O antigo ditado de que a “Internet é terra sem lei” está cada dia mais atual. Prova disso são os “serviços” e “produtos” oferecidos que trazem consequências graves para as pessoas que acabam colocando em cheque suas próprias vidas, saúde e dinheiro.
E foi nesse ambiente virtual que surgiram em Boa Vista nos últimos meses anúncios de pessoas sem habilitação na área oferecendo a venda, colocação e manutenção de aparelhos ortodônticos “de enfeite” com atendimento em domicílio. Apesar de inusitado, muita gente se aventura nesse perigo.
Além do atrativo de não ter a necessidade de se deslocar a um consultório odontológico, o preço também chama a atenção. Com apenas R$ 100 ou, no máximo, R$ 130, a pessoa tem o aparelho, ligas e braquetes. O valor da manutenção é outro ponto que chama a atenção: apenas R$ 50, um preço muito abaixo do praticado no mercado local.
A reportagem da Folha acessou alguns anúncios numa rede social. Quem oferece o serviço afirma que o “enfeite” é apenas para deixar o sorriso “mais charmoso” e que não prejudica a arcada dentária. Mas especialistas alertam sobre os perigos.
Segundo o ortodontista João Batista, as consequências para quem se aventura nessa prática ilegal vão desde doenças infecciosas do tipo hepatite e Aids a lesões no esmalte dentário, desalinhamento dos dentes, bem como prejuízos à mordida, trazendo dores de cabeça e enxaqueca.
Ele completa alertando que, além disso, existem riscos irreversíveis como a perda de um dente ou a reabsorção de uma raiz, e até mesmo complicações que podem levar à morte. “Podem causar lesão permanente sem possibilidade de regeneração ou recuperação do dano. O que precisamos esclarecer é que a ortodontia não visa ao enfeite. O objetivo é alinhar e nivelar os dentes. E a função principal é que tenha uma mastigação perfeita, para que a pessoa possa mastigar confortavelmente, preservando as articulações. Não é uma brincadeira”, ressalta.
Ele observa também que toda a preparação de um profissional para atuar na ortodontia envolve estudos durante cinco anos para se formar como cirurgião-dentista, quando estuda bioética, microbiologia e anatomia, por exemplo. Depois, precisa estudar mais três anos de pós-graduação.
“Mesmo assim, às vezes, uma pessoa com toda essa formação que é necessária para ser um ortodontista, que somam oito anos de estudo, ainda há possibilidade de o profissional negligenciar em um erro, agora imagina alguém que não tem conhecimento nenhum de anatomia, de periodontia e de estética, instalar um aparelho. É um absurdo”, avalia, ao complementar: “Se o paciente tivesse a consciência dos riscos que ele corre, jamais faria isso. O ideal é que a população que sabe disso aí procure o CRO e denuncie porque isso é um risco à saúde, um desserviço à saúde pública”, orienta.
Conselho de Odontologia está apurando a prática ilegal
A presidente do Conselho Regional de Odontologia de Roraima (CRO-RR), Ananda Noronha, informou que a instituição já recebeu inúmeras denúncias sobre o caso. Segundo ela, atendimentos clandestinos têm sido alvo da ação do CRO através do setor de fiscalização, que tem atuado em parceria com a Polícia Civil.
Ela explica que é necessário esse trabalho em parceria com a polícia, principalmente, neste caso, uma vez que as pessoas não possuem um lugar fixo para atendimento. “Como o ‘atendimento’ é feito na casa do paciente, é necessária a atuação da Polícia Civil no intuito de fazer o flagrante e atuar nas investigações”, explicou.
Ananda Noronha alerta que o trabalho do Conselho acontece também para proteger a população de procedimentos ilegais e arriscados e é importante conscientizá-la em relação aos riscos que atendimentos clandestinos podem trazer, pois a repercussão na saúde das pessoas pode ser grave e irreversível.