Quatro casos que se entrelaçam e revelam a situação da saúde pública
Jessé Souza*
Quatro notícias publicadas ontem sobre casos distintos, mas que acabam tendo uma conexão quando analisadas de uma forma mais crítica. Uma delas foi o caso de três homens presos negociando armas de fogo no estacionamento do Hospital Geral de Roraima (HGR), a maior unidade de saúde pública do Estado.
Quem costuma ler matérias de forma superficial não notou que um dos homens presos é um maqueiro que trabalha no HGR, o qual estava tentando comprar um revólver. Só que o trabalho da polícia acabou descobrindo mais coisas além da negociação ilegal de uma arma de fogo.
Na casa do maqueiro foram encontrados rádios transmissores e uma caixa com vários remédios e testes para malária que seriam vendidos para garimpeiros. Ou seja, esse funcionário do governo havia montado, do lado de fora do HGR, um balcão de negócios ilícitos que abastecia garimpeiros.
Não se sabe se os remédios e os testes foram desviados da saúde pública, mas é de domínio público que furtos desse tipo ocorrem e representam outro sério problema nas unidades de saúde, que acaba agravando ainda mais a situação da saúde oferecida ao público, somando-se à corrupção praticada nos gabinetes, conforme vem sendo denunciado.
O maqueiro vendia até rádios transmissores para garimpeiros e provavelmente passou a ter contato com esse mundo no próprio local de trabalho, pois é grande o número de pessoas que chegam com malária e Covid-19 provenientes de área de garimpo. Esses pacientes não escondem que estavam garimpando e falam abertamente nos corredores do hospital.
Significa que a saúde pública também é impactada negativamente pelo garimpo ilegal nas terras indígenas, onde há investigações de denúncias sobre venda de vacina contra coronavírus para garimpeiros a troca de ouro. E isso sem contar com a violência, venda de armas, de drogas e outros ilícitos, além do contrabando de minério que representa a evasão de divisas.
Com base na segunda matéria, as informações divulgadas indicam que o garimpo ilegal é praticado abertamente e somente a polícia que não sabe (ou não quer saber). Três garimpeiros morreram em um deslizamento de terra numa área conhecida como “garimpo do Couto”, no Município de Alto Alegre, na Terra Indígena Yanomami.
A mãe de uma das vítimas informou tudo à polícia: local do incidente e a fazenda, na Vila Samaúma, onde uma pista de pouso serve de base de apoio aos garimpeiros, de onde são enviados e recebidos materiais de garimpagem e pessoas para trabalhar na exploração mineral no meio da floresta a uma hora e meia de voo.
Enquanto a garimpagem ilegal segue ativa, com reflexos na saúde pública, tem o caso de um funcionário usando o estacionamento do HGR para vender armas, equipamentos de comunicação e remédios para os garimpeiros. Enquanto isso, do lado de dentro do HGR as consequências de outro crime, a corrupção, mostram seus reflexos.
Isso pode ser sentido nas outras duas notícias publicadas ontem, uma delas sobre a contratação, pela Secretaria Estadual da Saúde (Sesau), de uma empresa de Fortaleza (CE) que enviou a primeira equipe de cirurgiões que começou a realizar cirurgias eletivas para tentar zerar a fila de espera de nove mil pacientes.
Um detalhe que chama a atenção é que a equipe médica local não consegue acompanhar o ritmo de trabalho da equipe de fora, revelando uma lentidão de trabalho que acaba contribuindo para um grande número de pessoas esperando por cirurgias.
Há mais uma notícia que pode ser citada apenas para ilustrar a esculhambação que virou a saúde pública, cercada por corrupção, má gestão, ingerência política partidária, desvio de remédio e de material por servidores e pequenas “máfias” praticadas por alguns servidores, a exemplo do maqueiro citado na primeira matéria.
Essa notícia informa que o governo parou de custear o tratamento de uma senhora acometida por câncer que precisa do serviço de Tratamento Fora de Domicílio (TFD), impondo um sofrimento a mais para quem luta pela vida com a ajuda de amigos e famílias, enquanto as autoridades lhe negam ajuda.
É apenas mais um detalhe da face de uma saúde pública com seus problemas crônicos, que vão de crimes praticados no estacionamento por um maqueiro, dando apoio ao garimpo ilegal, atividade criminosa em terras indígenas por acaba ajudando a superlotar o atendimento no hospital, até a corrupção sistêmica que levou a saúde para o buraco.
*Colunista