*Por Lucas Luckezie
Haja buraco, atoleiro e prejuízo. Este é o retrato atual do trecho amazonense da rodovia BR-174, localizado dentro da Terra Indígena Waimiri Atroari, rumo a Manaus. A reclamação é antiga. As autoridades, sobretudo as amazonenses, passam a sensação de tampar os ouvidos à população dos dois estados sobre a única via que liga Roraima ao restante do País.
Motoristas, principalmente caminhoneiros, relatam levar em torno de três horas para passar pela pior parte desse trajeto – de aproximadamente 40 quilômetros. Sem essa precariedade, a passagem por ali demoraria menos de uma hora. No trecho total de 120 quilômetros da reserva, a duração da viagem pode passar das seis horas. Essa estimativa pode ser ainda maior se veículos atolarem e bloquearem a BR.
“Está bem precário, bem caótico. Inclusive quebra muito caminhão. Meu patrão está com o caminhão quebrado há três dias na reserva, fora outros caminhões atolados que ficam atrapalhando os outros”, relatou o caminhoneiro Josimar Nonato Gonçalves, 35, que trabalha para uma transportadora e passa ao menos duas vezes por semana pela rodovia.
“Tem caminhão tombando, que quebra. Tem caminhão com para-choque quebrando, olha como está o meu aí. Tudo por causa do buraco. A gente queria que o pessoal responsável do Amazonas, o governador, desse mais atenção pra estrada, pra nós, porque escoa muito produto do Amazonas pra Boa Vista. Todo mundo contabiliza prejuízo”, disse o caminhoneiro Eliezer Nascimento, 39.
No início da reserva indígena, pelo lado amazonense, há lugares com atoleiros que passam de um metro de profundidade, principalmente no sentido para quem vai para Boa Vista. A sorte é que, em algumas situações, ainda dá para desviar do buraco pela contramão. Veículos de passeio são os que mais sofrem devido à suspensão baixa. Nem picapes tracionadas escapam.
A época é de combustível caro: O litro do diesel comum custa, em média, de R$ 6,04 a R$ 7,09, nos dois estados, enquanto o da gasolina comum varia de R$ 5,54 a R$ 5,58, conforme o último levantamento semanal da ANP (Agência Nacional do Petróleo e Biocombustíveis).
Quanto maior a duração da viagem, maior a quantidade de combustível necessária. E no caso do precário trecho, esse custo se soma ao número de vezes em que o veículo precisa passar por revisão. O consumidor final acaba sofrendo, porque todo esse prejuízo, principalmente das cargas transportadas para Roraima, acaba sendo repassado a ele.
Rodovia paralisada
Na semana passada, a rodovia ficou paralisada ao menos duas vezes: na terça (28) e sexta-feira (3), cerca de dez quilômetros após a divisa de Roraima com o Amazonas. No caso da segunda, a Folha flagrou três caminhonetes atoladas no mesmo trecho onde tentavam desviar de uma fila quilométrica de carretas paradas por causa dos atoleiros (assista ao vídeo ao final da reportagem). A via foi liberada no mesmo dia.
O primeiro veículo parado foi a Chevrolet S-10 do autônomo Geraldo Gomes de Lima, 62, que trafegava em direção a Manaus. O carro dele precisou do auxílio de uma outra caminhonete, uma Ford Ranger, para sair do local. O resgate demorou mais de uma hora.
“Estou com nove anos que não venho pra cá, e quando vim tive essa surpresa”, disse ele, que voltava para o Amazonas após passar o dia anterior em Roraima. “Tem que haver uma atenção dobrada pra isso aqui”.
“Isso aqui está abandonado há mais de um ano”, criticou aos gritos o revoltado comerciante Wanderley Santana, 60. “Tem tanto dinheiro pra fazer isso aqui. Tem que fazer [esse trabalho de recuperação]”.
A tragédia foi anunciada. Em novembro de 2021, a Folha já alertava sobre os riscos da falta de manutenção principalmente dentro da reserva indígena. E o trabalho feito para recuperar o trecho, como mostrado nas fotos, se mostrou ineficiente. E o prejuízo ainda maior, uma realidade.
Quando questionado pela Folha sobre os atoleiros que provocaram o primeiro bloqueio, por exemplo, o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) ressaltou que os serviços de manutenção na localidade estão prejudicados devido ao período de chuvas diárias e intensas.
