Na madrugada da última sexta-feira, 9, um homem suspeito de realizar o furto de uma bicicleta no bairro Operário, na zona oeste de Boa Vista, veio a óbito no Hospital Geral de Roraima (HGR) após ter sido linchado por populares. A história não é inédita e, cada vez mais, vem se repetindo em todos os cantos em Roraima. A Folha já noticiou por diversas vezes casos em que populares capturam o suspeito e o agridem até a chegada da polícia.
Embora não haja registro policial, pessoas que cometem qualquer tipo de violência física a suspeitos de roubos estão sujeitas a penalidades, conforme preceitua o artigo 345 do Código Penal que a chamada “justiça com as próprias mãos” é proibida.
Independente dos motivos que ocasionam um linchamento, o advogado criminalista Diego Rodrigues destacou que pessoas envolvidas neste tipo de crime podem ser punidas. Considerando o caso do suspeito, Rodrigues relatou que, em virtude do óbito, os agressores vão responder a processo de homicídio doloso, tendo em vista a intenção de matar por parte de alguns.
“Uns vão alegar que agiram por conta do exercício de impunidade ou aumento da violência, mas nada justifica a atitude dos agressores. Esses casos devem ser deixados para o Estado. A lei é clara, quem comete crime vai ser punido. A partir do momento que uma pessoa comete um crime, ela passa a ser criminosa também”, disse.
A repercussão de casos de linchamento em Roraima também tem preocupado outras autoridades.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil em Roraima (OAB-RR), Hélio Abozaglo, informou que o aumento dos crimes desta natureza gera tristeza pelo fato em si e, principalmente, pela atitude dos agressores. “Sabemos que o roraimense é de paz, então essa índole violenta muito nos preocupa. A vida é o principal direito, e o de maior relevância tutelado pela ordem constitucional”, salientou.
Buscando entender a motivação dos populares, Abozaglo ressaltou alguns pontos que, para o advogado, explicam a causa dos crimes de linchamento. “São eles: intolerância com o próximo, falta de educação familiar e intelectual, ausência de segurança pública e descrença na Justiça. Frente ao cenário de violência, a Comissão tem o papel de denunciar e tornar público qualquer agressão, bem como fiscalizar a atuação dos órgãos envolvidos.
A Comissão de Direitos Humanos luta contra todo tipo de violação de direito do ser humano e, acima de tudo, somos a favor da vida, seja da mulher, do homem, do idoso, da criança ou do carcerário”, finalizou.
ATENUANTE – Segundo o advogado criminalista, Diego Rodrigues, o artigo 65 do Código Penal prevê que, em alguns casos, agressores envolvidos em crimes de linchamento podem receber atenuantes nas penas em razão de um clamor social ou moral, o que não implica a extinção da punição. (A.G.G)
PMRR faz alerta sobre casos de linchamento
A Polícia Militar do Estado de Roraima (PMRR) também alertou que casos de linchamento contra suspeitos de crimes constituem crime, como destaca o artigo 345 do Código Penal Brasileiro. Em situações onde o suspeito está detido, a população deve alertar a Polícia imediatamente para que as medidas da lei atinjam diretamente o meliante, devendo ele ser conduzido à delegacia, tendo em vista que julgar e aplicar penas são deveres do Estado e não do cidadão de forma isolada. “Fazer justiça com as próprias mãos não é permitido”, destacou o sargento Manoel Freire. A Polícia advertiu ainda que a pena de detenção é de 15 dias a um mês ou multa, além da pena correspondente à violência. “Alertamos que esse tipo de conduta não é legal e a Corporação não compartilha com tais atitudes”, afirmou.
Olho por olho? Apoio a linchamento pode ser crime; entenda
A forma como pensam os adeptos da teoria do “bandido bom, é bandido morto” fica evidente em casos de linchamento com ampla repercussão. Ao usar a seção de “comentários”– seja de portais de notícias ou de redes sociais – para exaltar a justiça com as próprias mãos, o internauta não sabe que, muitas vezes, pode estar cometendo um crime.
O Código Penal afirma, em seus artigos 286 e 287, que incitação e apologia ao crime também são atos criminosos e devem ser punidos com prisão (de três a seis meses) ou multa. No caso dos comentários na internet, o advogado criminalista Leonardo Pantaleão afirma que, a depender da forma e do conteúdo da mensagem, é possível tratar a questão como apologia ou incitação ao crime.