Bom dia,
O Minha Casa Minha Vida foi, sem dúvida, o principal programa social do governo da deposta presidente Dilma Rousseff (PT), que tinha o papel fundamental de prover moradia adequada, a baixo custo para o adquirente e, de quebra, serve para diminuir o caos provocado pelo uso inadequado do solo urbano. Espalhado pelo Brasil afora, o programa também foi no governo da petista um mecanismo de geração de emprego na indústria da construção civil. Embora financiadas pela Caixa Econômica Federal (CEF), as unidades habitacionais têm seu custo altamente subsidiado, o que reduz as prestações a serem pagas pelos mutuários com prestações irrisórias em relação aos preços de mercado.
Talvez o enorme subsídio, dado com recursos orçamentários ao programa, tenha chamado a atenção dos políticos que se acostumaram a tirar benefícios do dinheiro público a cada oportunidade oferecida. Desde que Michel Temer (PMDB) assumiu o governo, várias denúncias de corrupção e de escândalos, ocorridos em obras em todo o Brasil, foram divulgadas pela imprensa, atribuindo tais irregularidades ao governo de Dilma Rousseff. Obras inacabadas, de má qualidade, com defeitos estruturais e sem a infraestrutura prometida. Como sempre, os raros acertos de governos no Brasil nos últimos anos restam condenados ao fracasso pela sanha criminosa de alguns políticos.
Ontem os roraimenses acordaram com a notícia de que equipes da Polícia Federal estavam nas ruas de Boa Vista, Belo Horizonte e Brasília para cumprirem dezenas de mandados de condução coercitivas – que é quando uma pessoa é conduzida para depor sob escolta policial – contra pessoas ligadas ao senador Romero Jucá (PMDB), líder do governo no Senado Federal, e de busca e apreensão em residências dessas mesmas pessoas. Também eram alvos da operação o superintendente geral da Caixa Econômica Federal e dirigentes de uma construtora. A acusação era a de que houve o desvio de cerca de R$ 32 milhões da obra de um conjunto habitacional, constituído de quase três mil apartamentos em Boa Vista, – o Vila Jardim, no bairro Cidade Satélite.
A história da construção desse conjunto Vila Jardim é marcada por desacertos desde o começo. Para começo de conversa, decidiram construir mais de 150 blocos de apartamentos, reunindo em habitações verticalizadas uma população de mais de 12.000 pessoas com esmagadora maioria sem experiência nessa modalidade, que exige práticas de convivência diferente da habitual moradia individual e com quintal. Para que se tenha uma ideia do desatino, a população do Vila Jardim só é menor que a de Boa Vista e de Rorainópolis, as duas maiores cidades roraimenses.
O local escolhido para obra era uma área rural, contígua ao bairro Cidade Satélite, zona Oeste de Boa Vista, que foi descaracterizada de rural para urbana em tempo recorde pela Empresa Municipal de Urbanismo (EMHUR), autarquia da Prefeitura Municipal de Boa Vista encarregada de executar a política de urbanismo da Capital. Como área rural, o local não dispunha de qualquer infraestrutura urbana, restrição que foi resolvida com a aceitação da Caixa Econômica Federal, de uma declaração da Prefeitura de Boa Vista, de que ficaria comprometida a realizar as obras infraestruturais exigidas pelo programa. Diga-se, a propósito, que a obra do Vila Jardim era do governo estadual, sem parceria formal com a administração municipal.
Por coincidência, uma das justificativas para a operação desencadeada ontem foi justamente o preço pago pela CEF, pelo terreno onde se edificou a obra; uma pequena parcela da fazenda, “Recreio”, matriculada no Cartório de Registro de Imóveis em nome de Rodrigo Jucá e Marina Jucá, filhos do senador Romero Jucá; e de Luciana Surita e Ana Paula Surita, filhas da prefeita Teresa Surita. Segunda a Polícia Federal, o valor pago pelo terreno, R$ 4.000.000,00, estaria muito acima daquele praticado no mercado.
Evidentemente, sendo verdadeira acusação de superfaturamento na venda do terreno onde se edificou o Residencial Vila Jardim, é pouco crível que qualquer um dos quatro supostos proprietários do terreno tenham influência suficiente para “convencer” os dirigentes locais da Caixa Econômica Federal, mesmo que um deles, Rodrigo Jucá, tenha sido superintendente do Sebrae-RR, deputado estadual, secretário municipal de educação e saúde, tudo pelas mãos do pai senador. As outras três acusadas, inclusive a filha Marina Jucá, teve rápida e discreta passagem por Roraima, tendo saído do Estado com a mesma discrição com que chegou.
As filhas da prefeita Teresa Surita não são conhecidas por transitar em bastidores traficando influência. Luciana Surita, atual superintendente do Sebrae-RR, tem igualmente um perfil relativamente discreto, e não consta que tenha igualmente influência capaz de impor a venda a CEF de um terreno à preço superfaturado. A outra, Ana Paula Surtia, vive há muito tempo fora de Roraima e, pelo que se sabe, não ocupa cargos públicos, vivendo como empresária em Brasília.
Todas essas reflexões não passam perto de qualquer tentativa de contestar a existência desse rol de irregularidades já levantado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal, afinal, a decisão da juíza federal que mandou executar os mandados de ontem tem, com certeza, elementos de convicção para justificá-la.
O que se quer é chamar a atenção para a prática de muitos políticos brasileiros de usar “laranjas” para o cometimento de irregularidades e, nalguns casos, nem mesmo os parentes e filhos escapam disso.