Não se trata de nenhuma surpresa. O faroeste caboclo registrado em vídeo na vila Samaúma, no Município de Mucajaí, região Centro-Sul de Roraima, na quarta-feira passada, é mais uma cena da disputa de território do crime organizado que, agora, quer o domínio do entorno do garimpo ilegal, o qual eles já controlavam até antes das operações de desintrusão de garimpeiros da Terra Indígena Yanomami.
A disputa passou a ser pelo território do que restou das áreas do narcogarimpo, o que também não se trata de novidade, conforme é amplamente divulgado a partir das operações policiais. O que muda é que o garimpo ilegal não gera mais o lucro desejado, e passou a ocorrer a divisão de despojo do que ainda resiste de rota de garimpo e do tráfico de droga entre bandidos brasileiros e venezuelanos.
O cenário começou a ser montado lá atrás, a partir de 2019, quando os políticos deram apoio (ou foram coniventes) para a invasão garimpeira a terras indígenas e fizeram de tudo para legalizar a abertura dessas áreas e a legalização dos chamados “garimpos artesanais” em seu entorno como parte de uma capciosa estratégia nacional.
É nesse entorno – classificado na proposta dos políticos como “áreas brancas”, por ficarem fora de terras protegidas – que surgiu e foi mantida toda estrutura de apoio ao garimpo ilegal e tráfico de drogas, inclusive pistas clandestinas, cujas atividades passaram a se associar, por isso foram chamadas de narcogarimpo.
O Estado de Roraima puxou a frente de abrir precedentes para legalizar o garimpo nessas “áreas brancas”, chegando a aprovar uma lei estadual autorizando a mineração fora de terras indígenas, o que significava tornar todo o entorno de terras indígenas um garimpo legalizado, inclusive com o uso de mercúrio, conforme a Assembleia Legislativa aprovou e o Executivo sancionou.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou esta lei roraimense inconstitucional, brecando a grande trama de políticos e empresários garimpeiros de todo o País, os quais tinham nessa lei uma grande estratégia de legalizar essas áreas no entorno como garimpos legais para que assim oficializassem ponto de apoios às invasões a terras indígenas.
Atualmente, como as pistas clandestinas estão sendo alvo de operações policiais e outros agentes federais, assim como todas as atividades e movimentações de apoio ao garimpo ilegal no entorno de terras indígenas, restou essa disputa entre faccionados pela manutenção do tráfico de drogas, que está bem representada por esse faroeste caboclo em Mucajaí que, junto com Iracema e Alto Alegre, estão exatamente no entorno da Terra Indígena Yanomami.
Somente a presença efetiva do Poder Público de todas as esferas de governo pode frear esse avanço do crime nessas regiões. Não se trata apenas de um caso de polícia, mas de ações efetivas, inclusive dos municípios, para ocupar, garantir estrutura, dar apoio às populações e fomentar o desenvolvimento. Ou seja, tudo o que já sabemos que os políticos não têm interesse. É uma realidade que pode ser comparada ao que ocorre nas periferias das cidades, onde faccionados disputam liderança.
*Colunista