Procuradoria Geral da República. E isso alimenta a “coragem” deles ao ameaçarem os juízes federais de Primeira Instância no Brasil.
RELEMBRANDOA propósito da reação do senador Romero Jucá, contra a juíza que mandou expedir os mandados de busca e apreensão nas residências, e de condução coercitiva, contra seus parentes, desde sexta-feira, dia 29, circula às escâncaras em redes sociais um vídeo gravado na cidade de Mucajaí, no dia da votação das eleições de 2014, quando seu filho era candidato a vice-governador. Nele, Jucá aos gritos, ameaça e desafia uma juíza estadual, na ocasião presidente do pleito naquele município, que mandara retirar uma propaganda irregular – muito próxima da seção eleitoral-, de seus candidatos. A cena, desmoralizadora do Poder Judiciário, foi presenciada por centenas de pessoas, e mês o assim, o agressor não sofreu qualquer punição.
MINHA AUTORIAEnquanto agredia e ameaçava a juíza estadual no dia da votação das eleições de 2014, Jucá revelou toda a arrogância que acostuma adotar quando quer impor sua vontade. Quando a juíza, de forma muito contida, lembrou que a Lei fixava uma distância mínima entre a fixação de propaganda eleitoral e os locais de votação, Jucá disse em alto e bom som, para ser ouvido pela plateia que o rodeava, que fora ele que fizera aquela lei, e que, portanto, a conhecia melhor que a juíza intimidada. Como se este país tivesse se transformado numa ditadura onde um único parlamentar tivesse competência para, sozinho, fazer leis.
NOTAPara encerrar esse assunto que virou um imbróglio político -pouco crível num país de quem se diz estarem as instituições funcionando regularmente-, quando o senador Romero emitiu nota agredindo uma juíza federal, a Associação Juízes Federais do Brasil (Ajufe) emitiu Nota Pública repudiando “toda e qualquer forma de ataques pessoais aos magistrados e manifestar irrestrita defesa à independência judicial”. A nota prossegue: “Por isso, são inadmissíveis os ataques à juíza federal Luzia Farias da Silva Mendonça, titular da 4ª Vara Federal de Roraima, unidade onde tramitam os autos da operação Anel de Giges, realizados gratuitamente…”. Em tempo: não foi esta a magistrada que mandou expedir os mandatos que atingiram os parentes do senador Romero Jucá.