Investigação
A situação resultou em uma investigação aberta pelo Ministério Público Federal (MPF-AM) para apurar a conduta do DNIT-AM no caso. A autarquia respondeu que há um contrato de R$ 47.842.138,90 com um consórcio formado por três empresas para executar serviços emergenciais na parte de 25,2 quilômetros entre o igarapé dos Veados, em Presidente Figueiredo (AM), e o rio Alalaú, na divisa interestadual. O vínculo foi assinado em 28 de dezembro de 2022, com ordem de serviço autorizada no dia seguinte.
O DNIT explicou ao MPF que desse valor, R$ 20.814.025,85 já foram empenhados, ou seja, reservados para a execução dos serviços, que têm previsão para acabar em 20 de novembro de 2023. O órgão federal citou tecnicamente, entre os principais serviços executados, em execução ou a serem executados, o enrocamento de pedra espalhada e compactada mecanicamente, base ou sub-base de brita graduada, e reciclagem com incorporação do revestimento asfáltico à base com adição de 3% de cimento e brita, além de pintura de faixa com tinta acrílica e=0,3 mm.
“Ressaltamos ainda, a importância e a necessidade urgente de realização de levantamentos e de estudos técnicos, visando a elaboração de projetos básico e executivo de engenharia, para a execução de obras de restauração da rodovia BR-174/AM, no trecho entre o km 883,80 (Manaus/AM) e o km 1.140,20 (Divisa AM/RR), em razão da vida útil e das condições em que se encontram a base e o revestimento asfáltico, considerando ainda, que as obras de restauração foram executadas nesse trecho a aproximadamente 12 anos atrás”, disse ao órgão de controle.
Ameaças de paralisação
Na última terça, sindicatos do setor de transporte de passageiros, cargas, construção e alimentos se reuniram e chegaram a cogitar uma paralisação de 24 horas, caso o governo federal não adote medidas concretas para resolver a situação precária no trecho da reserva.
Bancada federal de Roraima e soluções
Deputados de Roraima como Helena da Asatur (MDB) e Nicoletti (União Brasil) tem buscado junto ao Governo Lula uma solução para o problema. Na segunda (27), em reunião com parlamentares federais de Roraima, o ministro dos Transportes, Renan Filho, assegurou investimento de R$ 308 milhões para recuperar e manter rodovias do Estado, como a BR-174 – neste caso, os trechos dentro da reserva indígena e do sentido Pacaraima.
Avanços e melhorias ainda a ser feitas
Desde novembro de 2021, quando a Folha fez o trajeto total da BR-174 (Boa Vista-Manaus), houve avanços na recuperação da via, mas concentrados no trecho roraimense. Nem tudo se aproxima da perfeição, uma vez que existem pontes com rachaduras ao meio, a exemplo das passagens sobre os rios Anauá (divisa entre Caracarai e Rorainópolis) e Jauaperi (vila Nova Colina, em Rorainópolis).
Bem ao Sul de Roraima, os primeiros trechos com buracos começam após a ponte sobre o rio Água Azul, na zona rural de Mucajaí. Dali em diante, há camadas destacadas da pista apenas aguardando as máquinas do DNIT passarem com o pavimento asfáltico.
Mas os primeiros buracos que desafiam os motoristas que trafegam nos dois sentidos, podendo colocá-los em risco principalmente à noite, ficam no trecho da vila Petrolina, em Caracaraí.
Logo após o quilômetro 227, na vila Martins Pereira, em Rorainópolis, há parte sem asfalto que aguarda a manutenção do DNIT. Na terra indígena, ainda em Roraima, os quilômetros iniciais expõem os primeiros percalços que exigem atenção ampliada.
Em janeiro, o DNIT informou à Folha que, no segmento Sul da rodovia, em Roraima, existem contratos de manutenção ativos do quilômetro 0 ao 102, do 182,40 ao 281,70 e do 182,40 ao 281,70. Nesses trechos, a autarquia diz executar serviços de remendos profundos, tapa-buracos e reciclagem. Além disso, naquela ocasião, o departamento esclareceu que estava em fase licitatória a contratação de empresa de conservação e manutenção dos trechos sem contratos.
Assista ao vídeo