Cotidiano

51% dos venezuelanos que trabalham recebem menos de um salário mínimo

Perfil Sociodemográfico e Laboral dos imigrantes venezuelanos foi apresentado em evento que foi realizado na UFRR

Apesar da maioria dos venezuelanos não indígenas que migraram para Roraima apresentar ensino médio completo e mais de 30% terem o ensino superior, uma pesquisa realizada pela Cátedra Vieira de Mello, um fórum acadêmico para a promoção dos direitos dos refugiados, e pelo Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) mostrou que 51% dessas pessoas que estão empregadas no Estado recebem menos de um salário mínimo.

Conforme os dados, 44% recebem entre um e dois salários mínimos e apenas 5% indicaram receber mais de dois salários mínimos. Destes, grande parte indicou trabalhar mais de 40 horas semanais. Esses são alguns dos resultados do Perfil Sociodemográfico e Laboral dos imigrantes venezuelanos, pesquisa encomendada à Cátedra Vieira de Mello, pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIg) e apresentada na terça-feira, 26, durante a Oficina de Trabalho “Warao: Deslocamentos indígenas da Venezuela e no Brasil – Intercâmbio de conhecimento”, realizada na Universidade Federal de Roraima (UFRR).

O objetivo do estudo, que contou com o apoio da Agência da ONU para Refugiados (Acnur) foi obter dados para subsidiar formulação e implementação de políticas públicas específicas para essa população. Além das questões salariais, o levantamento apontou que atualmente cerca de 60% dos venezuelanos não indígenas possuem alguma atividade remunerada em Roraima, sendo que destes apenas 28% formalmente empregados. A maioria dos ramos de atuação se concentra em: comércio (37%), serviço de alimentação (21%) e construção civil (13%).

Mais da metade dos entrevistados (54,2%) respondeu que utiliza os rendimentos para enviar ajuda para cônjuge e filhos na Venezuela, com a finalidade de ajudar no sustento desses familiares. Apesar de não ter ficado especificado no questionário se as remessas são especificamente de dinheiro ou de alimentos e roupas, como em outras pesquisas já foi detectado, o montante desses envios totaliza entre R$ 100,00 e R$ 500,00, seja em espécie ou em produtos.

Indígenas Warao são explorados em fazendas e no trabalho de estivador

No mesmo evento, a professora doutora France Rodrigues, que trabalha atualmente no estudo de Fronteiras da Mobilidade Amazônica e Direitos Humanos, apontou que em seus levantamentos no Município de Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, ao norte do Estado, foram registrados casos de indígenas da etnia Warao trabalhando descarregando carretas por R$ 15,00 a R$ 20,00, além de outros casos de indígenas trabalhando em fazendas, com encarregados que acertariam inicialmente o pagamento de R$ 800 por dois meses, mas que acabariam recebendo no fim do trabalho apenas entre R$ 500,00 e R$ 600,00.

O coordenador do curso de Relações Internacionais da UFRR, professor doutor, Gustavo Simões, que esteve à frente da pesquisa, explicou que o estudo foi realizado entre os meses de julho e agosto, com venezuelanos com mais de 18 anos, que chegaram, na maioria, neste ano em Roraima, motivados pela crise econômica da Venezuela que gerou desabastecimento e fome no país.

Ele destacou que a principal dificuldade dessas pessoas é por não falarem o português e não terem acesso a um curso de idiomas. Apesar da maioria dos imigrantes ser composta por homens solteiros (63%), as venezuelanas que vieram para o Brasil, que estão especificamente em Roraima, imigrou junto com os filhos, sendo necessário um olhar especial das autoridades para esta questão.

Segundo ele, para atender ao objetivo desse estudo, as políticas públicas que forem elaboradas para essa parcela da população venezuelana em Roraima precisam observar a questão das crianças ao mesmo tempo. “Políticas públicas para as mulheres venezuelanas sem a inserção das crianças será um fracasso, pois 42% das que vieram para Roraima vieram acompanhadas dos filhos”, observou.

Representantes da OIT realizam coleta de dados sobre imigrantes

Representantes da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Pedro Brandão e Cyntia Sampaio, estão em visita técnica a Roraima, com intuito de coletar dados para elaboração de um projeto voltado para as questões de ocupação venezuelana.

Eles estão sendo acompanhados pelas procuradoras do Trabalho, Safira Nila Campos, Tatiana Pedro Santo-Sé e Priscila Moreto, e contando também com a participação da representante da Missão Paz-SP, Ana Paula Cafeu, com quem estão tratando dos detalhes da metodologia a ser usada no trabalho, visando obter a máxima fidelidade, um retrato do momento atual de Boa Vista e Pacaraima, no que se refere à participação de migrantes no mercado de trabalho nas duas cidades.

A missão da OIT, em parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT), vai até domingo, dia 1º de outubro, quando a equipe da organização seguirá para Manaus (AM), onde será dada continuidade ao trabalho na segunda-feira, dia 2.

Venezuelanos aceitariam ir para outros estados ou para o interior por emprego

Passando ainda por muita dificuldade financeira, mesmo estando em situação melhor em Roraima do que na Venezuela, a maioria dos entrevistados na pesquisa realizada por equipes da Cátedra Vieira de Mello, instalada na UFRR, afirmou que aceitaria sair de Boa Vista para o interior do Estado ou até mesmo ser deslocada para outros estados do Brasil, caso encontrassem ocupação para sobreviver.

A oferta de trabalho em outra localidade do país seria o que levaria 80% dos entrevistados venezuelanos aceitar o deslocamento, seguida de ajuda econômica (11,2%) e auxílio com moradia (5,2%). Ao todo, 25% dos que estão no estado afirmam pretender retornar à Venezuela e a maioria estima um prazo máximo de dois anos para fazer isso, condicionando essa volta ao país de origem à melhoria das condições econômicas.

O estudo desenvolvido pela Cátedra aponta então que uma política migratória de suporte ao emprego e ajuda na interiorização dessas pessoas encontraria um percentual considerável de possíveis receptores. “Nesse sentido, é fundamental que tais políticas sejam devidamente planejadas com entes federativos, empresariado e sociedade civil”, indica o estudo.

O levantamento detectou ainda que os venezuelanos que não pretendem voltar fazem parte dos segmentos mais vulneráveis dessa população, estando a maioria sem emprego e com menor nível de escolaridade, sendo que uma das principais justificativas apresentadas por eles para a falta de vontade de retorno é a proximidade com a fronteira. (S.A)