JESSÉ SOUZA

Últimas decisões da Justiça Eleitoral indicam que não se pode mais tolerar o eleitor corrupto

Eleitor corrupto tem sido beneficiado até quando é flagrado, tratado apenas como mais uma vítima do sistema (Foto: Divulgação)

Até os dias atuais ainda é possível observar a “feira-livre” da venda de voto na noite anterior ao dia da eleição, que se estende por toda a madrugada do dia do pleito, quando famílias inteiras ficam de vigília em frente de casa ou nas esquinas esperando alguém para comprar o voto. Não é mais tão intenso quanto em décadas anteriores, a partir da instituição efetiva do Estado de Roraima com a eleição do primeiro governador, no início da década de 1990,  

Eram tempos de uma desavergonhada permissividade, quando o eleitor roraimense não se intimidava nem se envergonhava de esperar que algum carrão cheio de dinheiro aparecesse para comprar votos. Alguns lançavam “santinhos” pela janela do carro com cédulas de dinheiro emboladas com elásticos. Ou colocavam “santinhos” grampeados com dinheiro na caixa dos correios. Até o “homem da mala preta” aparecia. Era um vale-tudo em que o candidato sabia que precisava comprar e o eleitor exigia que tinha de vender.

Em tempos de celular com internet e máquina fotográfica, uma feira-livre nesses moldes não se sustenta mais. Então os partidos e candidatos precisaram se renovar em matéria de compra de voto e o eleitor se aperfeiçoar em vender seu voto. E assim está sendo, inclusive com a anuência da Justiça Eleitoral (mais embaixo isso será explicado), a ponto de candidatos com robustas provas flagradas e colhidas pela Polícia Federal estarem sendo absolvidos porque a condenação por corrupção eleitoral exige provas sólidas e inequívocas.

Provas robustas e de forma inequívoca significam a confirmação do eleitor de que ele realmente vendeu seu voto. No entanto, até aqui, o eleitor corrupto é tratado com vitimismo, como se ele sempre fosse o coitadinho dentro da grande engrenagem da compra e venda de voto. E assim os políticos corruptores se livram dos crimes eleitorais, e os eleitores corruptíveis sequer são investigados para instruir os processos, embora haja lista de pagamento com nome e título de eleitor.

O vitimismo em relação ao eleitor corrupto é corroborado no dia da eleição, quando ele é detido por cometer crime eleitoral, mas já recebe tratamento especial ao serem encaminhados para ginásios, em vez de flagranteados e conduzidos à delegacia. Porém, encerrada a votação, esses eleitores são liberados sem qualquer fiança ou a arbitragem de uma medida cautelar, sem que ninguém conteste isso, normalizando que a corrupção está somente nos partidos e nos políticos.

Isso precisa mudar, pois sabe-se que a corrupção está também no eleitor, a ponto de muitos candidatos que surgem com propostas moralizadoras ou com projetos voltados para o bem coletivo acabam desistindo porque, ao se apresentarem como pré-candidatos, logo surgem eleitores barganhando seu voto ou os pressionando a montarem grupos de apoiadores que irão trabalhar somente por dinheiro, que é a nova forma de venda de voto, dentro de uma permissividade tolerada legalmente.

Diante das mudanças na legislação eleitoral e do avanço da tecnologia que permite qualquer pessoa flagrar crime eleitoral com um celular, a corrupção eleitoral se modernizou a fim de manter esse pacto entre eleitor e políticos igualmente corruptos em que a normalização permitida pela Justiça eleitoral é “eu finjo que não estou vendendo meu voto, e você finge que não está comprando”.

A política do fingimento, permitida e não fiscalizada, começa pela existência do papel dos fiscais de partido, que nada mais são do que eleitores pagos para votar em determinados candidatos e simular que estão fiscalizando; ou dos chamados “bocas de urna”, também pagos para simular que estão trabalhando no dia da eleição, os quais sequer estão cadastrados e que, pelo fato de os dados não serem públicos e transparentes, ninguém consegue fiscalizar. Nem a Justiça Eleitoral tem estrutura para fiscalizar, portanto, torna-se uma nova forma de “feira-livre” do voto explícita e legalizada.

Como nada disso é fiscalizado e regulamentado, partidos e candidatos  flagrados no dia da eleição com uma soma alto de valores, inclusive com lista de nome de eleitores, argumentam que o dinheiro é para pagar fiscais e boca de urna, tendo o dinheiro liberado e com os policiais pedindo desculpa ao advogado. E assim o papel decisivo do eleitor corrupto é ignorado e até vitimizado, contribuindo para as novas modalidades de corrupção eleitoral e para que políticos corruptos pegos com a mão na boca da botija sejam absolvidos.

Essa modalidade legalizada de compra de votos ainda permite a existência do papel do aliciador oficial, que são os apoiadores e coordenadores de equipes de fiscais e bocas de urna, os quais saem de campanhas eleitorais vitoriosas como verdadeiros barganhadores de cargos, salários, benesses e outras vantagens. Eles são muitos e se apresentam  bem articulados, muitas vezes sequer aparecendo quando se fala em corrupção eleitoral.

Trata-se de uma explícita corrupção pós-eleitoral em que tais coordenadores e “apoiadores voluntários” se sentem poderosos a ponto de fazerem ameaças a políticos depois de eleitos e de manterem eleitores corruptos sob seu comando. Eles montam grupos de WhatsApp como se fossem verdadeiras forças políticas, prontos a aliciarem eleitores e ameaçarem políticos.

E todo esse grande esquema sai fortalecido quando a Justiça Eleitoral livra políticos acusados de crimes eleitorais, cujos assessores e apoiadores foram flagrados com provas substanciais, mas que não aparece um eleitor para assumir que vendeu o voto. Tudo isso precisa ser discutido. No entanto, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) está preocupado com o uso da Inteligência Artificial (IA), enquanto as verdadeiras inteligências atuam às claras, com esquemas bem montados se beneficiando da lei em que o eleitor corrupto não passa de um vitimizado.

*Colunista

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