AFONSO RODRIGUES

Te liga

“A vida é para quem topa qualquer parada, no para quem para em qualquer topada”. (Bob Marley)

Não sei se os outros desligados são como eu. Você não imagina os vexames que passo quando encontro um amigo do peito, e fico minutos gaguejando sem me lembrar do nome dele. É horrível e desagradável. Noite dessas, eu estava num evento, e numa mesa em frente à minha estava um casal. Percebi que o homem tentava me cumprimentar. Sorri pra ele, ele sorriu, e acenei timidamente. Não sei quanto tempo ficamos ali e não consegui lembrar quem era o cidadão. No fim da festa o casal veio até mim e saímos conversando. Só aí foi que descobri que era o cunhado do meu neto. Não tive como disfarçar, e desculpei-me pelo meu desligamento. O homem deu risada e comentou:

– Esquente não, já sei como o senhor é desligado.

A esposa dele aproveitou, e falou:

– Pois é… Naquele dia nos conhecemos, e foi na sua casa. No dia seguinte encontrei o senhor, na rua, e o senhor nem se quer me cumprimentou…

Ela deu uma risada como quem compreendeu, e continuamos no papo. E você nem imagina como me é difícil sair pela tangente, nesses casos. Nem todas as pessoas entendem. Ninguém entendeu naquela noite em que havia uma feira de informática na Praça do Centro Cívico e fui até à barraca. Quando entrei a moça falou eufórica:

– Ei, seu Afonso… vamos fazer um cartão pro senhor.

E já foi se sentando ao computador. Naquele dia meu neto Gabriel completava seu primeiro ano de idade. Aproveitei;

– Ótimo… nesse caso faça um cartão pro meu neto que está aniversariando hoje.

– Ótimo. E como é o nome dele?

– É… é… é…

Depois de longo mastigar de és, apelei:

– Não… vamos fazer o seguinte, eu vou dar uma volta por aí e na volta você fará o cartão.

Não sei quanto tempo rodei pela praça, tentando me lembrar do nome do meu neto. Por isso não voltei à barraca, e só quando cheguei à casa foi que me lembrei do nome do garoto. Sei que é difícil de acreditar, mas é verdade. Por isso, caso eu me encontre com você, amanhã, e não cumprimentar, não leve a mal. É caso natural. E sei que papagaio velho não aprende a falar. Logo, não tenho nenhuma esperança de melhora. Certa vez, estive lá na 1ª Brigada de Infantaria de Selva. Ao entrar fiquei olhando para o busto do Caxias, na entrada. Comentei para o Rômulo:

– Puxa vida, eu já conheço esse busto.

O Rômulo ficou me olhando, mas não falou nada. Dias depois, mexendo nos meus papéis, descobri uma correspondência antiga, da 1ª Brigada me felicitando pela execução daquele busto. Não pude deixar de rir, e muito. Dá pra acreditar? Pense nisso.

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