Capturar formiga tanajura, tirar palha para cobrir as malocas comunitárias e produzir xarope contra doenças respiratórias são atividades comuns para as comunidades indígenas e que passaram a ser objeto de estudo de alunos dos Anos Finais do Ensino Fundamental – 6º ao 9º ano.
Em Roraima, cinco escolas estaduais implementaram os Laboratórios Socionaturais Vivos, que buscam integrar conhecimentos culturais próprios dos territórios, como elementos da natureza, para dar mais sentido e aprofundar o aprendizado em diversas áreas, entre elas as ciências, as línguas portuguesa e indígenas, história, geografia e estudos sociais.
De acordo com pesquisa realizada por professores da Universidade Federal de Roraima e Organização dos Professores Indígenas de Roraima é urgente que se promova nas escolas uma vinculação entre os conhecimentos culturais dos povos indígenas e conhecimentos gerais, visando a interculturalidade. Assim, os estudantes passam a conhecer melhor o mundo onde vivem e aprofundam seus próprios conhecimentos.
“É uma reivindicação antiga, que vem desde a década de 70, incluir os conhecimentos indígenas além do que é proposto nos livros, que geralmente trazem apenas a língua portuguesa e conhecimentos ocidentais. As organizações indígenas gostaram muito da proposta do Laboratório Socionaturais Vivos. Além das cinco escolas onde fizemos um projeto-piloto, cerca de outras 20 escolas estão implementando o Laboratório e já temos um Projeto Político Pedagógico aprovado no Conselho Estadual de Educação”, explica o coordenador da pesquisa, Maxim Repetto.
O projeto-piloto dos Laboratórios Socionaturais Vivos foi desenvolvido nas escolas estaduais indígenas Júlio Pereira (Uiramatã); Presidente João Pessoa (Willimon); Dom Lourenço Zoller (Pedra Preta); Santa Mônica (Camararém) e Sizenando Diniz (Malacacheta). De acordo com o coordenador da pesquisa, as atividades envolveram cerca de 600 pessoas, entre comunidade escolar, estudantes e famílias, desde 2019.
Repetto destaca a captura da tanajura logo no início do período das chuvas, que são utilizadas para complementar a alimentação. Famílias, estudantes e professores participaram da atividade e analisaram aspectos como a construção histórica, a ciência biológica, e ainda buscaram a valorização da identidade e da cultura onde a comunidade está inserida.
“As tanajuras, também chamadas de saúvas, vão voar para fecundar e criar novos formigueiros no início da época das chuvas. Esse fenômeno importante, que ocorre uma vez por ano, é esperado por toda a comunidade, que para tudo que está fazendo para capturá-las. Por meio do projeto, aproveitamos o acontecimento que já mobiliza o território para aprofundar o olhar e as reflexões sociais sobre a relação formigueiro e sociedade, estudo do solo e dos insetos, da vegetação, entre outros. A proposta do Laboratório Socionaturais Vivos é aproveitar o que a comunidade faz para ampliar um estudo sobre o conhecimento escolar e também sobre o conhecimento cultural”, explica o coordenador.
Anos finais
O impacto dessa iniciativa foi tema da pesquisa “Laboratórios socionaturais vivos como instrumento de melhoria pedagógica nos Anos Finais do Ensino Fundamental na Educação Escolar Indígena”. O estudo teve apoio do Itaú Social e Fundação Carlos Chagas, por meio do Edital de Pesquisa Anos Finais do Ensino Fundamental, que fomentou pesquisas para a construção de soluções e superação dos desafios no período escolar do 6º ao 9º ano, promovendo a interação entre a academia e a realidade escolar.
Os Anos Finais são considerados uma das etapas mais desafiadoras da Educação Básica. Seus estudantes, que se encontram na transição da infância para a adolescência, lidam com transformações físicas, emocionais e comportamentais. “Precisamos urgentemente priorizar as políticas públicas do Fundamental 2 em busca de soluções práticas: sim, assim mesmo, no plural, já que são muitas adolescências”, explica a superintendente do Itaú Social, Angela Dannemann.
A defasagem idade-ano nos Anos Finais, ou seja, estudantes que repetiram dois anos ou mais, chegou a 22,7% (Inep 2020). O projeto realizado em Roraima teve como objetivo engajar os jovens com propostas curriculares interculturais criativas, além de fortalecer o projeto político pedagógico das escolas indígenas. “Isso faz com que os estudantes criem uma ponte entre o conhecimento próprio e o conhecimento escolar, deixando o conteúdo mais interessante”, explica Repetto. Mas, não basta envolver somente os estudantes, melhores resultados são atingidos com a ampla participação da comunidade no processo de formação escolar. Por isso, de acordo com os pesquisadores, todos (famílias, lideranças comunitárias, professores, estudantes) devem ser envolvidos no acompanhamento e controle das políticas públicas.
Cotidiano
Alunos de comunidades indígenas recebem projetos de integração à natureza
Atividades envolveram cerca de 600 pessoas, entre comunidade escolar, estudantes e famílias