Cotidiano

Barreira linguística afeta trabalho do Conselho Tutelar com Yanomami

Povo Yanomami é considerado de recente contato com não-indígenas. No território, são faladas seis línguas diferentes da etnia. Seis crianças indígenas estão acolhidas em abrigo do governo estadual. Duas estão em processo de adoção.

Crianças Yanomami em situação de rua em Boa Vista - Foto: Arquivo FolhaBV
Crianças Yanomami em situação de rua em Boa Vista - Foto: Arquivo FolhaBV

Crianças Yanomami resgatadas em vulnerabilidade tem sido levadas ao abrigo infantil sem auxílio de um tradutor das línguas Yanomami ou apoio de órgãos e associações indígenas. Estes dois problemas dificultam o processo de orientação dos pais e retorno das crianças à família. A situação foi relatada em coletiva à imprensa, promovida por conselheiros tutelares, na sexta-feira (3).

Nesta semana, o Conselho Indígena de Roraima (CIR) divulgou que crianças Yanomami são encaminhadas para abrigos ou adoção e os pais perdem a guarda dos filhos. O fato, segundo a organização, ocorre principalmente com indígenas Yawaripë, que costumam ficar em situação de rua quando visitam as sedes dos municípios. Atualmente, seis crianças de 6 meses a 12 anos estão sob responsabilidade do estado. Outras duas estão em processo de adoção.

Maior reserva indígena do país, a Terra Yanomami possui cerca de 10 milhões de hectares distribuídos entre os estados de Roraima e Amazonas. São ao menos 371 comunidades, quase 30 mil indígenas e seis línguas faladas no território. O povo Yanomami também é considerado de recente contato com a população não-indígena. Na região, inclusive, há comunidades isoladas que vivem sem qualquer influência externa.

Jaiza Lameira, conselheira tutelar que atua em Boa Vista, afirmou na coletiva que desde 2017, há tentativas de diálogo com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) para auxílio linguístico e logístico em relação as crianças Yanomami. No entanto, a parceria nunca foi concretizada com os órgãos federais ou com as associações da etnia.

“Nós, enquanto Conselho Tutelar, somos imediatistas. Não encontrando [os pais ou parentes], nós acionamos Funai, Casai, mas nós nunca temos retorno. Quando tem retorno, os próprios funcionário dizem “você tem que aplicar a medida, porque nós não temos para onde levar agora”. A Funai também não é uma casa de acolhimento, é o órgão administrativo […] nós não temos um tradutor que nos auxilie e as casas que são de acolhimento, também não estão equipadas para receber um público diferenciado, até porque o Estatuto [da Criança e do Adolescente] não segrega”, disse Jaiza.

Conselheiros expuseram dificuldades no acolhimento de crianças Yanomami – Foto: Nilzete Franco/FolhaBV

A Secretaria de Trabalho e Bem-Estar Social (Setrabes), que administra o abrigo infantil, informou que na quarta-feira (1º) se reuniu com representantes da Funai e fechou acordo para comunicar ao órgão, de forma oficial, sobre a entrada das crianças Yanomami nos abrigos. A Fundação também foi procurada pela reportagem, mas não enviou resposta até a última atualização.

Já a Sesai, por meio do Centro de Operações Emergenciais (COE Yanomami), disse que “presta toda a assistência necessária às crianças encontradas em situação de desnutrição e abandono desde o início das ações de resgate do governo federal no território Yanomami”.

O Tribunal de Justiça do Estado de Roraima (TJRR) foi questionado sobre como são realizadas as tratativas com os pais Yanomami nos casos de acolhimento institucional, mas não deu retorno até a publicação da reportagem.

Distância impede acompanhamento

O difícil acesso às comunidades também foi apontado como impedimento para a realização do acompanhamento e orientação feito pelos conselheiros tutelares. Por conta disso, nenhum profissional entrou na Terra Yanomami até hoje.

Jaiza compartilhou que em reuniões com o Ministério Público Federal (MPF), foi sugerida a criação de um abrigo específico para os Yanomami, devido as particularidades desse povo, como a barreira linguística e conflitos internos. Nesta sexta-feira, o governo de Roraima anunciou um espaço de acolhimento próximo da Casa de Saúde Indígena (Casai) Yanomami.

“Colocar crianças dessa família, junto com aquela, pode causar até morte. Já houve, alguns anos atrás, de levarmos umas crianças para tirarmos dessa situação de vulnerabilidade e durante a madrugada, o abrigo foi invadido pelos familiares e deixou em perigo não só os profissionais, como as demais crianças. Nessa época, nós chamamos a Funai, porque entendemos que é o órgão que deveria nos dar essa força. O Estatuto fala que a responsabilidade é de todos: família, sociedade e os órgãos. Mas, todas as vezes, nós nos encontramos sempre sozinhos”, salientou.

O abrigo estadual para os Yanomami deve ficar pronto nos próximos 30 dias, segundo o governo. O espaço será gerenciado pela Sesai, com apoio da Secretaria da Saúde (Sesau) e Setrabes, que será responsável pela assistência social ao público.

O espaço será mantido durante a vigência do decreto de emergência de saúde pública iniciado em janeiro, após a repercussão de fotos e relatos de crianças e adultos indígenas desnutridos, com malária e outras doenças. O garimpo ilegal e a desassistência nos últimos quatro anos são apontados como as principais causas da crise humanitária e sanitária que vivem os Yanomami.