JESSÉ SOUZA

Projeto que pune as mulheres vítimas de estupro é só mais um na agenda em curso

Projeto de lei tramita de forma rápida, o que tem gerado protestos e manifestações em alguns estados brasileiros (Foto: Divulgação)

O perigoso movimento que tenta eliminar direitos conquistados no país sob muita luta não dá trégua também para as mulheres. Surgiu uma grande articulação para que seja aprovado com urgência um projeto de lei que equipara o aborto ao crime de homicídio, inclusive em casos de estupro, sem se importar que crianças são abusadas diariamente no país.

Longe da discussão religiosa e ideológica, esse projeto traz em seu bojo uma clara intenção de punir as mulheres com mais rigor do que os seus estupradores. Se aprovado, o projeto prevê uma pena maior para as mulheres vítimas de estupro do que aos seus estupradores. A punição para o crime de estupro é de 10 anos de prisão, enquanto para as mulheres que abortarem o projeto determina uma condenação de até 20 anos de prisão.

Estamos presenciando um retrocesso sem precedentes desde a reabertura democrática, uma vez que a legislação atual permite que o aborto é legal em casos de gestação resultantes de estupro. O projeto determina que só poderão realizar o procedimento mulheres com gestação até a 22ª semana, o que pode prejudicar principalmente casos de meninas estupradas cujos casos só vêm à tona meses depois.

Tramitado com urgência, sem tempo para debate, o Projeto de Lei 1904/2024 pretende alterar alguns artigos do Código Penal, com o objetivo de impedir a realização de qualquer aborto quando a gestação passar de 22 semanas. Atualmente, a lei brasileira permite o aborto em três situações: quando a gestação é fruto de um estupro; se a gravidez representa risco à vida da mulher; se o feto for anancéfalo, quadro caracterizado pela ausência do encéfalo e da calota craniana.

O projeto serve de alerta principalmente para as mulheres roraimenses, onde os casos de estupros são recorrentes, principalmente em meninas. Conforme o Mapa de Segurança Pública 2024, Roraima registou 728 ocorrências de caso de estupro em 2022. No ano passado, foram 573 mulheres vítimas desse repugnante tipo de crime.

É necessário que as lideranças femininas estejam atentas para cobrar uma posição firme dos parlamentares contra esse projeto de lei, sabendo que em Roraima já houve inclusive um deputado estadual evangélico que apresentou um projeto de lei que tenta privilegiar os homens sob alegação de supostos “números alarmantes da violência contra os homens”.

Assim como o projeto de lei que criminaliza mulheres que têm proteção legal para abortar em caso de estupro, essa proposta do parlamentar roraimense serve para mostrar o fundamentalismo religioso e o extremismo que impregnaram a política partidária brasileira.

Trata-se de apenas mais um exemplo do perigo que a sociedade corre devido a esse forte movimento que tenta não só restringir, mas suprimir os direitos de boa parte da sociedade usando a religião e a hipocrisia de muitos que se põem acima de tudo e de todos.

*Colunista

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