Bom dia,

É impossível não tratar neste espaço das escaramuças que ocorreram na cidade de Pacaraima, fronteira do Brasil com a Venezuela. É impossível igualmente não comentar as declarações do presidente da República, e de seus ministros mais próximos sobre as providências anunciadas para o enfrentamento do clima de tensão que se apossou da população local, não só daquela cidade fronteiriça, mas também da população boa-vistense criada pela ineficácia, até agora, do acolhimento humanitário prometido pelo governo federal em relação ao intenso fluxo migratório de venezuelanos para Roraima.

Alguém tem de lembrar a Michel Temer (MDB) que ele é presidente da República, e tem responsabilidades das quais não pode se afastar, mesmo que sua motivação maior seja a de reeleger seu principal correligionário político no estado. É preciso igualmente dizer a ele, que ninguém deve brincar e desdenhar do sofrimento explícito, com contornos de tragédia, a que estão submetidas duas populações nacionais; a brasileira que mora em Roraima obrigada a conviver com flagrante depreciação de sua qualidade de vida, agravada pela inércia do governo federal; e a outra de migrantes venezuelanos miseráveis, tangidos de sua própria pátria pela ditadura que ali se instalou com Hugo Chávez, e sua criatura Nicolás Maduro.

É igualmente premente que alguém diga aos atuais inquilinos do Palácio do Planalto que o povo roraimense não é idiota, apesar de já ter eleito alguns velhacos que só o desonram. Dizer que a situação em Roraima não é tão tensa quanto parece, e que a migração desenfreada não tem desorganizado a vida no estado, a ponto de estimular as cenas de violência como as de Pacaraima agora, e em Mucajaí, há poucos meses atrás, é tratar de uma questão republicana da maior seriedade com escárnio e desrespeito à inteligência de quem vive em Roraima o enfrentamento de uma tragédia que vem sendo anunciada há bastante tempo.

É fundamental, de outro lado, que a população roraimense repudie com toda a força de que possa dispor essa odiosa acusação de que os crescentes conflitos entre parcela da população local e parcela dos migrantes se dão por conta de uma postura de xenofobia. Essa é uma conclusão, e uma justificativa, absurdas que não se sustentam diante da enorme tradição do roraimense de receber bem os migrantes, até mesmo alguns que só vieram para pilhar dinheiro público em Roraima. Como Temer e seus ministros não têm dado a menor importância aos problemas da migração, evidentemente não sabem das centenas de demonstrações humanitárias de boa-vistenses que se uniam para levar comida para as pessoas famintas que se aglomeravam, e ainda perambulam pela cidade.

Eles, os dirigentes do governo federal também nunca prestaram a atenção no depoimento de centenas de migrantes, elogiando o bom coração dos roraimenses que em inúmeros casos, abrigaram, deram comida e tratamento humanitário a eles. É claro, à proporção que o contingente de migrantes aumentava sem controle, também surgia alguma esgarçamento no convívio entre os locais e os migrantes. Especialmente por conta da omissão criminosa dos agentes públicos federais, que nunca tomaram com vontade política o enfrentamento dos problemas gerados pela chegada de tanta gente ao mesmo tempo, a um local com pequena população como a nossa e economia fraca como a roraimense.

Se tivessem realmente honestidade de propósito, os dirigentes do governo federal brasileiro, em vez de ofenderem a dignidade do povo roraimense, prestariam um pouco mais de atenção na questão migratória, que também se abate sobre alguns países da Europa. Ali, alguns países já reagiram contra a chegada de migrantes africanos e islâmicos. Pressionados pela opinião pública internacional, esses países têm dividido a recepção desses migrantes, e os dividem em grupos de 50 a 100 pessoas, para que impactem menos na vida de suas populações. É preciso dizer que são países com milhões de habitantes, e a chegada de poucas dezenas de migrantes não tem o poder de alterar significativamente a vida naqueles países.

Atenção, senhores inquilinos do Palácio do Planalto: em Roraima, segundo estimativas, porque não se tem dados oficiais, existe algo em torno de 50.000 migrantes, para uma população de pouco mais de 500.000 habitantes, o que faz a diferença.

Finalmente, quem nivelou por baixo a discussão sobre a migração, que deveria ser mantida em nível republicano, foram as autoridades federais, que após uma reunião de 5 horas de duração, ocorrida ontem (domingo), no Palácio do Planalto para tratar a questão, divulgaram Nota Oficial, acusando a governadora do estado, Suely Campos (Progressistas) de tentar criar uma situação artificial de inquietude social no estado, para melhorar nas pesquisas de intenção de votos, e de sobre derrotar o notório senador Romero Jucá (MDB), principal aliado de Temer em Roraima.

Ora, isso é risível e sem paralelo na história recente do país. E não precisa ter procuração, ou ser correligionário da atual governadora, para descobrir que toda a conduta do governo federal até agora, teve como pano de fundo, essa questão eleitoreira. É desprezível ver que o sofrimento de milhares de pessoas não sensibilize essas autoridades, que o aproveitam para tirar qualquer lasquinha de benefício eleitoreiro. A população de Roraima, que não é xenófoba, vote ou não na atual governadora, tem de reagir às ofensas que lhes são imputadas.