Uma opção preferencial e a contagem regressiva que está armada
Jessé Souza*
O que estamos vendo ocorrer no Estado de Roraima foi a adoção de um grande erro estratégico a partir da diáspora venezuelana. Os migrantes foram abraçados imediatamente pelas políticas públicas brasileiras, porém, os governos deixaram de cuidar de suas próprias obrigações em outras frentes, como se elas não houvessem ou não tivessem importância. Então, a imigração desordenada só contribuiu para ampliar os problemas já existentes. Mas é preciso deixar claro que não foi errado acolher os venezuelanos, que até hoje chegam às centenas, diariamente, fugindo da fome e buscando abrigo do lado brasileiro. Errada foi a fórmula adotada, inclusive com políticos locais que, enxergando uma grande leva de possíveis eleitores futuros, logo se adiantaram para anunciar benefícios a quem chegava.
A opção preferencial pelos imigrantes não foi acompanhada de outras medidas conjuntas, incluindo a fiscalização, segurança e manutenção da soberania, além de outras ações que impedissem o avanço não só da criminalidade, mas também dos problemas na saúde, educação e de políticas públicas voltadas aos pequenos produtores e pequenos empreendedores, o que acaba cobrando um preço alto em outros setores.
Essa opção preferencial pela imigração teve como ponta de lança a nova atribuição dada ao Exército de passar a acolher os imigrantes, deixando de cumprir com o seu papel de reforçar a vigilância na fronteira e assim manter a soberania brasileira, mesmo tendo um quartel baseado em Pacaraima, a cidade fronteiriça.
A situação tornou-se tão complicada que os militares passaram a sofrer uma confusão mental, pois não sabem mais se sua principal missão é acolher estrangeiros ou cuidar da fronteira para impedir inclusive a entrada de imigrantes ilegalmente, especialmente aqueles envolvidos em crimes, os quais já estão à frente do crime organizado em Boa Vista.
Isso pôde ser visto quando a fronteira ficou fechada devido à pandemia, período em que os venezuelanos continuaram entrando facilmente por caminhos clandestinos, os quais, na verdade, são uma trilha solidificada de passagem entre os dois países conhecida de qualquer um que por lá vive, inclusive os militares que passaram a fingir que nada estavam vendo, pois o seu lema passou a ser “acolher a qualquer custo”.
Na mesma medida, o Governo Federal postou tudo na política do acolhimento, acreditando até hoje que a Operação Acolhida, sob responsabilidade do Exército, seria suficiente para compensar o Estado pela chegada em massa de venezuelanos. Ao mesmo tempo, desmobilizou todo e qualquer tipo de fiscalização na Amazônia, inclusive nas terras indígenas, criando outros problemas ao lado da imigração desordenada.
A consequência disso é que o garimpo ilegal avançou não só na Terra Indígena Yanomami, mas também na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, obrigando as próprias comunidades indígenas a montarem pontos de monitoramento contra o garimpo, enquanto esse serviço deveria estar sendo feito pela Polícia Federal, pela própria Fundação Nacional do Índio e órgãos ambientais – todos esses órgãos desmobilizados pelo Governo Federal.
Se as autoridades federais e militares estivessem cumprindo com essas funções, não haveria necessidade de os indígenas estarem montando fiscalização nas estradas. Na verdade, era para o Governo de Roraima, o Governo Federal e o Exército estarem com barreiras conjuntas montadas permanentemente nas rodovias próximo às fronteiras para coibir crimes e ilegalidades (imigração ilegal, garimpo, tráfico etc.) que afligem o Estado.
Essa leniência coletiva só permitiu que chegássemos a este ponto, com o crime transfronteiriço se estabelecendo na Capital, a violência estourando no Município de Pacaraima e o garimpo ilegal avançando nas terras indígenas. As comunidades indígenas, na verdade, estavam dando exemplo de como as autoridades federais e estaduais deveriam estar agindo, montando pontos de bloqueios contra a ilegalidade.
Enquanto temos uma política de acolhimento que só atrai mais estrangeiros fugindo de seu país, com o afrouxamento da fiscalização na fronteira e o caminho aberto para todos os tipos de crimes e ilegalidades, tanto nas terras indígenas (garimpo ilegal) quanto nas áreas urbanas (facções com adesão de criminosos venezuelanos), o Estado de Roraima não consegue avançar na solução de seus problemas crônicos.
O Estado já sofria com a corrupção sistêmica na saúde, cuja situação no setor se agravou com a imigração e pandemia. A segurança pública só anunciou uma reação há três semanas, mas sem um plano estratégico além da ronda ostensiva que foi ampliada. A questão energética está travada historicamente por interesses bem claros. A questão fundiária também é outro entrave histórico, com outros ou os mesmo interesses em jogo.
Se não houver uma força tarefa conjunta de verdade, que ajude a tirar o Estado de Roraima desses grandes entraves, a imigração desordenada só irá avançar, corroendo as estruturas que ainda se mantém em pé. A criminalidade é apenas um desses exemplos, a qual não se combate somente com mais polícia na rua. Assim como a prioridade para o agronegócio não irá gerar empregos que o Estado tanto precisa para enfrentar a diáspora venezuelana.
A realidade de Roraima é muito delicada, mas as autoridades estão fingindo que está tudo bem. A bomba relógio está em contagem regressiva…
*Colunista