O Aterro Sanitário de Boa Vista apresenta dois problemas: o primeiro consiste na presença de resíduos sólidos nas adjacências do Igarapé Wai Grande, que fica ao lado do lixão; e o segundo é o uso de trilhas alternativas por catadores clandestinos para acessar o local.
Ambos os problemas não são novos, mas após medidas tomadas pela Prefeitura de Boa Vista de proibir a entrada de quaisquer catadores e realizar o recolhimento do lixo que estava se alastrando até o igarapé, eles ainda aparentam estar longe de serem resolvidos.
O Igarapé Wai Grande, que deságua no Rio Branco, já está com o lençol freático comprometido. A estimativa, segundo estudo da Universidade Federal de Roraima em 2016, é que a contaminação das águas e terra por lá já ultrapassa os 20 metros de profundidade. Mesmo com o recolhimento da concentração de lixo na região hidrográfica, realizado recentemente pela Prefeitura, ainda é possível ver lixo em contato com a água.
A fama do igarapé, causada pela contaminação, é tão grande, que artigos científicos sobre ele já foram publicados pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) ao longo dos anos de 2012 a 2016.
Além do igarapé, a presença de catadores no local também não parou. Mesmo com a recomendação do Ministério Público do Trabalho (MPT) de que pessoas não entrem no local, em setembro do ano passado, ainda é possível ver catadores pelo aterro, que entram por rotas clandestinas.
O trajeto consiste de uma trilha, que começa às margens do caminho que leva à entrada principal do lixão, e segue pela lateral da vala até que pedaços de pau e canos sejam avistados. Geralmente, quando os catadores passam por lá, montam a passagem pela vala e logo após a escondem, para não deixar rastros.
Nas proximidades da vala, dentro do trajeto, é possível ver que o mato ao lado dele continua alto, para que os catadores possam se esconder caso alguma caçamba ou segurança observe o local do topo do lixão.
Após passar pela vala, é possível avistar a cerca que delimita o território pertencente à Prefeitura de Boa Vista. Em alguns pontos dela, buracos, grandes e pequenos, são perceptíveis. Alguns apenas consistem no corte da parte inferior da cerca, para que a passagem esteja disfarçada. Passando por esse caminho, o acesso ao lixão depende somente de uma escalada entre os entulhos, que leva até o topo dele.
Um dos catadores que realiza essa rota, e optou por não ser identificado, relatou à Folha que a rota foi sendo criada aos poucos, na tentativa de despistar a segurança presente no local. “Aqui tem seguranças de guarita na região mais acima do lixão, realizando ronda. Por causa disso, no caminho, próximo da vala, costumamos ficar agachados atrás de uma mata alta para que não nos vejam”, explicou.
Ele também contou que, mesmo com a presença de apenas um ou outro catador no local durante o dia, pessoas costumam ir para lá em maior número no período noturno, por ser mais fácil se esconder no matagal. “É mais comum vir catadores durante a noite, pois fica mais fácil de se esconder dos guardas. Geralmente vamos até lá, realizamos o trabalho bem rápido, antes da ronda fazer o retorno, e voltamos”, afirmou. (P.B)
Associação de Catadores diz não ter ligação com clandestinos
A Associação de Catadores Terra Viva, que realizou boa parte de seus trabalhos no lixão por quase duas décadas, reiterou que nenhum dos associados entra no Aterro Sanitário. O representante nacional da associação em Roraima, Iranilson Souza, indicou que as entradas clandestinas são de catadores que trabalham de forma individual, sem qualquer ligação com a entidade.
“Estamos cumprindo tudo de acordo com a determinação judicial. Catador nenhum que faz parte da associação está indo lá há meses. Estamos focando em lixo das ruas, principalmente nas proximidades de supermercados”, contou.
A presidente da Associação, Evandria Pereira, contou que, após a determinação do isolamento do lixão, a Prefeitura de Boa Vista vem contribuindo com o trabalho realizado pelos catadores com dois caminhões. Entretanto, eles nem sempre estão disponíveis. “Muitas vezes é comum os caminhões não aparecerem. E precisamos deles constantemente para ajudar no nosso trabalho. Trabalhamos da forma que dá, dentro da legalidade, mas a ausência de transporte nos deixa impossibilitados de ganhar nosso sustento. Pois afinal, o pagamento é feito de acordo com o lixo coletado e não com o trabalho em si que temos para consegui-lo”, frisou.
OUTRO LADO – A Secretaria Municipal de Serviços Públicos e Meio Ambiente informou que a empresa responsável pelo Aterro Sanitário já vem tomando providências quanto à segurança do local, “mas as pessoas insistem em tomar tal atitude, colocando em risco as próprias vidas”. A secretaria notificará novamente a empresa para que reforce ainda mais a segurança e a fiscalização no local. Nenhum retorno foi dado em relação ao Igarapé Wai Grande.
Sobre a disponibilidade do caminhão para a Associação dos Catadores, a Secretaria Municipal de Gestão Social esclareceu que o caminhão está à disposição em horário comercial. Informou ainda que o veículo passa por manutenções preventivas e corretivas, quando necessário, e por essa razão, ele precisa ficar alguns dias parado.
A Folha também entrou em contato com a Fundação Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Femarh), para falar sobre estudos realizados pelo órgão no local. Entretanto, a Secretaria Estadual de Comunicação retornou alegando não de ser responsabilidade do órgão estadual a análise em locais pertencentes à esfera municipal. Além disso, uma demanda sobre o assunto também foi enviada ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que, até o encerramento desta matéria, não prestou retorno. (P.B)