Cotidiano

‘Pancadões’ se espalham pela cidade e ocorrências aumentam

Casos de poluição sonora (som alto), uso de bebidas alcoólicas e drogas e até roubos e furtos são registrados

Praças e estacionamentos públicos de Boa Vista são os locais escolhidos por adolescentes e jovens adultos para ouvir música, dançar, beber e usar drogas, principalmente nos finais de semana. Por outro lado, quem busca tranquilidade na praça ou mesmo nas casas vizinhas reclama.

Prova disso é que, de janeiro a abril deste ano, a Polícia Militar foi acionada 134 vezes para atender demandas em praças. Cerca de 60% dos chamados eram feitos à noite ou de madrugada. As denúncias mais comuns são de porte e/ou uso de entorpecentes, roubos, furtos e perturbação da tranquilidade pública. No mesmo período do ano passado, foram 96 ocorrências.

Segundo a Polícia Militar, esses números são preocupantes, uma vez que mostram apenas as vezes que a PM foi chamada para ir aos locais pela população, o que significa que a quantidade de abordagens feitas pela corporação é bem maior.

De acordo com a Divisão de Fiscalização da Secretaria Municipal de Serviços Públicos e Meio Ambiente, 203 denúncias relacionadas à poluição sonora foram registradas no ano de 2018 até o momento.

Os números corroboram situações que aconteceram no final de semana passado em alguns dos pontos de maior movimentação de jovens na cidade, como no Parque Anauá, em que uma confusão entre populares e guardas civis municipais acabou com dois feridos.

Em locais como as praças do Mirandinha, Amoca e Germano Sampaio, estacionamento do Canarinho e final da avenida Ville Roy, próximo do Roraima Garden Shopping, é muito comum a presença de jovens, muitos deles menores de idade, que ingerem bebidas alcoólicas e fazem uso de drogas, que muitas vezes são vendidas nos locais nos finais de semana.

A reportagem da Folha foi a alguns destes locais no final de semana e observou a atitude de jovens que costumam frequentá-los. A presença de caixas de som é constante, com sons que variam entre funk, forró, sertanejo. Além disso, tribos de outros gêneros musicais, como hip hop e indie, também estão presentes e ouvem suas músicas de forma mais tímida.

Segundo um dos jovens que frequentam o local, um vestibulando de 17 anos, a música é algo que delimita bastante os tipos de grupos que andam pelas praças da cidade. “Eu já transitei por vários desses grupos. E são vários. Tem o pessoal do metal, emo, indie e recentemente tem o grupo do trap”, relatou.

Outro jovem, estudante do ensino médio, de 18 anos, relatou que estava lá porque acreditava que se ficasse em casa, iria chorar. “Eu fui expulso de casa. Estou morando na casa de um amigo meu. Eu e ele viemos aqui porque só queríamos esquecer um pouco a dor de ficar em casa. Precisávamos distrair a mente”, explicou.

Muitos dos jovens fazem poses para fotos, demonstrando felicidade ou em posições reflexivas. Em alguns casos, agressões ocorrem entre grupos, seja por motivos relacionados a ciúmes ou provocações. No caso da praça que foi observada neste final de semana, uma mulher acabou atirando uma garrafa na cabeça de outra.

“Quando nós vemos que algumas pessoas começam a se agredir ou trocar palavrões com muita agressividade, já sabemos que a polícia virá em 40 minutos ou uma hora. É o que sempre acontece. Por isso nós já nos afastamos para não pegar spray de pimenta ou bala de borracha”, relatou outro jovem, de 18 anos, abordado pela equipe de reportagem.

Jovens buscam identidade própria e aceitação em praças, diz psicóloga

De acordo com a psicóloga Carime Lima, adolescentes e jovens adultos entram em contato com grupos que frequentam praças públicas para usar álcool, drogas e cigarros devido a uma busca por individualidade, que parte do questionamento de valores ensinados pelos pais, e a vontade de ser aceito por pessoas que eles acreditam ter sentimentos mútuos.

“Jovens querem ser bem aceitos nos meios que andam. Então eles acabam aderindo a crenças, costumes, estilos. Isso inclui o uso excessivo de álcool e drogas. Amigos que usam acabam oferecendo e, quando o jovem opta não usar, acaba não tendo a mesma aceitação ou interação junto aos outros”, explicou.

Para ela, a escolha do ambiente público se deve pela fácil acessibilidade e contato que pode haver com a compra de bebidas em conveniências próximas e drogas. “O fato de estar fora de uma casa, ser local de livre circulação, faz com que pessoas da faixa-etária adolescente sintam-se livres para se expressar e cometer riscos de forma impulsiva”, afirmou.

Quanto à necessidade do uso de substâncias, Carime ressaltou que isso se deve ao desejo do adolescente de possuir um alívio rápido para problemas cotidianos, o que demonstra a impaciência e o tom de insatisfação em sua visão sobre seu cotidiano, a sociedade ou a vida em geral.

“As drogas e o álcool possuem efeito imediato sobre as emoções. Não requerem reflexão ou absorção. É imediata. Muitos dos jovens que vão para esses lugares possuem sintomas de ansiedade e buscam formas rápidas de aliviar tensões que podem ser provocadas pela convivência familiar ou situações do cotidiano”, avaliou.

Para Carime, uma solução para esse problema seria investir em políticas preventivas, que mostrem a existência de outras formas que jovens podem passar o tempo, como a prática de esportes e outras atividades.

“Pais saem para trabalhar e passam o dia inteiro fora, em busca de sustento. Filhos ficam sozinhos e, muitas vezes, ociosos. Como se resolve isso? O próprio jovem precisa saber ocupar sua cabeça com outras atividades. Pode ser tocar um instrumento, jogar bola, fazer algum curso, atividades complementares, as opções são diversas. E os pais também precisam saber como seus filhos estão. Se estão se isolando demais, criando o hábito de mentir, escondendo mensagens do celular, comportamento que indiquem uma tendência ao distanciamento. E, com isso, demonstrar para ele que existe ajuda para quaisquer situações”, concluiu. (P.B)