Uma realidade sem volta que não pode ser negada pelas autoridades Jessé Souza*
Quem mora nos bairros onde há abrigo de imigrantes, e até mesmo nos bairros mais populosos, já encontrou cartazes fixados nos supermercados em espanhol. É a nova realidade provocada pela chegada em massa de venezuelanos, em um fenômeno que não apenas afeta a realidade local como determina transformações sociais definitivas.
Não haverá mais volta. Assim como muitos venezuelanos já se fixaram no Estado de Roraima, também existem aqueles imigrantes que ficarão em trânsito entre a Venezuela e o Brasil, uma vez que seus familiares estão divididos entre os dois países.
As recentes eleições no país vizinho, com a derrota da oposição, indicam que não há perspectiva de mudanças políticas na Venezuela em curto espaço de tempo. Mais venezuelanos continuarão fugindo de seu país e buscando abrigo no Brasil, com entrada pela fronteira do Estado de Roraima.
É por isso que as autoridades brasileiras precisam estar atentas a esta realidade, a fim de enfrentar os reflexos dessa imigração desordenada, uma vez que os venezuelanos fazem parte de nossa realidade e precisam ser considerados nas políticas públicas adotadas pelos governos em todos os níveis.
Não adianta tentar negar esse novo contexto ou não querer aceitar que os problemas causados por essa imigração desordenada também fazem parte de nossos problemas daqui para frente. O Estado de Roraima já enfrentou uma realidade semelhante, na década de 1980, quando houve uma migração em massa de nordestinos que chegaram em busca de melhores condições de vida.
Uma nota publicada recentemente pelo governo local parece querer não aceitar essa nova realidade, em que tenta amenizar a situação da criminalidade no Estado alegando a existência de uma “criminalidade importada”, como se os bandidos venezuelanos não fizessem parte da realidade local. Não há mais como separar bandidos brasileiros e bandidos venezuelanos. A guerra entre criminosos estrangeiros faz parte da realidade local e as autoridades de segurança pública não podem mais achar que isso se trata de um fenômeno passageiro ou atípico.
Significa que o governo precisa se readaptar, considerando como novo desafio os crimes praticados por venezuelanos envolvidos em uma provável guerra de facções em Boa Vista, o que resulta em queima de arquivo e acerto de conta. Os bandidos descobriram a facilidade e a fragilidade da segurança pública a partir de quando conseguem atravessar a fronteira sem qualquer esforço. Ao tentar não considerar a criminalidade inflada pela ação de bandidos estrangeiros, o governo local tentar usar a estratégia da “criminalidade importada”, fazendo com que, nas contas da segurança pública, haveria um decréscimo de 1% do índice de mortes violentas em Roraima se não contar com os crimes praticados por venezuelanos contra venezuelanos.
As autoridades precisam entender que a chegada de venezuelanos em Roraima pode até reduzir, em um futuro não muito próximo, mas nem todos os imigrantes irão embora do país. Pelo contrário, esse trânsito entre Brasil e Venezuela não vai mais acabar. Venezuelanos morando em Roraima e visitando seus familiares no país vizinho é uma realidade definitiva.
Querer separar os venezuelanos das estatísticas sobre a violência é querer ignorar essa nova realidade que foi instalada, sem retorno. Assim como o comércio já incorporou os novos tempos ao colocar cartazes em espanhol para orientar a clientela, os serviços públicos também precisam se readaptar, incluindo aí a segurança.
Esses venezuelanos vivendo no crime se tornaram o novo desafio da segurança pública roraimense. Negar ou esconder isso é um erro grave. Disfarçar os números, excluindo o “crime importado” só dificulta a solução para o enfrentamento do crime organizado. Os bandidos que chegam do país vizinho agora são problema das autoridades brasileiras, já que temos uma fronteira escancarada.
*Colunista