JESSÉ SOUZA

Um Estado mínimo para os pobres, cujos exemplos são a maternidade e as escolas

Migração em massa de venezuelanos serviu para escancarar a falta de políticas públicas em Roraima (Foto: Divulgação)

Pode não significar muita coisa um político ir à imprensa afirmar com todas as letras que não tem nenhum projeto para migrantes em suas propostas.  Mas, sim, há um significado muito grande por trás dessa postura. Significa alimentar o inconsciente coletivo contaminado pela discriminação e a xenofobia, exacerbados nos últimos anos por uma política de alopramento contra o politicamente correto, defesa de minorias e tudo que se relaciona  a direitos humanos.

É a mesma postura em relação aos povos indígenas, cujos direitos são massacrados por essa política racista e anti-indígena que não cansa de repetir abertamente que compete às Ongs (Organizações Não-Governamentais) e ao Governo Federal cuidar dessa parcela da população. Trata-se do mesmo discurso direcionado aos migrantes, especialmente aos venezuelanos. E a finalidade é arrebanhar a simpatia dos que odeiam migrantes, da mesma forma que o discurso anti-indígena na política.

Não precisa haver uma política específica para os migrantes quando se trata de propostas de governo, pois eles buscam acessar os mesmos espaços públicos oferecidos aos brasileiros quando precisam de saúde, educação, emprego e outras necessidades básicas. A migração em massa só mostrou quanto os políticos não cuidaram de Roraima e não pensam até hoje em preparar o Estado para o futuro próximo.

O exemplo pode ser visto na questão da única maternidade pública que temos, a qual há três anos funcionando em uma estrutura improvisada, sob tendas de lona, às margens da principal rodovia federal roraimense. Há muito tempo que não apenas o Hospital Materno Infantil Nossa Senhora de Nazareth deveria ter sido reformado e ampliado, mas também construída uma nova maternidade.

No entanto, a migração venezuelana mostrou que não havia nenhum projeto pensando no futuro próximo, pois ainda que não houvesse migração certamente teríamos a mesma decadente maternidade funcionando. E não foi falta de aviso, pois Roraima enfrentou a mortalidade de bebês por infecção hospitalar em 1997, que foi parar na imprensa nacional, mas nem por isso os políticos tomaram providências.

Na questão das escolas a situação é a mesma. A demanda aumenta a cada dia por causa da chegada de mais migrantes, porém a estrutura da rede de ensino segue a mesma. A maioria das escolas do interior e das comunidades indígenas mantém a mesma estrutura de 30 anos atrás, sem  nunca ter passado por uma reforma, manutenção ou ampliação. Os migrantes não chegam apenas na Capital, mas também nos vários municípios do interior.

Nos últimos anos, nenhuma nova escola foi construída. Nem há projetos para isso. Ao contrário, os prédios de escolas que não passam por manutenção básica vão sendo fechados, inclusive de escolas tradicionais na Capital, como política de fechar mesmo. Inclusive, a ordem é leiloar tudo aquilo que foi sucateado pela política do descaso que foi instalado em Roraima.

Os exemplos são muitos a respeito das políticas públicas que são relegadas ao descaso, cujos problemas são colocados à luz da realidade com a chegada em massa de venezuelanos, revelando que não há políticos pensando no futuro, mas apenas no imediatismo de seus interesses de grupos. Logo, não precisa haver uma política específica para migrantes, mas políticas públicas de verdade para toda população, prevendo a migração, o crescimento populacional e os novos tempos que estão por vir.

Repetir o discurso de que o problema dos migrantes é das Ongs e do Governo Federal nada mais é do que apelar para esse sentimento de ódio que vem sendo exacerbado por uma política excludente não só de estrangeiros, mas dos pobres em geral independente de sua nacionalidade ou etnia. Falta de maternidade e de escolas é apenas um pequeno exemplo. Há uma estratégia de Estado mínimo para os pobres, enquanto se fortalece um Estado farto para os ricos e os grandes com suas benesses.  

*Colunista

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