Práticas antigas que acabam sendo jogadas na conta do inverno
Jessé Souza*
O rompimento de um bueiro na BR-210 no Município de Caroebe, rodovia esta que interliga os municípios do Sul e Sudeste do Estado, ocorreu na manhã de ontem durante as fortes chuvas que vêm caindo em todo o Estado. Mas há um “porém” que vai além do fator climático: quase todas as obras em Roraima, e isso vem desde a fundação do Estado, são realizadas sem os devidos levantamentos e estudos para se evitar surpresas diante da força da natureza.
A BR-174 é um bom exemplo disso, pois durante décadas ocorrem alagamentos do leito da pista e rompimento de bueiros onde as obras de engenharia poderiam ter resolvido se o nível da pista tivesse sido elevado com aterros e instalados bueiros bem dimensionados para prevenir a força das enxurradas. E assim ocorrem com as demais estradas federais e estaduais, bem como vicinais importantes para escoamento da produção de pequenos produtores.
Um caso recente ocorreu na Vicinal 31 do Município de São João da Baliza, no Sul do Estado, onde a obra de terraplenagem da estrada foi entregue em um dia e, no outro, já estava alagada porque a empresa contratada pelo governo não fez a drenagem. Os próprios moradores gravaram vídeos alertando para o que iria acontecer, quando foram feitas imagens da vicinal aterrada apenas com barro compactado.
Em um dos vídeos, usando uma linguagem simples de produtor rural, um morador alertou que a obra não iria resistir à primeira chuva porque não foi feita a devida drenagem para escoar as águas. Dito e feito. No dia seguinte, um novo vídeo mostrou o trecho completamente tomado pela água, que se tornou um imenso atoleiro, conforme os moradores haviam previsto. Se os autores da obra tivessem feito um estudo prévio ou ao menos ouvido os moradores, isso poderia ter sido evitado.
Mas, da forma como tudo é feito, parece que os estudos preliminares (se é que eles existam mesmo) são feitos por estagiários e as obras nas estradas executadas sem os cuidados necessários para a boa aplicação dos recursos públicos, prezando por serviços de qualidade que garantam o bem-estar dos usuários com a durabilidade que uma estrada precisa ter diante dos altos valores custeados com o dinheiro do contribuinte.
Um problema semelhante está ocorrendo na RR-203, que dá acesso à Serra do Tepequém, rodovia esta onde há trechos que alagam a qualquer chuva mais forte, como ocorreu este ano. Além disso, o asfalto da rua principal da Vila Tepequém estourou dois meses depois da conclusão da obra, obrigando a empresa a refazer o serviço, desta vez com a devida drenagem, cujo serviço vem provocando transtornos aos turistas e moradores, inclusive com casos de veículos que caíram na vala e com a morte de um policial civil ao se acidentar em um monte de brita que estava na pista.
São vários os casos de obras sem os devidos cuidados em sua execução, os quais não são de hoje. Há um vício que parece insanável por parte das autoridades, que não fiscalizam como deveriam, permitindo o uso de materiais de qualidade duvidosa e/ou submensionados; além de consentirem uma corrupção sistêmica especialmente quando se trata de recursos provenientes de emendas parlamentares. Não se pode esquecer do “caso DER”, nas décadas de 1990 e 2000, o qual foi um grande esquema montado dentro do hoje extinto Departamento Estadual de Estrada e Rodagem, responsável por desviar recursos estaduais e federais destinados à recuperação de estradas.
Há de se destacar ainda que esse desleixe com o planejamento e execução de obras públicas não se resume às estradas. Basta ver o caso do Hospital Geral de Roraima (HGR), que a cada chuva mais forte as goteiras surgem e fazem desabar o teto em cima de pacientes, como ocorreu ontem e vem ocorrendo desde sempre. O caso mais revoltante foi registrado em 2020, quando Taylor Peres, câmera de uma emissora de TV, que estava internado com Covid, morreu depois que uma goteira fez jorrar água do teto em cima do seu leito na UTI. O desalento diante desses fatos é que não surgem perspectivas de que esses desmandos possam ser combatidos, nem mesmo pelos órgãos de controle, os quais parecem tomados pela burocracia ou sobrecarga, que por sua vez gera uma lentidão que pode ser traduzida como impunidade. Sai governo e entra governo, e esses vícios e esquemas se revelam fortes, assim como tem sido visto nas áreas de saúde e educação. E, muitas vezes, esses desmandos ou mazelas são jogados na conta do inverno ou sempre apontados como “culpa do governo anterior”.
E assim vão levando a política…
*Colunista