Cotidiano

Após chacina, moradores temem sair de casa

Morte de quatro jovens deixa redondeza deserta e assusta moradores que mantinham contato com jovens

Portas e janelas fechadas. Esse é o cenário atual da Travessa Rio Tocantins, no Bairro Belo Vista, após a chacina que resultou na morte de quatro jovens e deixou uma adolescente em estado grave no Hospital Geral de Roraima (HGR). O crime ocorreu no último sábado, 04, durante a madrugada, quando bandidos atiraram contra a cabeça dos adolescentes dentro da residência onde moravam. A vizinhança ficou alarmada por conta da violência.

Uma amiga de infância dos três irmãos, Gabriel Gomes da Silva, de 19 anos, David da Silva Campos, de 17 anos, Deyvisson da Silva Campos, de 18 anos, que foram assassinados, contou que os jovens costumavam frequentar lanchonetes na redondeza e aparentavam ser tranquilos. Mesmo após a morte da mãe dos menores por leucemia e a ausência do pai que vive no interior, ela sempre os via com fardamentos escolares. 

Por medo de represálias, a jovem preferiu não ser identificada, mas relatou que não imaginava que a motivação estivesse relacionada a um possível envolvimento dos adolescentes com o crime organizado. 

“As pessoas aqui não querem falar sobre isso. Estão todos assustados porque pensamos logo nos nossos familiares. Já moramos em uma área perigosa e aqui o policiamento não é suficiente. Quando eu soube do crime, fiquei chocada porque os conheço há muito tempo, não esperava algo do tipo”, disse.

Nas casas próximas, os poucos vizinhos que ainda receberam a equipe da Folha asseguraram que não sabiam de nada relacionado ao crime e que não tinham visto qualquer situação fora do normal antes da ocorrência. A maioria se recusou a falar com a imprensa.


Especialista em segurança critica falta de políticas públicas para evitar que jovens entrem no crime organizado

A ausência de atuação do Estado em criar mecanismos para coibir o ingresso de jovens no crime organizado é um dos principais fatores para o atual cenário de violência, defende a especialista em segurança pública e socióloga Carla Domingues. “Se houvesse políticas públicas voltadas para a juventude, proporcionando educação, lazer e esporte certamente não veríamos tantos casos assim”, explicou.

Ela frisou que onde não há atuações governamentais, o poder paralelo se faz presente. “Se o jovem em situação de vulnerabilidade social não tem educação e emprego, acaba sendo seduzido pelo crime organizado que lhe oferece ‘trabalho’ e dinheiro. Diante disso, sem perspectivas alguma de futuro, vemos cada vez mais verdadeiros ‘exércitos de jovens’ a serviço de facções”, completou.

Carla pontuou que se os jovens fossem inseridos em outros contextos sociais, com oportunidades dentro de políticas públicas, teriam maiores chances de se tornarem cidadãos. Para isso, a especialista enfatiza que o Estado tem que fazer o papel de criar programas que integre o jovem marginalizado à sociedade. 

“A perpetuação desse cenário pode gerar ainda mais jovens vitimados pelo crime organizado e cada vez mais outros inseridos nesse tipo de organização criminosa”

Sentimento de pertencimento é determinante para ingresso em facções, aponta psicóloga

Da mesma maneira, a psicóloga Ana Paula Araújo ressaltou que o crime organizado tem influenciado cada vez mais as cabeças dos jovens, principalmente os de baixa renda que não possuem perspectiva positivas de futuro e passam a ver nas facções uma maneira de ajudar a família, que já é desestruturada. 

Em relação a essa mudança de comportamento, ela assegurou que os seres humanos são movidos pela necessidade de pertencimento, seja ela qual for, e que por isso fazem coisas que não são agradáveis para se sentirem aceitos. 

“Com os jovens que estão no crime organizado não é tão diferente, ele precisa fazer o que lhe é determinado para que assim possa se sentir aceito. Um fator que contribui para que eles cometam crimes brutais é a sensação de poder que eles têm nas mãos. Por mais que tenham sentimento de culpa, o prazer de se sentir superior prevalece nessas situações”. 

Ana Paula enfatizou que muitas vezes esses jovens são desprezados pela sociedade, culminando em uma sensação de inferioridade e quando possuem o poder nas mãos, usam sem piedade alguma. Por conta do sentimento de pertencimento, a hierarquia dentro das organizações pesa e quando um deles é requisitado para tirar a vida de alguém, não há hesitação.

“A submissão ao crime e a um líder ocorre também pelos jovens gostarem da vida que levam, que por mais errada e sofrida que seja, é melhor que o estilo de vida que levavam antes de entrar no crime organizado”, justificou e completou que a dependência química pode influenciar para a permanência na criminalidade (A.P.L)