JESSÉ SOUZA

Relatório aponta violência contra povos indígenas e atuação de esquema de grilagem

Monumento na Comunidade Maturuca que mostra uma mão segurando o mapa da Terra Indígena Raposa Serra do Sol \(Foto: Divulgação)

Os principais indicadores de violência e criminalidade do país, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública e o Mapa da Segurança Pública, não especificam se as vítimas são de origem indígena ou não, o que certamente trariam dados extremamente preocupantes sobre os povos indígenas, vítimas não apenas da violência urbana, mas também da ação do narcogarimpo, que somado às disputas entre facções e a letalidade policial são apontados como principais explicações para a alta criminalidade em Roraima com mortes violentas intencionais.

No entanto, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) produz um Relatório da Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, cujo documento de 2024, com dados de 2023, foi divulgado esta semana. Embora sejam números preocupantes, também não se traduzem em nenhuma surpresa diante da atuação do garimpo ilegal, tanto na Terra Indígena Yanomami quanto na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, onde uma organização criminosa desafia as autoridades e continuam agindo, apesar das ações de repressão.

Dados oficiais acessados pelo Cimi mostram que ocorreram de 208 assassinatos no país, com Roraima encabeçando a lista com 47 casos, sendo 9 mulheres e 38 homens. Dados sobre violências sexuais registram cinco casos em Roraima, entre mulheres adolescentes e crianças, exploradas por garimpeiros. Roraima também registrou grande número de suicídios de indígenas, sendo o terceiro Estado da lista, com 19 casos, sendo três mulheres e 13 homens, que é uma situação preocupante relacionada ao elevados índices de violência e de vulnerabilidade social envolvendo estes povos.

O relatório registra o aumento das epidemias e da mortalidade na infância, classificada pelos autores como “resultado estarrecedor” no decorrer de 2023, quando morreram 1.040 crianças indígenas de até 4 anos de idade no Brasil, sendo que em Roraima foram 179 óbitos nesta faixa etária.  Trata-se de uma realidade que foi amplamente divulgada, resultado de anos anteriores da ação do garimpo ilegal e da ausência completa do governo anterior na atenção e cuidado com os povos indígenas.

Mas o relatório do Cimi traz outras informações importantes sobre abandono, em privação de liberdade no sistema prisional, saúde pública, discriminação, educação e vários tipos de violência, inclusive patrimonial, cujos casos refletem os mesmos esquemas denunciados na política local, a exemplo da grilagem de terras, exploração ilegal de madeira e corrupção. No documento há registro de como os operadores agem ao arrepio da lei, desafiando as autoridades em todos os níveis de governo, o que leva a crer que tais pessoas recebem proteção de gente do alto escalão governamental.

O caso de destaque se refere à Terra Indígena Pirititi, no Sul do Estado, onde o Ministério Público Federal e a Polícia Federal realizaram uma ação conjunta, em maio de 2023, para investigar denúncias sobre retirada ilegal de madeira e grilagem de terra, confirmando a invasão por não indígenas e a atuação de posseiros e grileiros, os quais inclusive tinham os registros do Cadastro Ambiental Rural (CAR) sobrepostos a quase metade da terra indígena.

A forma de operar já é conhecida de outras investigações e denúncias no Estado, com um engenheiro agrônomo apontado em um esquema de grilagem digital, cadastrando mais de 6 mil hectares de fazendas que se sobrepõem ao território Pirititi em seu domínio. Esse profissional é acusado de estar associado a um histórico de desmatamento ilegal e práticas corruptas, conforme denúncia apontada pela imprensa, à época (Estadão, 31/03/2023).

Aí está um pequeno resumo da realidade dos povos indígenas de Roraima, em que casos de violência e crimes estão relacionados, em sua maioria, ao grimpo ilegal. Como se sabe, essa atividade criminosa também é a motivação principal da criminalidade que se abate sobre o Estado. São números que a sociedade precisa saber para que possa pressionar e cobrar as autoridades de uma forma geral.

*Colunista

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