Jessé Souza

Temos o que merecemos 6107

Temos o que merecemos Eu havia acabado de chegar a São Paulo, após um longo voo até o Aeroporto de Congonhas, para um evento. Era perto do meio-dia, cansado, com fome e sem um destino certo porque não havia dado tempo para reservar um hotel. Por isso, eu me concentrava em pesquisar hotéis no Google ao mesmo tempo em que tentava me desvencilhar das moças com sorriso de propaganda de creme dental, que tentavam o velho golpe de vender assinaturas de revistas semanais disfarçadas de brinde, no saguão do aeroporto.

Em uma daquelas bobeadas, nos cinco segundos de leseira a que todos estamos sujeitos, acabei entrando em um taxi por sugestão de um cara que supostamente organizava a fila para os carros que chegam para pegar passageiros. Quando percebi, era tarde. Havia pegado um taxi clandestino e teria que bolar um plano rápido para sair daquela enrascada. Com 26 anos de jornalismo, tendo vivido situações das mais adversas possíveis, não foi difícil pensar em algo.

Eu já havia estado em São Paulo outras vezes, onde sempre dava um jeito de me encontrar com o Alexandre, filho do cronista que escreve logo abaixo desta página de Opinião da Folha, o nosso mestre Afonso Rodrigues. Ele me acompanhava a pé, pelo Centro, me mostrando os pontos turísticos e históricos da cidade. Por isso foi fácil lembrar um hotel ali nas redondezas da Galeria do Rock e simular que já havia alguém me aguardando.

Minha preocupação nem era com o valor do golpe que o falso taxista iria fatalmente aplicar, mas com relatos que eu já havia lido sobre táxis piratas que pegam suas vítimas e as levam para uma cilada, quando são assaltadas. Meu plano deu certo e fiz o golpista acreditar que eu já conhecia Sampa, que havia alguém me esperando no hotel e que eu só estava com o dinheiro do táxi contado.

O curioso é que, durante a longa conversa que tivemos até chegar ao meu destino, o falso taxista falava da corrupção dos políticos e até criticou o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. No final, o valor da corrida: R$180! A mesma pessoa que atacava a corrupção estava aplicando um golpe, mostrando o valor irreal da corrida na tela do celular, achando que seria mais um trouxa.

Como pedi para ficar perto de um estacionamento de táxis, que certamente abominam os “piratas”, saí do carro, pedi minha bagagem, puxei uma nota R$100,00 e o paguei: “Acho que esse valor é mais que o suficiente. Nem um táxi convencional ganharia esse valor”, disse me retirando em direção aos taxistas. E assim é o Brasil da corrupção, onde moças sorridentes e taxistas piratas já te esperam no aeroporto. É por isso que temos os políticos que merecemos. Porque a corrupção é endêmica e está enraizada de cima para baixo.

*Jornalista

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