
Com o objetivo de ampliar o debate sobre saúde mental na adolescência, a psicóloga Mariana Pessoa participou do programa Quem é Quem, apresentado pela jornalista Cida Lacerda nesta segunda-feira (7). Ao longo da entrevista, ela discutiu os efeitos da rejeição, o despreparo familiar, a fragilidade emocional dos jovens e a influência da internet — temas também retratados na série “Adolescência”, da Netflix.
Embora a série seja ficcional, ela se baseia em experiências reais vividas por pessoas próximas ao autor. No episódio inicial, um adolescente mata uma colega após sofrer humilhação nas redes sociais. A narrativa, contada em ordem reversa, destaca o bullying, a solidão, a ausência dos pais e a falta de preparo emocional dos jovens.
Segundo Mariana, a internet tem potencializado a vulnerabilidade dos adolescentes. Por isso, ela considera urgente o fortalecimento da presença familiar. “Hoje, o acesso aos nossos filhos é muito mais fácil. A internet é uma terra sem lei. Eles são alvos fáceis”, alertou. Diante disso, ela defende que tanto a escola quanto a família precisam atuar de forma mais ativa na formação emocional das crianças — mas, segundo ela, ambas as instituições enfrentam desafios distintos.
Famílias ausentes e escolas sobrecarregadas
De um lado, muitas famílias não oferecem estrutura emocional. De outro, a escola vem assumindo sozinha a responsabilidade da educação integral. “Muitos alunos chegam sem base familiar. A escola não dá conta sozinha”, afirmou a psicóloga.
A profissional também comentou uma das cenas da série em que um professor diz não ter responsabilidade sobre o crime ocorrido entre alunos. “Fiquei chocada com o despreparo. Foi como uma facada no peito. A educação virou uma selvageria, onde só os fortes sobrevivem”, analisou. Para ela, os estudantes mais frágeis acabam sendo os mais prejudicados.
Além disso, Mariana explicou que a fragilidade emocional dos adolescentes está diretamente ligada à ausência de afeto dentro de casa. “Eles não suportam frustrações. Por qualquer motivo, pensam em suicídio: uma rejeição, uma nota baixa, um castigo”, contou. “Muitos pais me perguntam até onde podem ir, porque os filhos ameaçam tirar a própria vida.”
Por isso, ela defende que os responsáveis ofereçam mais do que conforto material. “É preciso fornecer base: presença, escuta, afeto e confiança. Os pais precisam agir em equipe. Quando um só assume tudo, acaba sobrecarregado”, pontuou.
Exemplo dos pais influencia diretamente o comportamento dos filhos
Mariana também reforçou que o comportamento dos pais serve de modelo para os filhos. “Você não é apenas pai ou mãe. Também é referência de profissional, amigo, parceiro. Um pai ausente, por exemplo, pode fazer com que o filho naturalize essa ausência no futuro”, explicou.
Para ilustrar, a psicóloga mencionou um dos momentos mais impactantes da série: quando o adolescente diz à terapeuta que não é bom em nada. Ele tenta agradar o pai praticando esportes, mas recebe apenas críticas e indiferença. “Quando errava, o pai virava o rosto com vergonha. Isso é devastador para a autoestima de qualquer criança”, observou.
Outro ponto levantado na entrevista foi a importância do diálogo. Mariana citou o exemplo de um adolescente que se abriu com a mãe após uma decepção amorosa. “O mais importante foi que ele confiou nela. Isso revela uma base sólida. A mãe teve a chance de aconselhá-lo e mostrar que aquela dor passaria.”
A psicóloga também esclareceu que o cérebro do adolescente ainda está em desenvolvimento e que a compreensão das consequências só amadurece por volta dos 25 anos. “Por isso, eles precisam de apoio emocional constante. A falta dessa rede é o que leva muitos a atitudes extremas”, afirmou.
Afeto e acolhimento como formas de prevenção
Ela ainda fez um alerta: muitos pais cobram atitudes dos filhos que eles mesmos não praticam. “Querem que o filho leia, mas passam o dia no celular. Defendem a terapia, mas nunca fizeram. O exemplo tem que vir na prática”, disse.
Por fim, Mariana comentou a cena em que o adolescente, já detido, pergunta à psicóloga: “Você não tem pena de mim? Não gosta de mim nem um pouquinho?”. Para ela, esse trecho resume toda a dor da ausência afetiva. “Ele precisava que alguém dissesse: ‘Você errou, mas ainda existe algo bom em você’. Faltou afeto, estrutura e alguém que não o deixasse quebrar diante da dor”, concluiu.