JESSÉ SOUZA

Um cafezinho, por favor! E um raio fulminante na cabeça daquele ímpio

Réplica gigante de arma de fogo levada por evangélicos à Marcha para Jesus no Espírito Santo: adoração ao deus-revólver (Foto: Divulgação)

Estávamos em um evento no Município de Mucajaí, para uma aula prática sobre Turismo, em dezembro passado, debaixo de um enorme pé de coqueiro, com imensos cachos pendurados sobre nós, à beira de uma piscina. Alguns olharam para cima e imediatamente trocaram de lugar com receio de que uma daquelas pesadas bolas em forma de fruto caísse fatalmente sobre nós.

Eu simplesmente olhei para cima e disse: “Minha fé é inabalável e vou continuar aqui”. Ao lado, estavam o pai e uma filha evangélicos, então afastei a minha cadeira para mais perto deles, dizendo: “E para reforçar minha segurança, vou ficar mais perto desses dois aqui, que com certeza também têm muita fé”.

Para minha surpresa, a resposta veio imediata. Disseram, quase como se fosse um jogral, um complementando a fala do outro, que um raio poderia cair em cima de nós três, mas que somente eu iria morrer, pois obviamente eu ali era o pecador que mereceria morrer. Mas, eles não. Eles estariam ali protegidos e ungidos por Deus porque estava com a capa dos evangélicos.

É sobre isso que tenho falado. Sobre o Deus que a maioria dos que se dizem cristão pregam. Um Deus impiedoso e vingativo, que nunca fecha os olhos, que está pronto para castigar e até enviar um raio sobre as cabeças de quem não seria digno das religiões que esses cristãos pregam.

No tempo de Moisés, esse povo estava esperando justamente um Deus com sangue nos olhos e com um raio destruir nas mãos, que viesse com todo o seu imenso poder para aniquilar os ímpios, destruir os que não eram eleitos, acabar com toda aquela raça não digna de qualquer salvação. Mas veio um Jesus falando de paz e amor, negando qualquer ato de violência. Não teve outra: O mandaram para a cruz e pediram para que soltassem Barrabás em troca.

É desta forma que muitos cristãos que buscam respaldo bíblico agem, sempre se colocando como a elite dos eleitos, dignos de todas as bençãos divinas e benesses celestiais, enquanto aos que não professam da mesma graça que eles julgam ter estão abertas as portas do inferno, a desgraça dos não eleitos e o sofrimento como castigo da ira divina.

Quando surgem mensageiros com sangue nos olhos, que pregam o apocalipse contra os não eleitos, que bradam como se fossem justiceiros falando em nome de Deus, então esses cristãos imediatamente se rendem, dobram os joelhos, o tratam como mito, um prometido, como se estivessem a repetir: “Soltem Barrabás”.

Porque eles não acreditam no amor pregado por Jesus. Porque eles querem um justiceiro que mate todos e leve para o paraíso os eleitos (no caso, apenas os evangélicos) ou para uma terra sagrada onde só eles possam viver. Vivem resgatando as letras do Velho Testamento cheias de ira e vingança, negando as palavras do próprio Filho de Deus que chegou pregando somente que todos se amem.

O amor não está na agenda dos supostos eleitos. A ponto de terem levado uma imensa réplica de revólver para ser exposta em praça pública na Marcha para Jesus, em Espírito Santo, como se fosse o novo deus a ser adorado. Porque eles querem tudo, menos o amor o qual Jesus veio pregar. Querem sangue, lágrimas e sofrimento. Querem um raio na cabeça de todos os demais que não professem da mesma fé. Um deus-revólver que eles buscam incessantemente. Ou um deus-raio na cabeça do outro.

É por isso que tais eleitos, em coro, ou quase como um jogral, se indignaram com a juíza roraimense Lana Leitão que, em audiência de custódia, apenas garantiu o mínimo de dignidade a um réu ao oferecer café e um agasalho. Porque essa coletividade que se diz cristã, que tem um deus-revólver como esperança, deseja logo que qualquer acusado seja esfolado vivo antes mesmo da sentença condenatória.

É compreensível a indignação de muitos com as injustiças, com os tratamentos indignos que os pobres sofrem no meio social e até mesmo nos tribunais; ou com os criminosos que desafiam a sociedade, que precisam estar trancafiados. Mas o que causa indignação mesmo para tais cristãos. Não é a violência em si. Porque eles desejam mesmo é um Deus carrasco e impiedoso, que venha carregado de ira com uma espada destruidora – de preferência na mão direita.

O que causa repulsa de verdade são o amor (se for beijo em público, então), a compaixão, a piedade e a defesa da dignidade da pessoa humana – a mesma que o padre Júlio Lancellotti tenta levar aos viciados em drogas na Cracolândia e que, por isso, sofre todos os tipos de perseguição. O que eles querem mesmo é um Barrabás, um mito, e não um Jesus fraquinho que fala de amor, piedade e perdão.

*Colunista

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