Cotidiano

“Achei que seríamos mortos” diz roraimense preso na Venezuela

Profissionais foram presos acusados de espionagem no país de Nicolás Maduro

“Em um momento achei que fosse o fim da minha vida e dos meus colegas. Pensei na minha esposa e na minha filha, passou um filme muito rápido na minha cabeça”.

Esse é o relato do fotógrafo Diego Veras, preso na última segunda-feira, 17, quando tentava deixar a cidade de Santa Elena de Uairén, na Venezuela, junto com mais dois colegas profissionais. Os três são fotógrafos, sendo dois de Roraima (Veras e Luan Soares) e um do Espírito Santo (Gabriel de Rezende). 

A ida ao país vizinho surgiu da ideia de Rezende, fotógrafo documental que viaja o mundo registrando acontecimentos. Interessado no assunto imigração venezuelana, ele entrou em contato com Soares, por meio de rede social, e veio para Boa Vista para irem até Pacaraima produzir material fotográfico na fronteira entre os dois países. “Aqui em Boa Vista ele [Gabriel de Rezende] começou o trabalho, inclusive entrevistou venezuelanos que atravessaram a fronteira por conta da crise que passa a Venezuela”, comentou Veras.

Na viagem de Boa Vista até Pacaraima, tanto Veras quanto Soares relatavam a problemática que passava o país vizinho. “Gabriel ficava deslumbrado com as histórias. Chegando em Pacaraima, passamos a fronteira que está aberta para quem quiser entrar em Santa Elena, onde fizemos várias fotos. A cidade está praticamente destruída, muros com marcas de balas, lojas com vidros e postes quebrados. Inclusive, policiais venezuelanos viram a gente fotografando e em nenhum momento fomos abordados”, disse o fotógrafo.

Por volta das 16h30, ainda de segunda-feira, decidiram retornar a Boa Vista. Ao chegarem à fronteira, Veras contou que, de dentro do carro, resolveu pegar a máquina e fazer fotos das bandeiras do Brasil e da Venezuela. “Foi quando uns guardas venezuelanos abordaram a gente e pediram nossos documentos, revistaram o carro, encontraram os equipamentos fotográficos e pediram para ver as imagens. Daí em diante começou a nossa tortura psicológica”.

Veras contou que ouviu quando um dos guardas chamou o capitão, que ao chegar e ver o material, disse que estávamos presos por espionagem. “Momento tenso, entramos em desespero, imploramos, tentamos explicar sobre a nossa ida à Santa Elena, e nada adiantou. Inclusive ficamos com medo deles jogarem drogas dentro do nosso carro para piorar a situação”, ressaltou Veras. Ele disse que os três foram levados para a Seniat – Aduana Principal Ecológica de Santa Elena de Uairén, onde foram vigiados a noite toda por militares da Guarda Nacional venezuelana, que se revezavam. 

“Na Seniat passamos a noite e, por volta de 22h30, recebemos voz de prisão e nos disseram que ficaríamos presos por 25 anos. Entramos em pânico, choramos muito. Em seguida nos mandaram ligar para um familiar dizendo que seríamos liberados na terça-feira. A gente não sabia se acreditava no que eles falavam, pois às vezes percebíamos que era só pressão psicológica, mas a gente sofria do mesmo jeito sem saber de fato o que aconteceria conosco”, comentou Soares. Ao invés de ligar para a família, o fotografo fez contato com o pessoal do trabalho e relatou o que havia acontecido. “A partir daí começou a mobilização para que algo fosse feito por nós”.

Fotógrafos foram levados para quartel general e colocados na parede

Do Seniat, os três fotógrafos foram transferidos para o Quartel General de Santa Elena de Uairén. “Eram muitos guardas nesse quartel. Teve um deles que disse que se a gente se mexesse seríamos mortos, que seríamos queimados. Lá eles tinham a gente como um troféu a ser exibido em público, porque na visão deles prenderam três brasileiros por espionagem no país do Nicolás Maduro”, contou Soares. 

“Um dos piores momentos de todos que passamos foi quando ainda no quartel, em uma sala, os guardas armados com fuzis pediram para nós ficarmos um do lado outro, de cabeça baixa e com as mãos para trás como se estivéssemos algemados e como se fôssemos bandidos. Nesse momento achávamos que seríamos mortos. Choramos muito, mas foi apenas mais uma sessão de tortura psicológica. Enquanto estávamos na posição que pediram, eles pegaram nossos equipamentos e colocaram em cima da mesa e vários militares se posicionaram ao nosso lado para fazerem fotos”, disse Veras. 

Outra situação desesperadora, conforme contou Soares, foi quando foram avisados de que seriam levados para Porto Ordaz ou para Caracas, capital da Venezuela, o que faltava apenas uma decisão de um capitão do quartel general. “Mas algumas pessoas aqui no Brasil já tinham se mobilizado para que fôssemos liberados. Agradeço a todos, principalmente a Fátima Araújo [correspondente da Folha de Boa Vista em Pacaraima], que levou comida pra gente e disse que nós seríamos liberados. Eu senti tanta firmeza nessa mulher, pois foi a única pessoa, entre as que estiveram com a agente, que me passou verdade e confiança”, ressaltou.

Depois de toda articulação, os três fotógrafos deixaram o quartel general por volta das 17h de terça-feira, 18, quando foram para o Consulado do Brasil em Santa Elena, para que ficassem em segurança, pois foram orientados a não viajar para Roraima à noite, logo em seguida a liberação. Eles saíram da Venezuela ao meio dia de quarta-feira, 19. O fotógrafo Gabriel de Rezende viajou de Boa Vista para o Espírito Santo nessa sexta-feira, 21. (E.R.)