
Nunca a frase do físico alemão Georg Lichtenberg fez tanto sentido quando agora, em Roraima: “Quando os que comandam perdem a vergonha, os que obedecem perdem o respeito”. No mesmo momento que as manchetes chamam a atenção para os grandes escândalos, uma notícia surge no meio da balbúrdia: a Secretaria Estadual de Educação (Seed) realizou ontem uma operação que flagrou servidores do setor de transporte desviando alimentos da merenda escolar em Boa Vista.
A notícia dessa operação circulou no mesmo momento em que ainda desenrolava o caso do recém-exonerado controlador-geral do Estado, Regys Freitas, que já vinha sendo investigado desde quando era reitor da Universidade Estadual de Roraima (UERR) e foi alvo de uma operação da Polícia Federal em 2023. Na terça-feira, 8, a operação teve sequência na investigação de superfaturamento de serviços e direcionamento de licitações na UERR que chegam a R$108 milhões.
Na operação desencadeada pela Seed, o motorista e seu ajudante foram flagrados desviando 200Kg de alimentos destinados às escolas públicas, sendo oito caixas de frango e cinco caixas de carne bovina. Presos em flagrante, com certeza perderão seus empregos após processo legal, sob discurso do titular da secretaria que falou sobre “compromisso com uma educação livre de corrupção”.
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
Obviamente que se trata de um ato reprovável e que precisa ser punido. No entanto, o mesmo empenho e o mesmo rigor não ocorrem quando os escândalos vêm lá de cima, em que os envolvidos, se forem autoridades, são exonerados, mas reconduzidos para um novo cargo no alto escalão governamental. O ex-reitor da UERR é um exemplo clássico, enquanto a própria Seed é cercada de casos cabeludos. Aos fatos!
Para não fugir do tema “merenda escolar”, é importante retroagir a dezembro de 2018, quando a PF prendeu um ex-secretário adjunto da Seed, que já estava como adjunto da Secretaria Extraordinária de Gabinete Institucional (Segabi) e outros três, inclusive um empresário, acusados de formar uma quadrilha que desviou recursos da merenda escolar. Durante a ação, os policiais encontraram comida vencida e até ossos sendo servidos no lugar de carne aos estudantes da rede pública.
Os acusados emitiam atestados falsos sobre o recebimento de alimentos comprados pelo Estado e entregavam apenas uma parte, tendo 30% dos produtos desviados. O esquema ocorria desde 2016, mas somente em 2018 a estimativa era de um desvio que chegava a pelo menos R$5 milhões envolvendo cinco empresas. Até hoje não se ouviu mais falar sobre isso.
Ainda em dezembro de 2018, a investigação da PF mirou outro esquema, desta vez no transporte escolar, cujo montante dos contratos chegava a R$70 milhões, mas R$50 milhões eram desviados para empresas que recebiam sem cumprir as rotas. Inclusive, os envolvidos foram uma deputada recém-eleita à época e o marido, inclusive essa parlamentar chegou a ser cassada sob acusação de compra de votos. Enquanto isso, escolas no interior e área indígena fechavam as portas por falta de transporte escolar.
Para que não se alegue que se tratam de casos antigos, em junho de 2023 o Tribunal de Contas do Estado (TCE) bloqueou bens do então secretário de Educação e de outros servidores sob suspeita de superfaturamento e pagamento antecipado de R$15 milhões na compra de livros para alunos da rede pública, cujo processo tramitou em menos de um mês, algo extraordinário quando se trata de licitação pública.
Então, além desses e outros casos que vêm ocorrendo de longas datas, remetendo a governos anteriores, não é de se estranhar que servidores assalariados sintam-se tentados a desviar merenda escolar (lembrando que houve outro caso no Município de Alto Alegre em fevereiro passado). É como bem afirmou o físico alemão sobre os que mandam perdendo a vergonha em dilapidar os cofres públicos, enquanto os comandados perdem o respeito.
*Colunista