JESSÉ SOUZA

Questão da Gleba Tepequém vai além de um caso isolado que foi parar na polícia

Imagem da Serra do Tepequém via Google Earth: grupo de moradores quer buscar a CPI das Terras

Um grupo de moradores da Serra do Tepequém, ponto turístico localizado no Município do Amajari, Norte de Roraima, está se organizando com a finalidade de procurar a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa de Roraima que investiga a existência de um suposto esquema de grilagem de terras em Roraima.  Eles querem denunciar apropriações irregulares de áreas na região por meio de um provável esquema de grilagem que se vale do georreferenciamento.

A questão em Tepequém se arrasta há muito tempo, com as autoridades em todos os níveis de governo fazendo um profundo silêncio a respeito da questão, a ponto de se tornar um mistério o processo de regularização de toda Gleba Tepequém, que recentemente tornou-se um caso de polícia e que está longe de expor realmente o que está ocorrendo. A apropriação de terras não é nenhuma novidade na região e vem de muito tempo.

Há cerca de oito anos, foi colocado em prática um sorrateiro plano envolvendo autoridades para se apossar indevidamente das terras de Tepequém. O caso foi parar na Justiça, cujo litígio chegou ao fim em maio de 2022, na 4ª Vara da Seção Judiciária da Justiça Federal em Roraima, com o teor podendo ser consultado nos autos do processo de número 1001241-07.2018.4.01.4200.

O caso começou no final de 2017, quando a Superintendência do Patrimônio da União em Roraima (SPU-RR) descobriu que havia iniciado um grande movimento de ocupação de lotes, muitas delas visando a especulação imobiliária. O órgão federal enviou um ofício ao Registro de Imóveis de Boa Vista e recebeu a informação de que havia sido registrada a transferência da Gleba Tepequém, com área total de 402.755,00 hectares, para o Estado de Roraima.

Foi uma transferência de forma sorrateira, comandada pelo Instituto de Terras e Colonização de Roraima (Iteraima), sem qualquer processo ou documento oficial do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária(Incra). A partir daí, começou uma disputa judicial da União com o Estado de Roraima, a fim de desapropriar os supostos invasores e anular a transferência da gleba feita de forma flagrantemente irregular pelo Estado.

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A ação foi protocolada pela União no dia 24/09/2018, cujo fato ficou abafado até hoje, obviamente por envolver autoridades que saíram ilesas de tudo isso, dificultando a vida das pessoas e causando sérios danos a empreendedores do Turismo e moradores de Tepequém, os quais sequer conseguiam regularizar ligações de água, energia e que até hoje não dispõem de um serviço de telefonia celular.

Conforme os autos, a SPU não conseguiu identificar os esbulhadores, mas o órgão estimou 377 ocupações irregulares na serra entre novembro e dezembro de 2017, contra os quais foi solicitada a reintegração de posse para a União. Isso poderia significar a saída de todos os moradores naquela época, inclusive com manifestação favorável do Ministério Público Federal (MPF) para retirar todos os ocupantes, uma vez que o Governo do Estado, mesmo sendo parte da ação, não ligou e deixou passar o prazo de se manifestar, mostrando o completo descaso com Tepequém e seus moradores.

Diante dos riscos de graves prejuízos aos moradores e empreendedores, a Justiça negou seguidas liminares à União para retirar os alegados invasores, apontado algumas justificativas. Ainda em 2018, ao negar a liminar, foi alegado que a SPU não tinha comprovado a data da invasão nem identificado essas pessoas ocupantes, as quais todas deveriam ser informadas sobre a ação e notificadas a se defenderem nos autos.

Em nova decisão, datada de 1º de março de 2021, o juiz federal Felipe Bouzada Flores Viana, ao negar nova liminar, assinalou que a União e o Estado de Roraima já estavam em tratativas para concretizar a transferência da área correspondente à Gleba da Serra de Tepequém, que era objeto da ação movida pela União. Então, determinou que, até que fosse concluída essa transferência, decidiu manter sobrestado o trâmite processual, ou seja, determinou a paralisação do processo até nova determinação.

Afinal, a SPU não havia cumprido a decisão anterior, a qual indeferiu a liminar para que todos os ocupantes dos lotes pudessem ter ampla ciência e se defendessem, uma vez que era grande o número de moradores afetados. E citou a clara disposição da União em transferir as terras para o Estado. Conforme o magistrado, isso colocava em dúvida a necessidade de a SPU mover a ação de reintegração de posse, uma vez que “o cumprimento de desocupação de tal porte teria contundente e negativa repercussão socioeconômica no Estado de Roraima”.

O fato é que o processo transitou em julgado em 24/03/2022, com a sentença determinando o arquivamento dos autos. Isso significou que não existiria mais nenhum impedimento legal para concluir o processo de transferência da Gleba Tepequém para o Governo do Estado, para que finalmente os moradores e empreendedores possam ter a sonhada regularização fundiária de suas propriedades, com fim dos entraves para que haja uma ocupação ordenada. Mas não foi isso que ocorreu até os dias atuais.

De lá para cá, as invasões para fins de especulação imobiliária seguiram sob o silêncio das autoridades. Até hoje surgem pessoas, usando nome de altas autoridades estaduais, fazendo georreferenciamento de áreas que já têm dono, mas que nunca conseguiram regularizar a posse porque não dispõem de recursos financeiros para fazer o georreferenciamento. Neste fim de semana, mais uma vez surgiram pessoas usando nome de autoridades do alto escalão para fazer georreferenciamento, o que levou um grupo de moradores a se mobilizar a fim de denunciar o suposto esquema para a CPI das Terras.

O fato é que, enquanto a questão em Tepequém vem sendo tratada como um caso de polícia reduzido a uma disputa isolada por terra, os moradores afirmam que o problema é bem maior. Há fortes indícios para isso, pois basta ler os autos do intricado processo que tramitou na Justiça Federal até 2022. Lá tem um farto material coletado que vai de uma flagrante irregularidade praticada dentro do Iteraima até a um movimento de especulação imobiliária, conforme querem denunciar o grupo de moradores.

Vem mais barulho por aí…

*Colunista

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