JESSÉ SOUZA

Rodoviária conflagrada e a espera por uma tragédia para poder agir

Primeiro caso de venezuelano baleado em frente da Rodoviária de Boa Vista ocorreu há cerca de um mês (Foto: Divulgação)

No espaço de um mês, a cena se repete em frente à Rodoviária Internacional de Boa Vista: mais um homem de nacionalidade venezuelana foi baleado em um provável acerto de conta. Trata-se de um local movimentado, às margens do trecho urbano da BR-401, na divisa dos bairros São Vicente e 13 de Setembro, na zona Sul da Capital.

O primeiro caso ocorreu em 19 de setembro, uma quinta-feira. O mais recente ocorreu neste domingo, 20 de outubro. Até parece reprise, no entanto, é a mesmice de um cenário preocupante em um local que deveria estar bem protegido e preservado, pois a Rodoviária de Boa Vista foi privatizada com este discurso de melhoria para o público.

Quando os políticos querem entregar um bem público para a iniciativa privada, a lógica defendida é que tudo irá melhorar. Mas não é isso o que está ocorrendo. Em dezembro de 2023 o governo estadual repassou a administração da rodoviária para uma empresa da Bahia por 25 anos, ou seja, alugado por um quarto de século a um retorno de 6% aos cofres públicos, para que tudo ali funcionasse perfeitamente.

Enquanto do lado de dentro pouca coisa mudou, do lado de fora a insegurança é o principal temor de quem precisa pegar um ônibus, seja para o interior do Estado ou para Manaus (AM), uma vez que o trecho rodoviário se tornou a principal alternativa devido aos altos preços das passagens aéreas praticados em Roraima, bem como as poucas opções de voos.

Essa insegurança está dentro de um contexto maior. O novo tiroteio em frente da rodoviária coincide com o exato momento em que uma caminhonete furtada em Boa Vista foi recuperada na Venezuela, onde foi abandonada pelos bandidos. O caso ganhou ampla repercussão devido ao apelo feito pelo proprietário do carro nas redes sociais, chegando inclusive a oferecer uma recompensa.

Embora um caso necessariamente não tenha nada a ver com o outro, eles se conectam quando se trata do contexto da migração em massa e a criminalidade que parte do país vizinho. As fronteiras estão escancaradas, a ponto de um carro furtado na Capital passar tranquilamente por um local que deveria estar sendo bem vigiado exatamente para evitar que criminosos entrem e saiam com facilidade.

Sabe-se que todo o entorno da Rodoviária de Boa Vista é dominado por faccionados venezuelanos que não hesitam em impor suas ordens, os quais entram e saem facilmente pela escancarada fronteira com a Venezuela. Com uma fronteira desprotegida e fragilizada, a situação se complica e se reflete na insegurança na Capital, o que pode ser exemplificado no que está ocorrendo na rodoviária, que deveria estar melhor vigiada e protegida pela iniciativa privada, pelo menos no seu entorno.

No entanto, como a segurança pública não consegue fazer frente a esta conflagração do crime naquele setor da cidade, somado à falta de decisões políticas do governo local para mitigar os reflexos da migração em massa, além do descaso do Governo Federal, tudo indica que o bangue-bangue vai seguir, como se fossem cenas repetidas.

Isso até que uma tragédia ocorra, com uma bala perdida matar um trabalhador do local ou de um passageiro que apenas tentava exercer seu papel de ir e vir em uma rodoviária que deveria ser exemplo. Parece que só estão esperando a tragédia ocorrer para que tomem providências drásticas.

*Colunista

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